sábado, 26 de janeiro de 2013

Preço completo pela metade do serviço :)

Uma empresa veio fazer uma entrega aqui, mas deixou o produto (bem pesado) na porta do prédio, não querendo subir para deixar no ap. Eles informaram a maracutaia, "espertamente", depois de terem a nota da entrega assinada - afinal, ninguém esperava ou já ouvira falar de prática tão bizarra de entrega. O argumento, se posso chamar assim, era que um dos funcionários tinha se machucado há pouco tempo trabalhando (motivo para deixarem de fazer o serviço?) e já havia acontecido tanto problema com essa tal entrega (que, por exemplo, estava chegando quatro dias atrasada, nesse caso, 50% de atraso) que eles não queriam arriscar mais!!!!

O importante aqui, no entanto, não são os detalhes ou a retaliação dessa atitude. O importante é o raciocínio utilizado. Fiquei pensando em extrapolá-lo.

Digamos que um médico está com dificuldade de nos diagnosticar e prescreve um remédio errado. Não seria curioso se esse fosse o motivo para ele cobrar o resto do tratamento, mas passar a nos tratar ainda pior? Já que cagou antes, vai se dedicar menos...

Imaigine que chegamos numa loja e o atendente nos alcança uma roupa com um tecido que nos incomoda. De repente, ele decide que não vai mais nos atender muito bem, nem nos indicar nada, porque já houve problema naquele atendimento, então é melhor "não arriscar mais". No entanto, deveríamos pagar o preço de uma roupa nova, obviamente. O serviço foi tentado.

Algumas acusações em POA indicam até um funcionamento parecido no Pinguim, um bar grandalhão daqui. Supostamente algumas pessoas têm apanhado por discussões que começam em torno dos 10%. Agora, será que a polícia perguntou aos garçons se não estavam aplicando esse raciocínio dos entregadores? Vai ver eles começaram a atender seus clientes e houve algum problema, então passaram a atender pior, mas queriam o pagamento completo. Lógico!

Será que alguma prostituta que não está conseguindo excitar muito um cliente também para de tentar agradar o sujeito, mas cobra pelo serviço completo? Será que Bruna Surfistinha retratou alguma situações dessas?

A melhor extrapolação, para mim, seria em aula, claro. Quando começar a ter mais dificuldade com algum aluno neste ano, acho que vou diminuir o meu interesse e dedicação a ele, pra não arriscar mais, mas vou querer todo o respeito, o elogio e, claro, todo o pagamento de um serviço bem feito.

Enfim, a mente enlouquece com alegria aplicando essa lógica maravilhosa e tanto profissionalismo...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Educação pela palavra #fail

Campanhas que começam com "todo X deveria ler isso" realmente me preocupam. Eu fico assustado com o fato de que as pessoas ainda acham que as palavras são o melhor meio de educação, e que ler um texto contrário à ideologia de alguém vai fazer a pessoa repensar suas crenças e suas práticas. É claro que isso é possível, na rara exceção de pessoas que já estão se questionando e, portanto, procurando respostas novas para ocupar o lugar das velhas, prontas a serem aposentadas.

Porém, a probabilidade de uma pessoa assim encontrar um texto desses justo sobre o tema em que está se questionando são suficientemente baixas para eu questionar a utilidade de se publicar isso tanto. 

Tenho visto mais e mais comprovações de que um problema ético não pode ser resolvido assim por palavras, e a palavra "ético" justamente indica o porquê. Bem se sabe que ela vem de ethos, que está ligada à ideia de um comportamento, idealmente bom para a maioria da comunidade. Muitas vezes é traduzida como "caráter" ou até "harmonia", mas isso é porque os gregos entendiam que o caráter se demonstrava no comportamento das pessoas - o que era visível em seu comportamento, cá fora, era a melhor expressão do que elas carregavam dentro (sim, eles tinham aquelas outras associações tão famosas entre aparência e verdade que tantas outras sociedades primitivas mantinham, mas pelo menos a ideia de ethos guarda uma boa tirada).

Enfim, isso é interessante se conjugado a outra ideia grega: a mímese. Esta é mais famosa pela arte, pois se discutiu por séculos qual a relação entre a arte e o mundo real com base na ideia de que o artista olha para o mundo e o copia de certa forma especial. Acontece que a mímese era base para muito mais que a arte, para os gregos. Eles observaram (e alguns, como Aristóteles, registraram essa linha de pensamento) que o ser humano tanto tinha prazer em imitar quanto aprendia muito por imitação, assim como outros animais que guardavam semelhanças conosco. Com o parco conhecimento que tinham do mundo que nos cerca (estou cruelmente comparando os gregos com a ciência atual, sem nenhuma mediação de propósito), eles podiam atribuir, por exemplo, as crianças andarem, usarem roupas ou falarem grego igualmente ao fato de que imitariam os adultos. Alguns adultos, por sua vez, viveriam do prazer dessa imitação que nos é natural, fazendo arte para as outras pessoas, que gostavam de ver a imitação do mundo sendo feita com particular... habilidade artística.

Bom, eles erraram em alguns exemplos, mas de fato a gente aprende coisas demais imitando, e outras tantas simplesmente fazendo (errando e tentando de novo). O comportamento é um elemento fundamental de nosso aprendizado - desde escrever até saber mexer na TV - e a participação do logos nesse processo, em todos os sentidos, não deveria nos fazer esquecer o quanto a mimesis é importante para o nosso ethos - comportamento, caráter...

Alguns didatos populares ainda hoje guardam indícios disso, como "diga-me com quem andas e eu te direi quem és" ou o irônico "faça o que eu falo, não faça o que eu faço".

É claro que tem gente que tem mais estômago que eu para essas grandes causas semi-impossíveis, de modo que a possibilidade de que um em dez milhões de leitores de um texto politicamente correto se questione e melhore sua conduta já é considerada um grande ganho. Então pouco importa que a melhor forma de educar alguém seja (1) dar o exemplo e (2) achar modos práticos de motivar e possibilitar uma mudança de comportamento de um sujeito; se ALGUÉM puder ser mudado pelo verbo, essas pessoas seguirão com as campanhas por textos auto-condescentes e megalomaníacos, de premissa tão errada, obtusa ou utópica. 

Por isso mesmo eu estou comentando isso no blog. Eu não saberia como dizer para essa gente que sua pressuposição inicial sobre pedagogia e ser humano é muito estranha ou restrita. E eu estou cansado de respostas utópicas e absolutamente prepotentes de todo e qualquer militante. Mas creio que posso comentar isso aqui, com os íntimos. Talvez vocês tenham uma boa resposta para o problema, ou possam começar a espalhar "a Palavra" contra a militância verbal, se tiverem estômago e senso de ironia. Mais ainda, talvez vocês saibam onde está o problema da minha visão das coisas e se sintam tentados a criticá-la. Qualquer uma dessas possibilidades me parece ótima e justifica gastar um tempinho escrevendo aqui ;)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Armadura e amor: tudo a ver!

Ironclad (Sangue e Honra no BR) é um filme ok, bem feito, bem atuado, que ainda de quebra mostra de forma mais interessante assunto tratado de forma absolutamente inverossímil no último Robin Hood (o do Ridley Scott, com, a meu ver, o desperdício de Russel Crowe e Cate Blanchett).

Apesar de tudo, o filme tem um pecado, que é tão comum que resolvi desabafar aqui: ele tem uma história de amor. Por quê? Por que todo filme tem que ter história de amor, até quando ele é sobre a resistência de um forte estratégico, sob liderança de um templário, contra a tentativa do Rei João de reverter a perda de poderes que precisou engolir dos barões uns anos antes?!

A única exceção que eu conheço para filme sem romance caído do céu é Volcano, mas talvez por isso mesmo tenham escalado Tommy Lee Jones e Anne Heche. Que eu lembre ela tinha recém declarado que era lésbica, o que pode ter dado certa margem ao roteirista (ou o motivado) para conter o affair inverossímil, mas contra as leis das produtoras, pelo jeito, quando o assunto é protagonistas. Obviamente que o impedimento no caso não eram os 23 anos de diferença entre os dois: no ano seguinte, ela teria um caso com Harrison Ford, 27 anos mais velho que ela, em Seis Dias, Sete Noites.  

Agora, e o que interessa aqui, há enorme diferença para esse último filme: eles terem um caso era central na história, já que ela fora para a ilha onde conhece o personagem de Ford exatamente para "reacender a paixão" de seu casamento. Ou seja, as coisas não estavam bem, e ela teve a sorte/azar de encontrar alguém muito mais interessante que o marido (interpretado por David Schwimmer, que aguentou uma prolongada suspeita de ser gay até revelar com quem era casado havia um tempão: surpresa, era uma mulher!).

Volcano é, então, a grata exceção, apesar de o filme não valer a pena, de uma história em que mocinho e mocinha não precisam descobrir que se amam só porque salvam o dia.  Em parte foi por lembrar dele, e então de Anne Heche, que fiz essa longa viagem pela homossexualidade superdiscutida de vários atores em Hollywood, mas esse assunto em si me interessa para o post porque o templário de Ironclad é (obviamente!) celibatário, obrigado a manter a castidade desde que entrou para a Ordem. A forma como uma ama explica à Senhora (não sei o título específico adequado no caso) do castelo protegido esse celibato, e o comportamento de um guerreiro desse tipo, é tri interessante. Isso passa por dizer que ele não gosta de mulher, sem que pareça uma afirmação de alguma homossexualidade. A meu ver, isso estava claro na cena, mas os produtores ou o roteirista devem ter pensado o contrário!

Fiquei imaginando se não foi um pouco provocação para rolar o casinho o roteirista colocar uma explicação da castidade dessa forma. Será que alguém realmente vai pensar que o protagonista e a protagonista não gostam do sexo oposto se não quiserem se comer lá pelos 70 minutos de filme? Seria esse o medo dos produtores? Porque as desculpas clássicas ("deixar o filme atraente para mulheres" e "todo o mundo gosta de uma história de amor") não funcionam MESMO para roteiros como o de Ironclad.

Se a mulher não quer ver um filme de homens vestidos de armaduras metálicas se retalhando e surrando (já diz na capa: blood will run!), não vai ser uma personagenzinha feminina previsível que vai fazer valer a pena o ingresso. Pior ainda: pela minha experiência, personagens femininas previsíveis são ainda mais tediosas para o olhar feminino e têm mais chances de incomodá-las que de interessá-las, a menos numa comédia romântica.

E todo o mundo gosta de uma história de amor se ela é verossímil e interessante para a história! No caso, o romance é absolutamente inútil. Ele obviamente envolve um abandono de votos do cavaleiro templário, mas isso já está posto desde o início do filme, quando sua permanência na Ordem é discutida. Ele só permanece templário até o fim do filme porque estoura a guerra civil em questão! O herói não aprende nada de novo se apaixonando pela mulher e isso não altera o desenrolar da guerra. Portanto: zero!

Mas veio o bloqueio, o cacoete, ou o que for, e tiveram que fazer a mocinha se interessar pelo mocinho, no caso uma jovem dura e consciente de sua posição e um experimentado guerreiro que lutou na Palestina e voltou! É ridículo, portanto, pensar neles nessa estrutura de mocinha e mocinho. Tirar o romance salvava quase uns 20 minutos de filme, creio, e o faria valer bem mais a pena.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Fantástico há de ser fantástico

"Fantasia? Sei... Tem atores que ganharam Oscar nas melhores atuações possíveis, efeitos especiais nunca antes vistos, bom relacionamento entre todo o cast, as melhores músicas do ano, o figurino mais perfeito que o cinema já produziu, os melhores lanches para os atores no intervalo...?"

Tenho considerado que o maior mérito do filme O Hobbit é não ter sido massacrado pela crítica. Melhor dizendo, acho que isso não ter acontecido indica que o filme é genial. Isso porque a literatura e o cinema de fantasia parecem ter penalidades constantes quando analisados por quem faz crítica de cinema (ou de literatura) para sites e, especialmente, para jornais.

Tenho visto de novo alguns filmes fantásticos (incluindo o próprio Hobbit, que assisti há bem pouco), dessa vez em proporção maior em relação a outros gêneros e, por contexto, tenho checado a crítica a esses filmes. Estou chocado com a idiotice que vejo e leio. O recordista foi um cara que publicou seus xingamentos a um filme (infantil) junto com as palavras de uma criança de oito anos que assistiu ao filme com ele (conforme o próprio cara). O sujeito malhava o filme por todos os lados, aparentemente sem notar que tudo o que a criança dissera, conforme ele próprio citava no texto, eram ótimos elogios. Ele concluía achando que o filme era provavelmente o pior que já fora feito...

Eu passei 2003 muito debruçado sobre literatura fantástica, o que culminou no meu TCC exatamente sobre isso, mas desde então fui ficando distante do assunto (não gosto de pesquisar sempre as mesmas coisas, mudo quase drasticamente de objeto, quando vou começar nova pesquisa). Por isso, talvez, tenha me esquecido de como a tolerância com esse gênero é baixa e como a crítica é cruel, desinformada, superficial, prepotente e apressada. É engraçado como até a ficção científica tem mais respeito, apesar de ter sido considerada inúmeras vezes uma "literatura fantástica com tecnologia". Talvez seja efeito da idade adulta de fãs de Star Wars, Star Trek e, agora, do The Big Bang Theory.

Bem, agora relembrei como, em geral, é estúpida a crítica ao gênero fantástico, da pior forma: redescobrindo todos esses defeitos na prática. O Hobbit, no entanto, mais ou menos escapa deles. Falou-se muita besteira a seu respeito, mas me parece que não foi malhado, o que é muito para o gênero, como disse. Isso, claro, descontando os elogios automáticos a produções que gastam muito dinheiro e os insultos de alguns superfãs de Tolkien. 

Espero que os outros filmes mantenham a ótima média, porque é um saco ter de se explicar por gostar de algo com qualidade enquanto filmes de ação e terror mantêm aparentemente passe livre para serem absolutamente previsíveis, mal feitos e mal atuados... - Nem todos, mas eles podem, enquanto o fantástico não pode nem ser "ok", tem que ser perfeito!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

É proibido caminhar

Na primeira temporada de Mad Men, há um escândalo na vizinha em que mora o protagonista: uma mulher é separada (é o começo da década 1960). Dada a estrita etiqueta da época e determinadas necessidades sociais de uma vizinhança sem internet, as pessoas convivem com a separada, mas em baixíssima tolerância.

Assim, a amiga da esposa do sujeito pode flertar violentamente com ele na frente da mencionada esposa, mas quando esta vê a separada meramente em pé ao lado do seu marido, fica com ciúmes e trata de pedir um favor para ele (favor a ser feito bem longe dali). Como se observa que essa mulher separada caminha pela rua (!), começa-se a especular aonde ela vai, e o fato de ela responder claramente que gosta de caminhar e o faz por lazer apenas piora as especulações a seu respeito.

Parece-me que toda a situação na série motiva pensamentos sobre grandes avanços da sociedade em relação à mulher, mas isso é chover no molhado de conquistas já feitas, o que raramente me parece o melhor aproveitamento de qualquer obra artística. O que é interessante, a meu ver, não é o que já mudou ali, ainda que seja bom lembrar quantos direitos femininos foram conquistados e quão idiotas costumamos (homens e mulheres) ser desde que boa parte da sociedade concorde com a gente.

Ainda assim, o que acho mais interessante é o que não mudou. Ainda hoje, decidimos os grupos que prestam e os que não prestam majoritariamente por motivos idiotas. O apoio de alguns amigos (se não de grande parte da população) é necessário para a ideia ganhar realmente mínimo mérito. Então, racionalizações vêm fazer o seu papel para crermos que não estamos sendo idiotas, mas extremamente lógicos. O próximo passo, ainda hoje, é não perdoar nem por andar na rua as pessoas que discordam de nossa visão.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ser ou não ser idiota

Às vezes, quando cometo um erro idiota, como trocar uma palavra por outra por associação no post anterior (agora corrigi), e ninguém me avisa, eu fico com uma pulga atrás da orelha. Pode ser que o erro fosse idiota o suficiente para todos pensarem que foi um ato falho, portanto indigno de nota, e também é possível que tenham passado por cima do erro e o cérebro deles tenha cometido o mesmo ato falho ou simplesmente corrigido o que eu escrevi errado, de modo que não notaram o problema ali.

Por outro lado, eu sempre imagino que algumas pessoas notaram, e fico pensando se acharam que meu erro não era mesmo digno de ser comentado, mas era um erro verdadeiro. Ou seja, se pensam que eu realmente não sabia a diferença entre uma coisa e outra. (Podem ainda atribui-lo à pressa de escrever, o que sempre é verdade no meu blog nos últimos anos.)

Essa suspeita (de me acharem idiota ou ignorante para além da verdade) surge porque me parece comum que as pessoas pensem que somos mais burros ou mais inteligentes do que somos. Isso é especialmente perceptível nos implícitos de conversas que temos cotidianamente. Geralmente, aliás, as pessoas acham que somos mais burros do que somos, mas grandes imagens gerais de nossa personalidade podem ser um retrato de que somos mais inteligentes do que na realidade.

Nunca observei se todo o mundo faz isso, mas sei que eu reforço sem querer uma ideia de que sou mais idiota. Faço isso especialmente de duas formas: fazendo perguntas pressupondo um ponto de vista que não é o meu, para testar o quanto as pessoas sabem sobre determinado assunto e se podem me acrescentar algo pontual, mas nunca esclarecendo realmente qual era o meu ponto de vista; e deixando me acharem mais idiota quando percebo isso implícito numa resposta ou conversa, se estou com preguiça ou desinteresse de esclarecer o que estava pensando ou entrar de fato na conversa.

Na maioria das vezes, é verdade, considero vantajoso que nos achem idiotas. Quando necessário, se for, podemos pegar as pessoas de surpresa, e elas abaixam a guarda em muitos aspectos se acreditam que somos menos espertos, perspicazes ou ligados que de fato somos. Ser tratado como idiota, portanto, muitas vezes tem vantagens, mas é preciso cuidar da imagem em um que outro contexto. E às vezes essa imagem não traz ganho algum, então acaba cansando. Mas às vezes, claro, simplesmente somos mesmo idiotas.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Entre o Natal e o Ano Novo

Entre a data de comemoração convertida de um solstício que não tem mais o poder de afetar nosso cotidiano como tinha quando os humanos começaram a comemorá-lo e a data que marca o fim de um ano e o começo de outro, entendo realmente que o segundo seja comemorado e o primeiro não. Afinal, o segundo perdeu o caráter divino que tinha em algumas tradições, mas se baseia num fato: tudo que ainda cicla vai ciclar.

O clima quente vai voltar a ser frio, ou vice-versa, para então retornar ao estado "inicial", o trabalho vai mais ou menos se repetir, em sua estrutura fundamental (se mudamos de emprego não vamos sentir repetição, mas sabemos que ela está lá), as pessoas que saíram da cidade vão voltar e passar mais uns 300 dias fazendo mais ou menos o que fizeram no ano anterior até o momento de sair de novo de férias e comemorar o novo ciclo...

Então, eu entendo que adultos comemorem o Ano Novo. Quanto ao Natal, me parece fazer mais sentido para adultos religiosos (que não sou) ou com filhos (que não tenho). A obrigação de comemorar o Natal como data mágica me incomoda por isso mesmo. Por outro lado, eu entendo a ideia de valorizar uma data como desculpa para encontrar a família, especialmente gente dela que quase nunca se vê. Ainda assim, tem sido mais e mais difícil para mim conseguir comemorar desse jeito, então o quadro geral do Natal fica problemático. Comemoração religiosa, com restrita parentada e a expectativa de frases mágicas em que eu acho que nenhum presente deveria acreditar (não por obrigação de desacreditar, mas porque não condiz com as pessoas, já que convivo com pessoal de religiosidade muito baixa, salvo raras exceções) - especialmente, acho que ninguém deveria achar que eu acredito nessas frases, já que me conhecem há muitos anos.

O Natal, mesmo assim, tem uma força a seu favor quando a questão é respeitar a data alheia: quase todas as pessoas que eu conheço parecem mais sensíveis a que o Natal seja respeitado que a data do Ano Novo. Isso significa que o risco de magoar alguém se ignorando o Natal é maior. Então, se é para comemorar uma data para valer, apesar de todos os pesares, eu me sinto meio forçado a apresentar mais respeito pelo Natal, apesar de respeitar mais o Ano Novo, como data comemorativa.

(Devo acrescentar aqui, a favor do Natal também, que eu curto os momentos em que estou com quem o curte bastante, porque sempre gosto disso. Gosto de falar sobre bandas com quem é muito fã delas, sobre livros com quem é muito fã deles, e assim por diante, mesmo que eu não curta o livro, a banda, a data... Acho interessante e muito bom. O pré-requisito óbvio é que a curtição extrema do Natal, ou do Ano Novo, que esteja sendo manifestada não se baseie em algo que eu considero extremamente equivocado, como esperança no número do Ano ou na bondade humana, mas eu não preciso, de qualquer forma, concordar com o motivo da pessoa, basta que não seja ingênuo de uma forma infantil.)

Nesse equilíbrio todo, o que tem acontecido de fato é que as duas datas terminam no mais-ou-menos. O Natal acaba sendo a data em que passo melhor (mais tranquilo, melhor acompanhado, gastando menos dinheiro...), mas num mal-estar ideológico (meramente por estar gastando energia em algo que não valorizo, o que é o suficiente para alguém pouco festeiro como eu). O Ano Novo, data de pelo menos algum valor para mim, termina por parecer sempre mal comemorado, insatisfatório, sempre lhe falta algo. Afinal, a data é para mim, a ênfase na comemoração (no grupo, na festa em si) teve de ficar no Natal (não tenho recursos nem domínio social para comemorar bem as duas datas).

De fato, a comemoração do Ano Novo não chega a doer, nem a do Natal, mas aurea mediocritas não me parece ser a maior receita de comemorações de férias a que se possa almejar. O equilíbrio entre as duas datas, no fim, acaba provocando exatamente isso. Acho bom dizer, para garantir, que nenhuma das pessoas que passou essas datas comigo E que lê este blog está incluída na lista das minhas incomodações, mas que estas abundam, abundam.

Enfim, hoje é dia 2: hora de eu correr atrás de reparar os danos que tanta "festa" provocou. Boa sorte de 2013 em diante a quem passar por aqui.