segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pressupondo (e implicando) o pior

A Isto É colocou na capa que o pastor Valdemiro Santiago, "novo astro da fé" - conforme a manchete, tem por profissão multiplicar almas. Hmmm. Isso não quer dizer procriação?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Pressupostos problemáticos

"e então nos restarão os temas REALMENTE relevantes, como o (inaceitável) aborto."

Hmmm, então, que debate? 

Isso é que gostar de "debater": achar que um tema possa ser ao mesmo tempo inaceitável e discutível. Qual seria a finalidade da conversa? Brigar? Colocar o aborto no mesmo patamar das discussões de futebol?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pondo o pingo no i da Teoria (Textual)

A linguagem depende de questões contextuais mil, mas um texto só é plenamente aberto, recebendo literalmente qualquer sentido que o leitor lhe dê, quando o dito leitor é semi-analfabeto.

A verdade dói

"If you were always right, then you wouldn't have just been wrong."
House (algumas pessoas só respeitam críticas vindas da ficção).

"O menor insulto, o termo mais leve, a coisa mais... assim... para dar um exemplo suave, o menor insulto que usaram foi dizerem que nossos alunos são semi-analfabetos!"

Constatar a verdade constitui insulto? É mentira que basta evitar os termos politicamente corretos para não se cair nesse modus operandi. A postura politicamente correta não existe só em sua expressão mais clara, mas denota geralmente medo frente à realidade, dificuldade de se lidar com os fatos. Tanto que a pessoa que produziu essa frase acusou o golpe: desmereceu as críticas recebidas para imediatamente tomar medidas que tinham as mesmas críticas como base. 

Se uma parte significativa dos alunos que encontrei no fim do ano passado não eram semi-analfabetos, então nenhuma política nem postura minha a respeito seriam necessárias, e seria possível partir para desenvolvimentos mais arrojados da língua portuguesa. Mas a realidade não permite. Ninguém teria coragem de ignorar uma realidade tão poderosa, porque, pasmem, o "alfabeto" faz falta! Poucas pessoas, porém, têm coragem de assumir a realidade, qualquer realidade, verbalmente. Essa resistência vem de gente que está trabalhando com os mesmos alunos há muito mais tempo que eu, claro, e que não quer assumir grandes erros, ou mesmo que deixaram de trabalhar bem uma capacidade por estarem trabalhando outras (como combatendo a evasão ou o tráfico).

Não é possível assumir erros publicamente, porque a competição vem antes de qualquer responsabilidade. A imagem é tudo em empresas, e tudo no Estado é um ato político-partidário. Cada erro conta na hora de serem publicados superficialmente e sem contexto para a briga por votos, bem como para serem distorcidos, aumentados ou só servirem de base em que se inspirarão mentiras deslavadas. É a mentira mais repetida entre TODOS os profissionais da educação que o aluno seja a primeira responsabilidade, o primeiro motivo de se trabalhar, o grande foco a que todos os esforços convergem. O primeiro alvo da educação é o mesmo de todas as outras profissões, o próprio profissional, o próprio umbigo, a própria vaidade. E que as pessoas saibam mentir bem para si próprias, assumindo os sacrifícios e não assumindo que estes são feitos para se atingir um prazer vaidoso muito maior depois ou para se manter uma boa imagem no emprego é uma postura politicamente correta tão mentirosa quanto as outras. Quando essas vaidades estão sob controle, ou seja, quando lidamos com adultos suficientemente maduros, não há problema, não mais do que se tem por exemplo entre garis, secretários e bombeiros. Nada disso torna os professores piores que os outros seres humanos, e é triste que esse medo mesmo exista entre eles. Mas quando essa vaidade bem alimentada garante contratos ou vantagens partidárias, aí a coisa complica, e professores passam a lembrar não profissionais, mas políticos ou palestrantes de auto-ajuda administrativa.

Esse problema é ainda maior, porque os profissionais da educação, talvez sem se tocarem, já saíram do jardim de infância. Viver num mundo em que as pessoas não mentem para si e não têm a própria vaidade como grande motivador pode ser uma agradável fantasia, mas afasta da realidade. E é possível lidar com a realidade sempre se fugindo dela? Bem, algo se faz. Nada, no entanto, que dependa de se admitir os próprios erros. Os erros crassos, os erros que são cometidos pela maioria, e pelos quais a maioria apedrejaria quem os admitisse. A postura politicamente correta, como sempre, denota um tabu.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Outro índice de má-fé

Quando uma pessoa organiza um evento com centenas de pessoas, colocar "Debate" no cronograma é assustadora inocência ou muita cara-de-pau.

Decidindo as leis, ou Kafka, meu filho, cadê você?!

Os clichês têm sempre aparência apática, desde que expressos genericamente. Mas são interessantes em suas encarnações isoladas. Por exemplo, que os políticos brasileiros debocham de todos em suas práticas diárias ou que não sabemos dar valor à política são expressões genéricas e tediosas de um clichê bem conhecido. Só que uma notícia da Folha de São Paulo mostrando que basicamente os deputados de SP não trabalharam NADA no último semestre de 2010 reúne casos particularmente emocionantes desse clichê.

Eu queria fazer uma pequena nota sobre uma frase do próprio jornalista, porém, antes de citar a frase climática de um político. O redator da matéria escreveu que uma decisão sobre leitos do SUS e "o aumento do salário do governador, que elevou o teto do funcionalismo e gerou gasto extra de R$ 425 milhões por ano" foram as duas emendas de impacto votadas nesse período. Outras 12 leis de "menor impacto", conforme o jornalista, foram votadas, seis criando cargos e seis sobre rotulagem de transgênicos. Queria indicar isso como encarnação de não darmos valor à coisa toda. Não é estranho que se possa caracterizar uma nova lei como "de menor impacto"? Como se a criação de cargos não fosse um de nossos principais problemas políticos, tanto no sentido amplo quanto nos gastos públicos indevidos, e como se a rotulagem de transgênicos não nos afetasse de diferentes formas, no consumo, na informação do público, no comércio, na produção que com eles compete...

Agora, a pérola-mor, claro, é de um político. Sobre eles terem tirado a maior folga possível e quase tudo que se tenha decidido tenha, por consequência, sido resolvido sem debate porque, supostamente, eles precisavam SE AFASTAR DO TRABALHO para caçar votos, o deputado Vaz de Lima disse que "Se esse é o custo da democracia, é muito barato. É natural ter que ir atrás do eleitor"! 

AAAAAAAAAAAAAARRRRRRRRRRRGGGGGGGGGGGHHHHHH!!!!

Pra quem não conhece o autor da frase: Vaz de Lima (PSDB)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Mais do mesmo na Saúde

Manchete de capa da Zero: "Falta de leitos do SUS convulsiona hospitais".

Vocês já não leram essa manchete antes?

A parte boa é que todo o mundo quer que o governo corte gastos. Virão investimentos suficientes para a Saúde? Enquanto ela seguir recebendo esse tipo de tratamento, os jornalistas não vão mesmo precisar pensar muito em manchetes inéditas.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ser professor é padecer na autoafirmação

Em geral, concorda-se que os professores devam sempre procurar estudar e se aprimorar. Também se concorda que a raça é difícil, que um número significativo deles só vai realmente fazer isso se for obrigado. Ora, faz sentido que uma instituição, seja uma escola só ou o Estado, disponibilize ou, no caso, force seus empregados a se aprimorarem sempre, a renovar as ideias e conhecer o que se puder oferecer de bom para o seu desenvolvimento. Além disso, também faz sentido que criar e realizar tais formações sejam coisas boas para o currículo do sujeito, é bom que haja incentivo para que as pessoas montem tais cursos, palestras e "dinâmicas" para oferecer ou trocar informações e experiências. Só que, como de boas intenções o inferno está cheio e tudo que é bom pode ser corrompido, esses dois princípios do universo combinam-se de forma particularmente malévola para distorcer as verdades acima e formar as chamadas "formações continuadas".

Como existem muito mais formações e pessoas a serem formadas do que novas e boas ideias sobre educação, a primeira conclusão óbvia é a de que grandes revoluções e soluções não tenderão a surgir nesses minicursos. Somando-se a isso a máxima de que "cada realidade é uma realidade", mantra da pedagogia que, infelizmente, tem base real, a probabilidade de uma contribuição realmente significativa nas formações decai ainda mais. Mesmo uma formação boa, por isso, não tem muito para onde ir, mal consegue somar, nos melhores casos, uma hora de informação ou troca relevante (se o professor estiver com boa vontade). O que acontece no resto do tempo?

Bom, ser professor é algo que envolve muito da presença e da ética pessoal, no sentido de que a personalidade e a prática inteira do professor estão investidas em cada aula que planeja, dá e recorda ou revisa. O sujeito está lá, servindo de referência, exemplo (bom ou ruim, válido ou ridículo) e tudo o mais, exposto às demandas mais imprevisíveis de sua moral, de seu conhecimento, de sua malandragem, de sua sensibilidade, de sua retórica e às vezes de seus instintos de sobrevivência. Assim, a ética é assunto constante, com o problema de que não há muito o que se dizer sobre isso.

Devemos ser éticos. E é mais ou menos isso. Ponto final. O que é ser ético pode ser debatido, mas não leva muito longe, pelo menos não aonde um grupo enorme de profissionais forçados possam ir em debate construtivo. Preferem sempre concordar nas generalidades do assunto. O que importa para o empregador, e para a honra do profissional, é que é importante ser ético. E as formações se tornam, mais cedo ou mais tarde, o exercício de se dizer como é importante ser responsável, sério, idôneo, "humano" (adoro quando falam isso)... Não adianta o palestrante, colega ou "animador" falar: todo mundo é convidado a "participar", ou seja, repetir, e repetir, e repetir. Como se isso fosse fazer com que alguém fosse mais ético. Como se a afirmação tivesse literalmente força de ato. Só que a ética não funciona assim. É produtivo declarar constantemente seus valores se se é político, vendedor ou celebridade, mas não adianta falar para se ser ético ou bom professor. E é possível, na maioria das vezes, ser ético sem se abrir a boca, sem se elogiar a ética ou vangloriar a própria postura.

Infelizmente, a prática ética de cada um não pode ser medida ou avaliada pelas palavras. Não se leva o ato ético para as formações nem se sabe como se garante, por elas, que as pessoas o pratiquem. Então a gente repete, e repete, e repete.

Se a Dilma é linha-dura, aí isso virou elogio?

A matéria é uma porcaria e merecia maior deboche, mas estou sem tempo, então fica aqui apenas o registro. Já me criticaram por não xingar a Carta Capital no blog, como se isso simbolizasse minha aceitação ou anuência direta ao PT. Não fiz o Retórico para xingar a imprensa nem para vigiar ou apoiar partidos, mas a pessoa pode ficar satisfeita nesse sentido: uma matéria da revista foi a pior coisa que li ou ouvi hoje.

A Carta Capital publicou nessa semana a pior coisa que já li nas páginas dela (ok, não a leio tanto assim). Trata-se de uma matéria de elogio prévio (o único aparentemente possível na política) à postura que supostamente Dilma adotará na questão dos arquivos da ditadura. 

A manchete da parte superior da capa é "A presidenta: firme na criação da Comissão da Verdade". (Nota paralela: a parte boa dessa coisa de "presidente ou presidenta" é que há uma sinalização muito didática agora para sabermos quem apoia a Dilma irrestritamente e quem se coloca de soslaio crítico.) Bom, a manchete em si põe em dúvida novamente esse título ridículo de "Verdade", porque a mesma presidente não pareceu se preocupar muito quando, por exemplo, os arquivos já sendo estudados no "Memórias Reveladas" foram vetados durante as eleições a todo e qualquer cidadão, independente do objeto de pesquisa, porque alguns jornalistas estavam "usando indevidamente" as informações da ditadura militar. Os pedidos de demissão em protesto de quem liderava esses estudos, como Carlos Fico e Jessie Jane, de nada valeram, aparentemente. Detalhe: o "Memórias Reveladas" tinha sido criado pela Dilma! Seu filhinho não merecia cuidado, moralidade ou livre-acesso se contrariava seu partido durante as eleições.

Era ridículo questionar a presidente sem a mínima consideração por os arquivos terem sido escritos e criados por um Estado que a prendeu e torturou, além de ter sido derrubado para o sistema de governo que seguimos e supostamente defendemos agora, mas a solução para esse problema de ultrassimplificação é a censura? E agora ela vai ser "linha-dura" para revelar a "verdade"?! Pelo menos é o que diz o subtítulo da matéria. A que se deveria responder que ser "linha-dura" não é positivo só porque se é presidente, ex-guerrilheira ou heroína de jornalista da Carta Capital. 

A matéria tem como mote a contratação de José Genoino por Nelson Jobim e a invalidação da lei da Anistia por instituições de direito internacional, a que a Carta dedica segunda matéria logo em seguida. Em nenhuma delas se entra no mérito de um contra-argumento que defende que as leis internacionais que revoguem as nossas ainda precisam de aceitação pontual em Brasília. Conforme as matérias, se o direito internacional das instituições ligadas à promoção dos direitos humanos não aceita uma de nossas leis, ela simplesmente cai por terra. Se é verdade ou não, não sei, mas seria interessante se a jornalista não suprimisse um contra-argumento tão relevante como o acima, mesmo que fosse para revelá-lo falso. 

Agora, a questão, como disse, é a contratação de Genoino, mais precisamente validar essa contratação. A matéria desenvolve longamente toda a experiência e fantástica eficiência do sujeito, tudo nos corredores e no dia-a-dia do poder, a que não temos acesso e não ficamos sabendo como a jornalista teve. Se andava há anos preparando essa matéria e convivendo diariamente com o mestre Genoino. Digo mestre porque, conforme a matéria, ele é o cérebro do Jobim quando o assunto é militar. Nossa, vejam que lindo trecho:

"Genoino sempre se destacou nas comissões ligadas ao tema da Defesa no Congresso, e deu 'aulas' a Jobim, que, apesar das críticas da direita à esquerda, acabou se tornando o único dos quatro ministros indicados para a pasta a sobreviver no governo Lula." Ou seja, a habilidade de Jobim é sobreviver na politicagem (e isso seria grande valor - não vão querer dizer que é a competência que mantém alguém em alto posto político). O mestre Genoino vem agora resolver esse problema da Anistia com sua capacidade atestada por quem está lá, por quem entende, não por nós, que estamos completamente por fora do miúdo da política e não podemos analisar o figuraça. 

Como a matéria toda é feita por elogiar ou difamar figuras (Genoino é o conhecimento e a experiência, a habilidade de agilizar, Jobim é o aluno humilde que soube contratar alguém controverso e "surpreendente" para ajudá-lo, Dilma é a mulher de coragem que virou o feitiço "linha-dura" contra o feiticeiro), a crítica do general da reserva Paulo Chagas é descartada como uma provocação. Agora vejam se algum pedaço desse questionamento não merecia uma resposta de verdade (que Genoino não deu): levantando questões sobre a contratação de Genoino, Chagas considerou "a mais preocupante delas (...) a de que 'se pretenda desmoralizar definitivamente os militares', subordinando-os 'a um ex-guerrilheiro, derrotado na luta armada, mensaleiro, rejeitado nas urnas e, por via de consequência, desempregado."

Eu acho esse papo de desmoralizar os militares bobagem, ou a gente joga o código penal fora. Mas o resto não bate? Genoino não é tudo isso (ok, ser derrotado em luta armada não desmerece ninguém, pra mim)? E a revogação da Lei da Anistia não é complicada com dois ex-guerrilheiros (a presidente e o "assessor civil" do ministro da Defesa) levando o carro adiante, sendo ambos de um partido que decide quem pode ler o que e quando nos arquivos, mesmo em projeto criado por eles próprios para "revelar o passado"? 

Eu não acho problema Dilma ter sido guerrilheira e ser presidente, só que, do jeito que o contexto está se armando, fica difícil acreditar na Maria do Rosário dizendo, conforme citação da mesma matéria, que a Comissão da Verdade não quer revanche, mas reconhecer a responsabilidade do Estado com as vítimas. Louvável, mas isso é só parte da história. "Infelizmente", a Anistia tinha dois gumes. Além disso, não é só no passado que o problema dos Direitos Humanos pode incomodar a presidente, já que Dilma mantém o apoio a Cuba e Irã. Conforme fonte do Itamaraty à Carta Capital, o jogo de difamação para não responder  a críticas segue aí também: "Dirá que apedrejar pessoas de fato é ir contra os direitos humanos, mas que a pena de morte é igualmente condenável e é aplicada, por exemplo, nos Estados Unidos".

"Igualmente condenável"? Não sei não. Ainda que fosse, a moral da Comissão da Verdade será assim relativa, escusando erros próprios pelos erros dos outros? Como que para contrabalançar a falha desse "argumento", o parágrafo seguinte da matéria fala sobre a insatisfação do Irã com certas afirmações de Dilma contra o tratamento que as mulheres muitas vezes recebem por lá. É, mas ela, como todos do PT, têm uma moral para si e outra para vida pública, não? Qual delas pesa mais na hora de buscar a "verdade"?

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Estado... só na cabeça de Porto Alegre

Vejam só que engraçado, fui exposto hoje à definição de Estado da Prefeitura de Porto Alegre, e ela corrobora um mito que eu já acreditava morto: "O Estado é uma organização criada pela sociedade para realizar tarefas coletivas".

Locke? Loucos! 

Não o nosso Estado, cara-pálidas...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vícios da Era da Administração

Uma formação profissional é chamada "Socialização dos Funcionários..." e é organizada em forma de duas... palestras!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Crítica global ao mundo

Eu me irrito quando vou ao cinema e esqueço os óculos. Não me vem essa irritação, porém, quando simplesmente saio na rua.

Cena de L'illusioniste ("O Mágico"), de Sylvain Chomet, filme que me provocou o pensamento deste post.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Chico Buarque, Paulo Coelho e a isenção crítica

Às vezes se discute (particularmente na Letras, concedo...) se a literatura é dominada pela política, ou o quanto a valorização estética da literatura, da arte em geral, de fato, deve às nossas alianças e crenças políticas. Países que valorizam bastante a língua tendem a valorizar muito a própria literatura também, do que a França é o exemplo típico, e isso gera uma série de discussões e análises especializadas que dão mais facilmente a impressão de não depender nada de se ser de esquerda ou direita, mas mesmo nesses casos tende a ser relativamente fácil encontrar, no fim das contas, certas crenças ou valorizações que denotam uma estranha "interferência", uma certa relação complicada e subreptícia entre o campo da política e o da literatura.

A semana passada deu dois bons exemplos para os defensores da tese: Chico Buarque e Paulo Coelho. Bom, sendo sincero (como quer o título do blog), o Chico não é assunto só da semana passada, mas vem se estendendo há um tempo. Esbarrei no caso dele de novo na semana passada, como vou explicar.

O caso do Paulo Coelho é o mais simples e óbvio. Mas me chamou a atenção pela forma como surgiu na minha frente: um colega apontou para a foto do escritor no jornal e disse "Tu acredita nesse cara? Vê se esse cara pode se chamar escritor!?", a que uma colega acrescentou com um tom que mesclava levemente medo e escândalo: "Tu viu que proibiram a obra dele no Irã?" Eu fiquei intrigado, porque só poderia ser política, ou religião, ou ambos, porque ambas se mesclam de forma particular no Irã. E eis que era política da mais simples e direta possível, sem um argumento religioso precisar se meter no meio, o que é difícil para a diplomacia internacional daquele país, pelo jeito. Para quem não ficou sabendo, o melhor resumo que conheço do drama até então está aqui.

Este, no entanto, é um exemplo muito simples, direto e extremo. O caso do Chico é mais interessante. Desde que ele disse que apoiaria a Dilma, tem virado assunto mais do que era comum nos meses anteriores. Não digo só na mídia, apesar de que tenho essa impressão também, mas vejo surgindo nas conversas mais ingênuas e sem pretensões. Absolutamente do nada alguém acha que é hora de falar mal do Chico. Só que não falam mal dele politicamente. Ou até falam, mas é detalhe. Vejo pessoal falando mal de suas músicas e de seus livros, sem argumento ou razão aparente (suspeito, não?). Não é que todo mundo deva gostar dele, é que todo mundo parecia gostar dele antes de seu apoio à Dilma. Quantas vezes não ouvi falarem que Chico era unanimidade? Bom, depois de apoiar uma presidente em eleição que dividiu o Brasil, não mais.

Agora, também não é que as pessoas que não gostavam dele "tenham finalmente tido a coragem de falar". Não: o pessoal apela para nada. De repente todo mundo esqueceu o que é eu-lírico, verossimilhança, ritmo, efeito, metáfora, mímese. O Reinaldo Azevedo, aliás, reclamou de uma imagem de uma música dele ser de Shakespeare! E tachou de plágio!? (Além de a reclamação ser bizarra e a "descoberta" merecer as aspas, para dizer o mínimo das duas, não existe nada mais seguro que ser acusado de plagear Shakespeare.) De repente o Reinaldo pára de criticar o governo para vir com esse papinho? Eu esperia mais, se não concordasse com a tese que alia estética e política intimamente.

Mas não estou comentando só a postura de "intelectuais" ou acadêmicos, quero dizer que as pessoas estão esquecendo seus instintos amadores para esses assuntos que têm nomes complicados na estética. Porque a gente pode nunca ter pensado em verossimilhança interna, mas ninguém acha absurdo que o Super-Homem saia voando para salvar a Lois Lane, se estiver vendo um filme chamado "Super-Homem". Ou, num caso mais aplicado, ninguém que preste atenção em três letras de músicas brasileiras vai achar que um intérprete não pode cantar uma música em que o eu-lírico é feminino sem caracterizar uma saída do armário.

Primeiro foi aquela "moralização do Jabuti", em que uma notícia mal saiu e, sem verificação ou conferência alguma, já tinha lista na Internet querendo que o Chico desse lição de moral na banca e entregasse o prêmio. Não estou dizendo que prêmios literários não devessem ser éticos. Deveriam, claro, imaginem um mundo maravilhoso em que isso fosse verdade sobre algum prêmio literário. Mas quantas vezes vocês já viram campanha pública para que o Jabuti fosse ético antes de o Chico se posicionar pró-Dilma? Com certeza não em 2008, quando confusão semelhante ocorreu. Aliás, entre o pessoal envolvido com o Jabuti, o Chico é mais um caso num histórico. Essa briga não é de agora. Se era para moralizar, por que não se começou logo com a campanha "Galera, devolvam os Jabutis"?

Bom, no caso, a retórica de campanha estava muito animada e pulou sem mediação das eleições para os reclames literários. Não pegou. Daí, o pessoal começou a questionar a estética do Chico. Não sei se o disfarce convenceu alguém. Eu acho difícil de engolir. E é claro que muitas de suas letras são ostensivamente politizadas. Ele não é exatamente um compositor tão arte pela arte como, digamos, Tati Quebra Barraco, autora de músicas voltadas ao cotidiano como "Dako é Bom", uma artista que, ao que me parece, não abriu seu voto. Letristas como ela não provocam abaixo-assinados virtuais reclamando postura ética, é claro.
 
Agora, na verdade, do meu ponto de vista, as pessoas não estão fingindo questionar a estética do Chico, estão mesmo fazendo isso. Porque eu concordo que nossos gostos tenham relações íntimas com nossas filiações políticas. Em geral isso não é tão claro quanto no caso do Paulo Coelho ou do Chico, mas os dois exemplos são bons para se começar a conversa (não estou dizendo, por exemplo, que todo o mundo que curtia o Chico e votou no Serra agora odeia as músicas do cara).

E é claro que o Chico não vai ser afetado drasticamente por essa recente tachação de "machismo", "mau-gosto", "plágio", "homossexualismo", "falta de voz" ou o que mais quiserem indicar em suas músicas como grande descoberta ou insight genial de crítica. Porque ele não é o verdadeiro alvo dessas pessoas. Quem tenho visto se manifestar a respeito, do que o Azevedo é o exemplo mais óbvio, está falando mal do Chico para criticar quem votou na Dilma. E é assim que a literatura sai da Academia para a vida. De vez em quando ela xinga a polícia, apoia um governo, louva um presidente, e então é algo a se debater. No resto do tempo, a única literatura que interessa, e não interessa disputar seu valor neste post, é a que vende um monte (e o Chico vende, mas não se compara), de preferência virando filme ou trilha-sonora. A literatura mais cult, digamos (permitam-me essa divisão grosseira por motivos didáticos), só vira assunto quando toma partido. E é quase engraçado quando a reação direta a essa tomada de partido se quer uma crítica "desinteressada" ou, com um eufemismo muito maldoso, "honesta".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Julgamentos

Expressei por implícito, ontem, não acreditar em Deus, num almoço entre colegas. Imediatamente um teísta veio me dizer (um pouco, bem pouco, perguntando) que é impossível um ateu afirmar uma moral universal por não ter um fundamento metafísico para sua conduta. Eu disse qual era a minha postura a respeito e parece que satisfiz suas dúvidas. Mesmo assim, foi irônico no dia seguinte ver o pastor Terry Jones administrando sua ignorância moralista ao aprontar mais uma das suas.

Vestibular da UFRGS e a literatura

"Impressionante: a questão da Lucíola contém erros em DOIS vestibulares seguidos! Será que a banca quer uma ajudinha pra entender o livro?"

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Os trágicos elogios vazios

"As mulheres estão podendo tanto que a presidenta escolheu 9 mulheres entre os 37 ministros de seu governo."


As mulheres estão podendo tanto que continuam a ser minoria, mesmo quando o poder de escolha está com outra mulher?! O grande problema do feminismo vulgar (o que quer elogiar as mulheres porque... é bonito elogiar mulheres) é sempre o mesmo: só sabe atirar no pé.

sábado, 8 de janeiro de 2011

E tudo acabou bem



É tão, tão, tão raro um autor (de teatro, cinema, HQ, romance...) saber acabar bem o que começou, particularmente quando sua criação promete um bom desenvolvimento, que até esqueço às vezes como é possível haver muita coerência entre início, meio e fim. Spielberg, só para dar um exemplo de grande obra, bilheteria e nome, não sabe terminar um filme pelo menos desde o I.A. (ou A.I.). Pensando em quase outro extremo de produção, uma quantidade assustadora de filmes de horror terminam absolutamente da mesma forma, há muitas décadas.
 
Mas adorei o final de "Mine Vaganti", tristemente entitulado no Brasil "O Primeiro que Disse". Até mesmo os movimentos que poderiam soar como clichês poéticos são super bem realizados, de modo que a coerência dá aquela sensação boa de que as cenas não poderiam ter sido feitas de forma diferente, ou pelo menos de outras soluções seriam, no máximo, tão boas quanto as escolhidas. Enfim, só vim aqui descarregar a alegria em ver algo formalmente tão bem realizado.

Recomendado.


sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ensinai lógica aos cidadãos

Estávamos seis pessoas relativamente presas a uma sala sem muito o que fazer. Nossa única obrigação comum incluía a fatídica pergunta a desconhecidos "De que cor é seu filho? Amarelo, Pardo, Negro..."

Como não podia deixar de ser, muitos dos questionados ficavam perdidos ou desconfiados com a pergunta, e finalmente nós seis começamos a comentar a velha problemática do fenótipo do brasileiro (acho que isso não se aplica só a nós, mas comentávamos o caso nacional). Falamos, obviamente, mal, pois não conheço uma pessoa que não concorde que há problemas nessas classificações não importa como a organizemos. Mas logo uma amiga estourou assumindo que falávamos, por isso, necessariamente mal das cotas, e até do ProUni. Bom, teve gente para imediatamente encarar a discussão sem valorizar que estávamos até ali falando muito tranquilamente sobre algo relativamente consensual, sem gerar cansaço e, por isso mesmo, sem deixar um dia insuportavelmente quente ainda mais acalorado.

O raciocínio equivocado (quem critica a classificação fenotípica usada por políticas públicas só pode discordar e odiar essas políticas) foi comprado, e se instalou uma discussão inútil: como sempre, ninguém se convenceu de nada diferente do que já pensava antes. Prevendo esse resultado, por a coisa já ter começado ilogicamente torta, não me meti. Mas antes eu estivera falando mal da categorização fenotípica, portanto fui automaticamente contado como anti-(quaisquer-sob-qualquer-circunstância-inapelavelmente)cotas. Tudo isso sem nunca ter expressado uma opinião sobre esse assunto.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Compras e o bom posicionamento corporal

Fui no super quando estava lotado, coisa que nunca mais me acontece, e pude perceber que a falta de prática com tanta gente brigando por velocidade e espaço me custou um pouco. Não estava automaticamente respondendo da melhor forma às situações. Mas o clímax foi quando cheguei no caixa e passei muito para o lado da máquina de passar o cartão. 

O velho que vinha logo atrás de mim chegou tão perto que se apoiou na base para que se preencha cheques. Ele estava praticamente em cima de mim, e se adonar da base motivou que viesse ainda mais. Observando que ele estava posicionado muito bem para olhar minha senha, eu pedi licença, com calma, tanta que ele não me escutou. Falei mais alto, mas não foi suficiente. Repeti uma terceira vez e ele bruscamente me respondeu "Tô fazendo alguma coisa pra ti?" A voz irritada. Quando disse isso, colocou os olhos perfeitamente na máquina. Eu pedi então que virasse o olhar, me deixando digitar a senha. Sua resposta: "Vai à puta que te pariu!" (não tenho certeza se ele o disse com crase...).

Sendo um cara de pelo menos 70 anos e, pela roupa, sem uma conta como a de Michel Temer, era óbvio que o ranzinza não tinha nenhuma Marcela para aplacar os sofrimentos da idade, portanto não me dignei a grandes grosserias nem a bate-bocas. Menos ainda: quem sabe não haja mulher alguma entre ele e sua cama? Triste. 

De qualquer forma, o que me marcou foi meu próprio erro: uma simples colocação melhor, uma questão de marcar território com o corpo mais espalhado, e a situação seria evitada. Que erro de amador... Mas, "há malas que vêm de trem": a situação me lembrou uma época mais simples de minha vida em que SBT reprisava todo ano "A pipa do vovô não sobe mais...", e o velho me valeu algum post neste dia bastante vazio de situações estranhas ou frases bizarras.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O que é uma notícia incompleta?

EUA, Israel... só faltou dizer o que os palestinos têm a dizer a respeito disto!

Sobre a declaração final do diplomata israelense, preciso comentar: como se "exagera" um conflito como Israel x palestinos?

Cuba abuC

Parece fazer sentido que um país que tem uma rádio estatal chamada Rebelde comece a "garantir os direitos dos trabalhadores" realizando demissões em massa. É apenas uma ironia a mais essas demissões serem decididas, conforme o próprio governo comunista, por meritocracia.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Externando os problemas

No meio de uma viagem, vi uma placa "Coceiras Fernando".

Melhorei a vista e chequei. Não: era "Carrocerias Fernando".

Em vez de achar engraçada a confusão, ou simplesmente criticar meus olhos (que não enxergam mesmo tudo isso àquela distância), pensei como seria engraçado e imprevisto que houvesse um estabelecimento chamado "Coceiras Fulano", ou Ciclano. E pensando nisso achei extremamente pouco criativo da realidade ter sido apenas uma "Carrocerias Fernando". Teria sido tão interessante e divertido... A realidade em 2011 não parece muito mais criativa que poucos dias antes...

domingo, 2 de janeiro de 2011

Olha a loiraça atrás da presidente!

"Marcela Temer roubou a cena na posse de Dilma"

Nossa primeira presidente teve o luxo também de ser a primeira ofuscada por uma Miss Isso e quase Miss Aquilo em plena posse presidencial. A frase que cito acima, e todas as suas variações por todos os recantos da mídia, formariam boas epígrafes para tratados sobre o papel da política na vida do brasileiro.