terça-feira, 30 de outubro de 2012

Clarice se destaca

Estou novamente redescobrindo Clarice Lispector (não, não é redundância). Ela é dessas autoras canônicas (como Cruz e Sousa, Oswald de Andrade...) odiadas de forma semi-velada por uma massa grande de leitores "informados", que se tornam, por isso, difíceis de ler. Parece que tudo se atravanca no caminho, seus textos tendem a ser adiados ou cortados de cadeiras da Letras, grupos de estudo, análises e assim por diante...

É muito mais fácil, então, Clarice ser lida de forma um tanto mais cotidiana, por fãs ou interessados, até porque cai bem elogiá-la em jornal, quando faz aniversário e tal. Mas isso pouco me interessava porque eu estava envolvido com Letras, não podia fingir ser outro tipo de leitor, nem acho que deva. Além disso, minhas listas A, B e C de leitura estão lotadas de livros, e muitos deles nascem de obrigações. Autores mal-quistos, mesmo que canônicos, tendem a não ser obrigação, ainda que gostemos deles...

Pois bem, acabo de ler um conto que representa bem o valor da autora, no entanto. Trata-se de um dos primeiros, " A Fuga". O que me chamou a atenção em primeiro lugar é que já representa bem muitas das personagens por que ficaria famosa (ou odiada) depois: trata-se de uma mulher que perdeu o navio, literal e simbolicamente. E isso é um ato, ou a ausência de um. Já explico a ênfase no "ato":

Aí está a grande diferença, pra mim, entre Clarice e quase todas as autoras "femininas" que são jogadas no mesmo saco, particularmente as cronistas que são comparadas a ela. Clarice Lispector não escrevia sobre mulheres sentindo pena de si mesmas e aproveitando fugas simbólicas. Com essas personagens, a autora (a meu ver) escrevia sobre a falência dessas fugas simbólicas, sobre o fato de que elas não bastam, de que acreditar, esperar, manter um coração assim ou assado não são NADA! Isso na década de 1940! Tem gente (muitas mulheres, justamente) ainda hoje achando que às mulheres só cabe a fuga simbólica. Vida real é pra ser triste e desconsolada...

"A Fuga" é aquele típico conto bem escrito, com movimentos de narrativa que autores como Paulo Coelho confundem com erro gramatical e que não se centra no anti-clímax que virou clichê para esse tipo de literatura bem depois dela (em grande parte por causa dela), mas também não se centra nas viagens da personagem ao longo do conto. Trata-se de um conto inteiro, talvez deva dizer inteiriço, que não enche mursilha para destacar um sentimento de que a mulher é especial, de que cada uma pode fazer a diferença, ou qualquer coisa do tipo. Só o que cabe ao leitor, como sempre, é reagir ao que leu, é pensar a respeito, é tomar posição. A personagem não é um exemplo nem serve para acalentar os desejos procrastinadores ou as consciências mágicas que querem sofrer no seu lugarzinho e achar que isso as faz especiais. 

Se quer só sentir o coração cálido e pensar que é um floquinho de neve, Clarice não serve. Ela é literatura canônica porque é sobre a realidade, não sobre a mascarar, e os mascaramentos de suas personagens são o ridículo, o humano, a que se reage, tentando sempre sair daquelas amarras com que insistimos em nos prender, homens e mulheres, do século XX ou depois. Quem não vê isso, não precisa lê-la, quem achar alguns contos piores que outros, beleza! Agora, não me digam que ela é fraca, que não é. Ou, se querem dizer, provem! Duvido!

sábado, 20 de outubro de 2012

Formação continuada: a mesmice não morre

É difícil ser mais bitolado hoje do que se falando em modernidade líquida, velocidade e virtualidade disso ou daquilo. A menos que se esteja conversando com pessoas que nunca pensaram sobre a própria cultura (e não sejam nada instrospectivas ou intelectualistas), poucas afirmações podem ser mais óbvias do que essas. Pior ainda é se falar sobre a falta absoluta de verdades, tudo ser relativo, ou - o cúmulo - "hoje a gente vive na era da Internet"!

Não entendo como ainda se aceite que alguém, em 2012, esteja descobrindo a Internet. É tanto uma ferramenta quanto um fenômeno cultural batido. Não bastasse tudo isso, a maioria dos usos dela continua sendo uma recauchutada dos usos de ferramentas mais antigas, portanto grande parte do discurso sobre a Internet é meramente um elogio deslumbrado e ignorante.

Assim, ser convidado a me deslumbrar com a "cultura da nossa época" no sábado é simplesmente uma das piores notícias que eu poderia receber. É de doer ter que fingir que a "multiplicadade" e as incertezas contemporâneas são notícias, apaixonantes ou desesperadoras. Ainda se fosse alguém demonstrar quanta constância há nessa inconstância, quanta verdade há sob esse relativismo, não seria novidade, mas seria de se respirar um pouco. 

Mas não, seguimos sendo "continuamente formados" por pessoas que não reciclam o cerne do próprio discurso (ainda que usem exemplos novos) desde 1970 - e o formato dos comentários desde 1990. Os empregadores têm razão: ou atrelam o salário do profissional a fazer "formações continuadas", ou não tem quórum.

domingo, 7 de outubro de 2012

Bom domingo de eleição

Como nenhum político pode representar o interesse de todos os eleitores, cada um deles tenta representar o interesse pelo menos de certos grupos (ou nos convencer que o fazem, claro). Alguns grupos são representados por mais de um, outros por nenhum, mas o importante é que nenhum político realmente vai trabalhar pelos interesses de toda a população.

Nosso desafio, como eleitores, antes de ser o de julgar o que é melhor para a maioria, é tentar entender pelo menos quem vai nos favorecer, não desfavorecer. De uma forma ou de outra, nós também não podemos beneficiar a todos com o nosso voto.

Por essas e outras, quando vamos eleger alguém, votamos uns contra os outros. Isso quando não votamos contra todos.

Bom domingo de eleição.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Poema do mau cotidiano

Às vezes eu paro o que estou assistindo,
ou deixo muda a música que ouvia.

É uma propaganda política que passa
entrando estridente pela janela.

Ela deve ser honrada com o silêncio,
como uma má notícia.