segunda-feira, 12 de julho de 2010

Bastidores de uma segunda-feira

Sacrílego em relação aos costumes de meus grupos de amigos, de meus círculos de convívio e de minha classe social, acordei hoje às 5h da manhã, sem sono, cansaço ou remorso. Fui para a janela, então, atraído pela chuva forte e pelo ar de noite completa na quase-manhã. Resolvi ler, mas me dediquei mais a testemunhar escondido a secreta preparação de uma segunda-feira.

O dia que seria recebido moralmente pelos porto-alegrenses ("mais uma segunda", "que saco acordar cedo", "não quero ir pra aula/trabalhar", "porcaria de chuva") preparava-se diligentemente em seus aspectos físicos, despreocupado com essas injustiças que ouviria em seguida. De três em três táxis, o pessoal passava terminando o turno. A cada um desses trios, um relâmpago, às vezes iluminando a silhueta de um morro. Nenhum prédio com luz, com exceção de um apartamento que eu suspeitava estar mesmo sempre com uma lâmpada acesa. Teoria confirmada.

Após meia-hora desértica, passou um solitário com um sapato barulhento, sacola, casaco. Um ônibus vazio, um carro de polícia, mais um táxi. Em marcha lentíssima, cada luz de saída de um prédio era acesa, às vezes para apagar em seguida. Alguns carros apareceram na rua. Talvez pessoas indo trabalhar já, a que a chuva respondeu aumentando muito; forte e tocada a vento, ela apressava a preparação da segunda que quase começava sem que o cenário estivesse pronto. Os raios se intensificaram e os carros sumiram. Se alguém pretendia sair, fora eficientemente inibido a se demorar mais um pouco. A cama, tornada ainda mais atraente, reteve os outros. Mais um ônibus passou vazio. O estranho da sacola voltou pelo mesmo caminho, agora com o som de seus sapatos totalmente suprimidos pelo som da chuva.

Os horários de colégio e faculdade deixaram impressão demasiadamente forte em mim, então ainda estranho que, entre as 6h e as 7h da manhã, as luzes acesas praticamente não aumentem de número ainda que eu esteja hoje num bairro de bares, velhos e jovens cults. Mas os ônibus começam a aparecer com passageiros, e, do outro lado da rua, cruzam os primeiros transeuntes: um solitário, perfeitamente de branco da cintura para baixo, e um casal. Aparição do primeiro grupo, dado significativo.

Um carro sai de uma garagem. A chuva já acalmou, a cidade está equilibradamente molhada, as poças são comuns e já têm tamanho para durar por toda a manhã. As cargas eletro-magnéticos da atmosfera estão novamente em equilíbrio. O sol nasce, mas não se descortina, apenas avança até que as nuves distribuam sua luz irmanamente pelo céu. O barulho do trânsito aumenta, e já temos a primeira sirene. Chaves e passos se tornam mais comuns e próximos. Temos som e luz.

Ação.

2 comentários:

Carla M. disse...

E eu dormia calmamente enquanto isso tudo acontecia?!

Tigre disse...

hehe. Tava dodói, precisava dormir.