quinta-feira, 8 de julho de 2010

Devil Inside

Ontem eu fiquei fazendo um trabalho burocrático que me custou seis horas, durante o que ouvi várias vezes pessoas contando os detalhes a respeito do atual caso criminal em foco na mídia, o do goleiro mandante de assassinato. Pessoas que faziam o mesmo trabalho, na minha volta, queriam saber mais a respeito, e outras pessoas que também faziam a mesma coisa sabiam e queriam contar a respeito do caso. O que me chamou a atenção na situação toda, como me é típico (tanto que criei este blog), não a história, que não me interessou desde o início, mesmo porque todo mundo parecia já saber o final, mas sim a forma como a notícia era passada e que comentários provocava.

Muitos devem ter notado que grande parte das pessoas reage a essa história não se focando na criminalidade da situação, mas sim nos erros de cálculo e nas burrices cometidas pelos assassinos, do goleiro aos que executaram a moça e lidaram com os restos físicos. Volta e meia alguém começa a falar sobre como o goleiro ou os assassinos deveriam ter agido para fazer o crime direito. A violência do fato é aproveitada com o clássico masoquismo de se apreciar filmes de terror, histórias nojentas ou cenas desagradáveis. Sente-se o prazer estético do desprazer (quem curte ouvir ou saber a respeito da história) e, quando a parte mais racional da mente se atém aos fatos e revisa o ocorrido, passa-se para a correção auto-educativa: como se evitaria as burrices cometidas para se matar uma ex-amante e não se sofrer as consequências. Alguns saem pelo outro caminho: não valeu a pena, teria sido melhor pagar a pensão e aturar a mulher que, pelo jeito, o irritava muito. Ou seja, nada contra ele matar a amante, desde que a relação custo-benefício fosse melhor do que a de não a matar.

Não vou fazer comentários moralistas. Só isso me fez lembrar do "caso Isabela", em que maioria esmagadora dos brasileiros não pensou em como fazer o crime perfeito, apenas no "horror" daquele assassinato ou em "como o ser humano é, né?" Obviamente a morte de uma criança pequena pelos pais afeta mais as pessoas do que a morte de uma ex-amante por um jogador de futebol, sejam quais forem as práticas para se lidar com o corpo desta e as relações com traficantes que o jogador tenha. É bem sabido que ninguém crê, no fundo, que toda vida seja igualmente sagrada, e as idealizações que a infância nos provoca são bem diferentes da ameaça a nosso narcisismo que amantes em geral provocam, ainda que haja espaço para certa empatia pela moça: pelo gênero, evoca facilmente o tabu moderno sobre a violência contra a mulher e pode lembrar as pessoas, às vezes, de que elas "deveriam" achar todas as vidas igualmente sagradas.

Com tudo isso, essa morte, no fim, permite uma série de prazeres. Há o prazer da fofoca, a morte de mais uma mulher que buscava o dinheiro de um jogador (tipo social bastante odiado, particularmente por mulheres), a prisão a olhos vistos de um criminoso, a possibilidade de se trazer à tona uma série de assuntos de que dependem profissionalmente muitas pessoas (por exemplo, quem combate a violência contra a mulher), o prazer intelectual de se criar soluções logicamente mais eficientes e a alegria de se crer taticamente mais capaz que outra pessoa, fora o prazer masoquista, primeiramente mencionado, com coisas nojentas e violentas. Tanto prazer, porém, termina por enfraquecer a história, midiaticamente. Não se pode explorar o caso com a mesma força sensacionalista. A vítima não evoca "pureza" (pelo contrário), a diversão do público com o caso não permite a mesma posição moralista, e a coisa toda soa menos patológica, mais como uma manifestação exagerada de um caminho possível culturalmente. É uma manifestação cultural exagerada e anacrônica, mas mais familiar, particularmente se comparada a se matar a própria filha.

Enfim, em comparação com o "caso Isabela", sente-se bem que a história é mais rica, suas ambivalências não são aplainadas por tanto moralismo, e, por isso, as notícias têm cores realistas, as reações das pessoas à história são mais ambivalentes, ricas, complexas, e assim, necessariamente menos hipócritas. Não estou dizendo que "somos tão maus quanto o (goleiro) Bruno." Estou dizendo que, além de termos mais motivos que ele para conter essa óbvia "maldade" que nos acompanha, parece que muito mais gente se sente segura, nesse caso, para não fazer de conta que é MUITO melhor que ele.

Um comentário:

Fê Bellini disse...

certo q eu sou melhor q ele... ainda mais com nojo!