quarta-feira, 27 de junho de 2012

Rapidinha sobre Golpe do Paraguai

Se houvesse algum interesse em honestidade intelectual, nossa cena política só precisava de um dicionário, ou mesmo de um glossário.

O problema de se dizer que houve golpe ou não é, claro, só um problema de partido aqui. A ex-esquerda chama de falta e a neo-oposição-conservadora diz que o lance é válido. Agora, na tentativa de soar verdadeiro, correto, do lado da razão, da ciência ou da jurisprudência de fundo de quintal, as pessoas simplesmente demonstram que ninguém quis se informar muito sobre as palavras "golpe", "impeachment" ou mesmo sobre a qualidade de argumentos de qualquer dos lados no próprio Paraguai, para então se pensar se é possível aceitar esses argumentos sem se chamar o governo do Paraguai, agora e antes, de antidemocrático.

Seria o caso, enfim, de se alinhar conceitos antes de hastear bandeiras. Sei que o caso é velho e não estou dizendo nada demais aqui, mas fazia tempo que eu não postava, e não parece que ninguém tenha parado para simplesmente apontar o pequeno mas fundamental detalhe de que defensores e acusadores do Paraguai não estão nem tentando falar a mesma língua, mas juram isenção e honestidade... acima do outro lado.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rio +20 e a política

Uma mulher no poder? Lá de onde eu venho não tem disso não...

Faltam dois dias para recebermos mais uma vez Ahmadinejad no Brasil! Ele vem por causa do Rio +20. Obviamente seu objetivo é "estreitar relações" com Brasil, um dos grandes países a aceitar seus crimes de Estado e o terrível sistema político do Irã. 

É um desafio para mim entender o que a proposta de um "mundo sustentável" tem a ver com perdoar um Estado teocrático daqueles. Mas, na verdade, nem entendi ainda como um país democrático (especialmente se o país se anuncia internacionalmente como democrático) recebe ditadores e assemelhados. Os governantes do mundo, porém, não apenas lidam bem com a situação como a repetem inúmeras vezes, com toda a tranquilidade. Os governos da América do Sul, então, são especialistas nisso (o Brasil tem até uma Associação de Amizade Irã-Brasil!!!). E o discursinho de um mundo diferente, possível somente longe dos EUA, sempre marca presença nas contorções retóricas que permitem esse tipo de amizade. Além do mais, com o que a Dilma já arregou para militares aqui, o que seria cumprimentar e conversar animadamente com a misoginia encarnada, né?

Por outro lado, contorções retóricas as temos para o principal problema: o programa nuclear iraniano. Até que se prove cabalmente que ele é mesmo militar, o Irã pode ser desculpado, por alguns, como inocente. Por isso, Ahmadinejad e seus companheiros não permitem de jeito nenhum que os países interessados analisem direito o que rola por lá. Nada suspeito, né?

O Mensalão também, se não for julgado, segue sendo uma acusação vazia. Para alguns... Curiosamente, para os mesmos que aceitam o segredinho de Ahmadinejad com seu urânio. Assim, nosso governo toma a mesma tática: atrapalha e atrasa a investigação a fim de impossibilitar a acusação cabal. 

Aqui, a acusação prescreve, e seguimos com a currupção impune. Lá, a acusação sem provas só tem prazo de validade até o mundo ir pelos ares.

domingo, 17 de junho de 2012

Negar a verdade por medo das consequências

"A escola é o último lugar para o jovem não se tornar um marginal"

A ideia é mais ou menos essa, mas foi resumida numa frase semelhante, que infelizmente não consegui encontrar na internet para citar aqui. De qualquer forma, o espírito da coisa é esse. Recentemente a vi citada para uma plateia de professores. Todos aqueles que não estavam apaixonados pelos clichês falados pela palestrante (e que estavam perto de mim, pelo menos) nitidamente se sentiam desconfortáveis com a ideia.

O problema, pelo jeito, não seria por constatar algo supostamente falso. O problema mesmo é que, se a afirmação for correta, a escola tem uma gigantesca responsabilidade... a mais. É uma daquelas situações clássicas ("das Humanas" eu ia dizer, mas nas Exatas isso também é verdade...) em que uma afirmação sobre a realidade é negada não por constatar uma falsidade, mas porque, como uma performativa, a consequência da frase é complicar ainda mais a vida da gente, então é melhor negar a proposição como ato, sem nem mesmo entrar no mérito de ela ser verdadeira ou não. Posto de outra forma: não se questiona a veracidade de uma afirmação que, se verdadeira, exige mais da gente.

Infelizmente, uma verdade não deixa de ser verdade apenas porque nos é desconfortável confrontá-la. Classicamente, aliás, uma verdade ignorada é exponencialmente mais perigosa que uma verdade enfrentada, pois continuamos combatendo as consequências dela como se fossem causadas por outros motivos, portanto atiramos para todos os lados, apenas com a garantia de nunca mirar no alvo real.

A ideia pode ser complicada, ou verdadeira apenas em alguns casos, mas a solução ainda é assumir que isso pode ser verdade e se analisar realmente o quanto a ideia funciona, não ignorar o que se constata para seguir com a cabeça enfiada na terra.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A legítima defesa da velha e a depressão do policial

Recentemente, uma mulher de 87 anos matou um assaltante em Caxias do Sul. O cara estava em condicional, recém liberado, era reincidente, aquela coisa toda que a gente conhece... A mulher ontem foi presa por homicídio e posse ilegal de armas.

A princípio, esse fechamento é irritante, não? A defesa por legítima defesa e as outras razões legais para soltá-la virão depois. No momento, a polícia agiu conforme a lei, com um preciosismo típico de quando a pessoa (vítima ou agressor) não tem dinheiro demais. Exatamente essa diferença, nossa tendência a nos condoer pela velha e nosso constante susto ou opressão sob a violência das cidades (e Caxias é uma cidade muito violenta) nos levam a pensar que é injusto a mulher ser tratada dessa forma.

Mas eu vim aqui falar um pouco pelo diabo (no caso, a polícia), a fim de chegar ao meu ponto. 

Em primeiro lugar, eu me sinto, por um lado, feliz pela velha. Melhor seria não passar por algo do tipo, mas, tendo passado, antes se ver com a polícia e ter sobrevivido a um confronto com um assaltante que poderia atacá-la em sua própria casa que ser vítima desse cara e ter de esperar dias para a polícia, quem sabe, aparecer. Afinal, é mais fácil ser preso que ser socorrido por policiais.

Além da sobrevivência ao confronto, ela dificilmente será incriminada. A polícia não está exatamente procurando sarna para se coçar e reconhece, suponho, que a tal mulher não é exatamente o que está errado com Caxias.

Ainda assim, nos vem a ideia de que ela não deveria ser nem acusada. Tendemos a pensar que a mulher deveria ser ouvida pela polícia, receber um tapinha nos ombros por congratulação e voltar ao seu dia-a-dia, nem que fosse para lidar com o assassinato de outro ser humano como quiser, se isso é o tipo de coisa que incomoda aquela senhora. Bom, isso me parece otimismo desmedido, motivado pelo que consideramos hoje um final feliz: se o bandido na situação está morto, estamos satisfeitos, e supõe-se que nenhum problema advirá disso.

A polícia, no entanto, não pode partir de nenhum desses pressupostos. Em primeiro lugar, estão em frente a uma mulher que demonstrou que, aos 87 anos, é capaz de matar outro ser humano. Em segundo lugar, se a polícia acreditasse em aparências e primeiras versões, a impunidade seria ainda mais fértil que já é. Em terceiro, a arma ilegal estava na casa, mas supostamente não era da velha. Era de quem? Por que estava ali, se ilegal? (É possível entender que a arma era legal, mas ela não tinha direito de empunhá-la - a notícia, como é comum, não foi clara nessa parte.) Como disse, Caxias é uma cidade violenta, e não se pode dar ao luxo de não investigar questões como essas. Então, dessa vez, o "bandido" morreu? Isso não garante que, na próxima, o morto não seja um bandido, mas outro qualquer, ou a vítima se passando por bandido (que ainda seria incriminado por homicídio, claro). 

Ou seja, quando alguém morre, está certo a polícia parar tudo e lidar com muito cuidado com o assassino, mesmo que seja uma senhora de 87 anos que ia ser assaltada por um criminoso reincidente. Não é o contexto, mas a morte de outro ser humano que motiva o estancamento do cotidiano e o pisar em ovos frente às evidências do crime, até que tudo esteja bem claro. O problema é ainda quando a polícia NÃO age, e deveria. Agora, não é porque a polícia tende a ser ausente, pobre, desrespeitosa, corrupta ou incompetente que, quando ela não o é, deve ser acusada. Deixemos as críticas para quando ela está errada! 

O meu ponto, em tudo isso, era que, mesmo com as razões que aprensentei (sei que um juiz ou advogado incluiria muitas mais), o policial em geral deve sentir pelo menos uma tendência a essa empatia que nos faz reclamar da polícia por incriminar a velha (note-se, incriminá-la pelo que ela fez!). O policial, além disso, tem conhecimento da falência da polícia com uma profundidade que nem suspeitamos e precisa conviver com as ironias de ver tanta miséria na profissão e, ao mesmo tempo, uma velha sendo presa por defender sua casa. 

Escrevi este post para dizer, então, que é nesses dias que o cara precisa amar demais o seu trabalho. Pois é preciso ser muito ético, ou gostar demais da profissão, ou as duas coisas, para prender uma velha nessa situação e não se deprimir com o que se escolheu fazer da vida.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O blog como problema

Shhhhh - blog dormindo só um pouquinho!

Quando criei este blog tinha mais tempo e quase ninguém com quem conversar. O Orkut não servia bem para essas coisas... O Face e o Twitter não haviam ainda sugado todas as energias verbais das pessoas (além de que eu não tinha conta neles), de modo que alguns conhecidos tinham e mais ainda liam blogs.

Comecei as publicações sem grandes ambições de ser lido, apesar de acreditar que umas três pessoas pelo menos iam conferir, já que tinham me motivado tanto a começar um. Eu era muito ligado em retórica jornalística e papos de ônibus (sempre para debochar da forma como as ideias eram expressas nesses meios). Com o tempo, no entanto, essas duas coisas foram sendo superadas.

Entre um comentário de filme ou alguma reclamação sobre a vida acadêmica, que voltara a me consumir com algumas cadeiras obrigatórias novamente, as viagens de ônibus foram diminuindo, os papos foram se repetindo, e as notícias foram me levando para alguns comentários políticos. Nessa época eu escrevia pelo menos um post por dia (algo que se manteve, creio, por mais de dois anos), então não me tocava muito sobre as pequenas curvas que minha seleção de assuntos fazia. 

Isso foi se reforçando até a eleição da Dilma. Repentinamente eu me toquei o quanto tinha deixado de comentar retóricas ridículas de outros campos, e comecei a tentar resistir a escrever sobre política. Não fui muito feliz no esforço, mas algum resultado houve. Só que, na verdade, uma nova respirada de tempo me fez desviar para política internacional, já que pude começar a ler uma série de jornais pelos quais sempre tivera curiosidade (ou retomar alguns de quando estudava línguas estrangeiras).

Depois do primeiro ano de certa uniformidade e um aumento mais ou menos significativo de visitas, todos esses movimentos foram a receita para ter cada vez menos leitores, creio. Conforme eu não mantinha uma linha, quem gostasse de um post podia passar muito tempo sem achar nada de relevante no blog. Não criei relações que vi vários outros blogueiros criarem com gente que escrevia coisa parecida, bem como não abri o site para muitos conhecidos ou amigos, já que minhas críticas podiam insultar muita gente e eu estava mais preocupado em colocar as ideias pra fora do que em tornar todas as minhas relações super-honestas.

Este blog, portanto, não tem tema, a não ser formal (retórica ridícula), sendo que nem esta questão formal é necessária em todos os posts. Mesmo assim, quem gostava ficava, aparentemente, e eu via pelo menos um rastro de um certo trânsito no blog. Quando eu comecei a rarear, porém, até essas pessoas devem ter parado de procurar muito o site, já que eu parecia ter abandonado o barco. Ou eu perdi o tom, quem sabe? Talvez elas também tenham se ocupado mais, ou tenham entrado na mesma onda de descarregar a energia leitora-escritora no Face.

Acho que 6 pessoas, na melhor das hipóteses, ainda leem este blog, nem todas vindo realmente no site, mas recebendo o post no e-mail. Assim, nem estou aqui falando sozinho, nem realmente criando um texto com possibilidades variadas de leitores. Então não seria mais adequado criar uns e-mails com vários destinatários, contando novidades em vez de comentando bobagens (o que se faz monologicamente só com vários leitores ou com nenhum) e abandonar o negócio de vez?

sábado, 2 de junho de 2012

Elasticidade emocional: o caminho e a impossibilidade da educação

Há poucos dias entendi o conceito central da pedagogia que me escapa, que na verdade escapa a quase todos os professores, se questionados diretamente. Cunhei (que eu saiba sou o autor do termo) de "elasticidade emocional".

Trata-se da habilidade de lidar com um grupo não como um todo, mas como um agrupamento de indivíduos, sem se esquecer realmente do todo.

Aparentemente contrário ao que se fala sobre turmas e educação, a elasticidade emocional é a necessária conclusão do individualismo que marca toda a nossa sociedade tanto quanto subjaz às teorias pedagógicas mais aceitas por conservadores, progressistas, engajados de Facebook, neutros e curiosos. Não estou dizendo, no entanto, que ele me ocorreu por tentar balançar teorias. Esse conceito, para o gozo de qualquer paulo-freirista que leia este texto, nasceu da prática.

Os alunos têm suas necessidades, suas faltas, seus talentos, seus traumas, às vezes suas sequelas, tudo extremamente específico. Cada indivíduo na sala de aula, por mais clichê que seja (o malandro, a respondona, o revoltado sem causa, a cdf, o puxa-saco, a roqueira, o submisso...), é um abismo de idiossincrasia: quanto mais se conhece a pessoa, mais se vê o quanto suas necessidades para aprender são diferentes do resto da sala.

Toda essa especificidade envolve uma relação emocional diferente com o professor. Existe, para cada um, creio eu, um estado emocional ótimo, em que a relação na sala de aula e a aprendizagem funcionam muito bem. O problema é que o tratamento que um aluno recebe pode conflituar demais com o de que outros ali presentes precisam, e um mau dia de um aluno desses também pode contradizer demais o que está acontecendo na aula. Multiplique-se esse problema por mais ou menos 30 e vemos de onde nasce a ideia de elasticidade emocional.

Essa elasticidade é a capacidade de chamar a atenção de um aluno, responder a pergunta interessada de outro, procurar saber se uma outra está aprendendo, recolher o recadinho de uma outra ainda (decidindo como lidar com o tal recado, naquele momento), sempre lembrando que qualquer reação afeta a aula toda, pois o grupo todo está testemunhando cada uma dessas coisas, às vezes até outras que não estamos vendo... 

O pulo imediato entre irritação, bom humor, amizade, seriedade... e as armas de uma conversa em grupo (voz alta, reação estranha chamativa, piada adequada, lição de moral...), bem como a consciência da experiência total da sala de aula em conexão com o planejamento e o tempo restante são as grandes chaves, a meu ver, para realizar uma boa aula. A maioria dos professores, claro, dizem que não a têm, ou que é impossível ter tanta elasticidade assim, além de que cansa.

Parece-me realmente que é a maior fonte de cansaço da atividade, acho que é mesmo impossível tê-la perfeitamente (por isso todos os séculos foram marcados pela clara noção de que turmas pequeníssimas, até tutoria pessoal, são a marca da boa educação), mas também considero que todos os professores que conseguem algum resultado a têm em algum grau.

É, porém, uma habilidade para resolver um problema idealmente desnecessário. O professor de talento, por exemplo, não precisa necessariamente dessa habilidade, mas o talento é exceção em todas as áreas. Estou aqui falando sobre aula como um classicista falaria sobre arte, o que seria imediatamente desbancado ou reinventado por um gênio artístico, ou, no nosso assunto, um gênio pedagógico. Infelizmente um sistema de ensino obrigatório e público não sobrevive de gênios. A raridade de uma pessoa nascer com o talento concentrado numa área específica de trabalho é desanimadora, como bem se sabe. 

Da mesma forma, como disse antes, a impossibilidade de professores não geniais perfectibilizarem a elasticidade emocional é preocupante, portanto o sistema poderia sobreviver sem gênios apenas se abaixasse o número de alunos. Só que isso aumenta o custo da educação, e ninguém quer gastar com ela! A política de educação é sempre "menos". O dinheiro só pode fluir mais para programas voltados a apagar incêndio (em parte porque aí a verba pode ser mais facilmente desviada, aparentemente). Uma vez que outra se cria novas instituições, é verdade, mas elas nunca são montadas até o fim. O nome, talvez o prédio, ficam lá para serem contabilizados, mas a educação segue na mesma.

Se alguém precisa de uma desculpa para racionalizar seu abandono da profissão, portanto, pense nisso: como vai a sua elasticidade emocional?