quinta-feira, 7 de março de 2013

O pudor da morte

Se tem um sentimento que me impressiona é o pudor da morte. Não acho termo melhor, ainda que a morte não necessariamente esteja batendo à porta, mas nitidamente se trata de um sentimento que não surge se a pessoa passa por mera enfermidade (pelo menos não a maioria das pessoas minimanete sãs). Quando tal pudor aparece, de uma forma ou de outra, a morte está envolvida.

Refiro-me ao fato de que há certa fisgada, certo impacto de um mal particularmente reconhecível que parece assustar o atacado, e de repente mesmo a pessoa mais extrovertida, sentimental, aberta (como gostam de dizer) se esconde, sente vergonha do próprio padecimento. Quer se guardar de quem não viu seu estado e se sente humilhada por quem já o viu. 

Acho incrivelmente curioso como alguém nessa situação luta por fazer força, quer aparentar e de fato estar mais saudável do que realmente está. Pior ainda, nesse estado a mentira do enfermo para si mesmo fica ainda mais evidente, vemos que a pessoa acredita que pode realmente mais do que consegue, e tentando se ocultar o pobre cérebro se expõe ainda mais. Parte do pudor é uma mentira para si mesmo, como se dizer que estamos melhor fosse um remédio viável, por qualquer motivo sempre à mão para nossa frágil mente, que de repente pode tudo, menos se mostrar tão frágil, com a verdadeira fragilidade que sabemos ser de todos.

Acho impressionante, quase preocupante, o impacto num grupo acarretado por quem se sentiu assim avizinhado da morte, de repente se perdendo da sanidade apenas o suficiente para não saber mais tão bem como mentir que é forte. É como se a morte apenas levantasse levemente o capuz, mal olhasse ainda para avaliar se é a hora, e tanto seu alvo se desesperasse para agarrar e fingir a vida, quanto seus vizinhos, que nem mesmo foram vislumbrados pela morte, sentissem a força do abismo que ali apenas se insinua.

Acho, acima de tudo, um tributo a quanto nossa filosofia e nossa visão de mundo consegue, de uma forma ou de outra, esquecer da morte, ignorando o corpo. A mente corre a montar o espetáculo ainda que pressinta a fragilidade das paredes de cartolina, e as pessoas que assistem a esse esforço tão cheio de pudor humilhante temem a consciência de que elas próprias, tanto quanto a quase vítima, não estão apenas na plateia, mas são também personagens sustentadas por uma estrutura de alguma forma ridícula, a qual tende a ser lembrada apenas quando falha.