sábado, 13 de agosto de 2011

Preconceito com racismo

"Violência gera violência", pelo menos se ninguém para e pensa.


Eu acho sempre interessante quando ouço alguém dizendo que algo foi um "racismo ao contrário". Se racismo é o preconceito contra alguém com base em sua "raça", talvez a expressão pudesse querer dizer "tratamento igualitário", ou indicar que alguém reforçou uma ajuda, "compensando" por um racismo anterior, mais ou menos como a lógica de cotas raciais, né? Mas a expressão na verdade é usada para se referir a racismo contra loiros de olhos claros, ou, em casos mais genéricos, simplesmente contra "brancos".

Ou seja, o termo racismo realmente ficou tão associado ao preconceito contra negros que as outras raças não sofrem racismo propriamente, podem apenas sofrer o genérico "preconceito" (quando recebem o direito de "sofrer" algo). Racismo mesmo, só contra negros. O que faz pensar se as pessoas não consideram que existe apenas uma "raça", a negra; os outros seriam mais ou menos marcados por nacionalidade, classe ou cultura, como os "ricos", os "estrangeiros", os "muçulmanos"... Enquanto o racismo é um termo preciso, resta aos outros o termo amplo, preconceito. É como se "racismo" fosse informativo, como uma idade definida, "29", digamos, e aos outros restassem termos com a imprecisão de "acima dos 30".

Mais do que isso, um inglês tendo preconceito com um brasileiro "branco" não parece evocar a expressão "racismo ao contrário" (ou suas parentes, "racismo às avessas", "racismo invertido" etc.). Ela é particularmente usada quando o preconceituoso em questão é um negro. Ou seja, o termo também aplica uma certa noção de movimento: racismo é o preconceito que sai do branco e atinge o negro, o "ao contrário" é um tipo estranho de racismo que faz o movimento de volta. Por essa via, o termo deixa claro que reconhece o racismo que chamaremos aqui de clássico. O invertido é a modalidade que picou de volta para o grupo que tradicionalmente seria o ofensor.

Como nosso uso de linguagem é simplificadamente instrumental, ou seja, os conceitos nos interessam em geral como ferramentas simples para o dia-a-dia, não muito como conceitos mesmo, com profundidade, nuances e história, é compreensível que a maioria das pessoas os transforme em cunhagens simplórias, em que rapidademente (em menos de uma geração de politicamente correto) um termo muito usado já comece a perder seu traço etimológico, ainda que vindo de uma palavra que também segue em uso. O que acho bem menos compreensível é que pessoas que trabalham com esses termos, que vivem das ideias e das discussões relacionadas, para quem o problema do racismo não é nem alheio nem puramente um elemento prático do cotidiano, façam essas confusões.

Da mesma forma, o senso comum explica muita confusão ativa, incluindo que algumas pessoas não entendam que devem buscar não ter preconceitos com loiros assim como buscam não ter com negros. No entanto, esse senso comum não pode justificar nem o racismo clássico nem o "invertido" em profissionais do governo que trabalham com programas de "respeito à diversidade" e assemelhados. Por exemplo, que não aceitem uma loira coordenando as atividades dessa área, ou que o façam, mas com desrespeito e estranhamento, é um dado absolutamente preocupante. E não me refiro a uma situação ambígua, aberta a mal entendidos, em que o desrespeito profissional possa apenas ter parecido tocar na "cor"; falo dos casos em que o fenótipo é explicitamente referido. 

O respeito à diferença que não se livra de revanchismo alucinatório preocupa tanto quanto a realidade persistente do racismo, porque indica quão simploriamente também essa campanha é levada na organização infinitamente emburrecente de planos de governo voltados à educação em sentido amplo. Só para reforçar, eu realmente acho que esse tipo de campanha é necessária, mas também acho que nenhum governo brasileiro parece ter entendido ainda como fazê-las. Pelo que tenho notícia, alguns programas de valorização da "cultura negra" funcionam, no entanto não se parece ter entendido como se conseguir os mesmos resultados quando o assunto central não é o valor de um ou de outro, mas sim respeito mútuo, o que pode ser implicado nos casos de valorização de determinada cultura, mas não é a mesma coisa. Bem como, por motivos óbvios, preconceitos abundam facilmente como efeito colateral de programas que buscam simplesmente valorizar uma cultura, especialmente por haver muitas vezes um traço localista nessas atividades. Parece fazer parte de nosso instinto entender que algo ser bom é igual a isso ser superior a outras coisas, de modo que essa questão sempre precisa ser explicitamente trabalhada para que tiros não saiam pela culatra. A maioria desses mal entendidos na prática não parece provocar muita violência, mas isso é suficiente? Que não haja "muito" preconceito contra o outro? (Infelizmente me parece necessário indicar aqui que não estou igualando as diferentes formas ou intensidades de preconceito, nem indicando que deveria haver um Dia do Branco, logo depois do Dia do Hétero, ok?)

Talvez seja tarde para espalhar que "racismo" era um termo potencialmente capaz de referir qualquer preconceito por cor de pele ou traço fenotípico, mas nunca me parece que seja tarde para que se peça profundidade teórica de pessoas que profissionalmente lidam com determinados conceitos. Se a própria profissão de alguém implica o valor de um conceito, então, como ser educador de "políticas públicas", o que o tal senso comum está fazendo no próprio comportamento dessa pessoa?

Parece que esse sujeito sabe fazer campanha de respeito mútuo com alguma eficiência.
Mas seus alcances fizeram menos sucesso que sua carreira para modelo, em estampas de camisetas.

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