quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Humano"

Um ser humano é carinhoso, compreensivo, ético, um pouco relativista, usa o bom senso (seja lá o que isso for), gosta de crianças, especialmente dos próprios filhos, respeita as instituições legítimas e resolve os problemas das "ilegítimas", entre tantas outras qualidades. Ao menos, é o que uso do adjetivo "humano" parece indicar. Juro que esse uso tem me perseguido de uma formação profissional em janeiro aos últimos comentários em dezembro sobre o ano que vem aí. Aliás, isso é significativo: que "humano" possa querer dizer qualidades que um ano possa ter. Muita gente desejou aos quatro ventos um 2012 mais humano. Ora, o que isso quer dizer afinal?

Para muito além da incomodação universal com o termo jurídico "pessoa humana", esse adjetivo está fora do lugar em absolutamente todo contexto em que é usado! Um professor deve ser muito humano... ora, seria ele canino, equino, carvalhal? E ser humano não inclui defeitos? Um professor desrespeitoso, impaciente, arrogante, orgulhoso, vaidoso, autoritário... não é humano? Parece-me que a espécie humana indicaria, por média, antes o contrário.

E a ética? Esta eu adoro: uma ética humana! Conhecem a ética dos mosquitos? Mais ainda, a associação implítica entre "humanidade" e ética. Só humanos podem ser éticos, mas não há nada garantido que um ser humano seja ético como nós entedemos a palavra, como nós queremos que o outro se porte.

Não entendo mesmo como se pode achar ainda que o uso do bom senso ou um certo relativismo sejam características humanas, no sentido extremamente elogioso. Pessoas firmes em seus ideias, fanáticas até, não nos caracterizam muito bem? 

E o que é o bom senso? Tecnicamente, é a capacidade de bem julgar de acordo com uma norma compartilhada socialmente, mas não explícita, que obedece uma lógica capaz de adequar a regra universal ao caso particular, calibrando o uso de qualquer lei. No entanto, numa comunidade bastante individualista (não estou xingando), multicultural (como tanto se quer) e aberta a comunidades de diferentes cantos do mundo, não vejo esse norma com que "pessoas com bom senso" concordem. Não vejo como bater ou não bater, punir ou não punir, aliviar uma lei ou aplicá-la sejam casos de bom senso, de julgamento pessoal de acordo com uma norma implícita e pré-estabelecida que permita que um sujeito "humanamente" julgue o que é adequado de acordo com os outros "humanos" que não estão ali presentes.

O uso da palavra "humano" assim positiva, libertária e universal me parece tanto uma falta de vocabulário e de definição ética (de modo que as pessoas não sabem nem o que querem dos outros, mas têm a sensação de lembrar de uma certa norma que todos pareciam ou deveriam obedecer há muito tempo e que de alguma forma vem sendo esquecida, ainda que pareça, em seu íntimo, que deveria ser algo essencial a todo ser humano); ou obstinação a não se ver que justamente essa essência humana carrega também todo o oposto do que se quer ver nela. Um 2012 mais humano pode muito bem ser um ano com mais bolsas quebrando, mais guerras, mais fome, mais manipulação política, mais corrupção, mais exploração, mais maldade, mais crueldade, enfim, mais destruição em todos os sentidos que se possa imaginar. 

Tanto a vítima quanto o executor do atentado são humanos. Não estamos fugindo de nada alheio a nós. Ser humano pode ser um elogio, mas é simultaneamente um insulto, e não há nada pacífico em se supor qual lado pesa mais. Por isso mesmo, é quase sempre um adjetivo inútil, costumando vir acompanhado pela qualificação daquilo que a pessoa acha que é "humano" e pelo silêncio de todas as nossas características que, em desserviço geral, querem tanto esquecer debaixo do tapete.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Hiprocrisia: você quer uma pra viver?

Nunca achei um bom argumento para a tese de que as tradições não ganhem parte de seu valor só por serem tradições, costumes. O nosso cérebro, me parece bastante claro, adora uma rotina simbólica, certas exigências um tanto quanto espirituais para serem encontradas no dia-a-dia conforme seja lá qual cultura nos formou (não uso nem cultura aqui no sentido amplo, mas de etiqueta, seja de moda, de profissão, de festas e feriados...).

Isso vai, é óbvio, muito além de se dar Feliz Natal a qualquer Zé Mané que se deteste, mas digamos que isso podia passar. Sei lá, talvez a hipocrisia seja aceitável em pequenas doses? No entanto, as pessoas podem brigar um ano inteiro, se xingar sempre que possível, disputar em decisões quase de vida ou morte, literalmente, e ainda assim quererem uma da outra mensagens de paz e fraternidade no ano novo... Nem se trata de uma exigência de civilidade ou honra entre competidores. Antes fosse! Falo aqui dos cumprimentos mais batidos e banais, vazios na própria expressão.

Não entendo. Quando nunca mais quero ver uma pessoa na frente, não faço nenhuma questão que essa pessoa gaste ainda dois minutos a mais na minha frente me desejando qualquer coisa, boa ou não. Por que se reclama quando alguém não é hipócrita, não fica nos paparicando com mentiras antes de sumir da frente? Infelizmente, só consigo ver aí preguiça mental, ou uma crença absoluta no "poder" das palavras, em que os desejos de bons anos tenham mesmo a capacidade fantástica de atrair bons acontecimentos do "Universo". 

Espero apenas que nunca suponham isso tudo de mim. Quem não quiser me ver pela frente, por favor, exponha o seu caso (para me dar uma chance de reverter a falta) ou não demore: suma logo. Afinal, não há forma melhor de garantir um ano feliz do que começar a evitar todas as pessoas indesejadas o mais rápido possível, não?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A educação que assusta

Eu ia fazer um post sobre a questão da repetência de ano, sobre o sistema que faz com que um aluno passe ou não. Descobri, ao escrever o texto, que tenho medo de publicar tudo que está envolvido nesse processo. Meus textos não costumam ir longe, mas, como os tweeto, às vezes são retweetados, e não sei onde eles vão parar. 

Falar a verdade sobre a educação pública é sempre falar mal de muita gente. Tenho certeza de que essas pessoas se sentem totalmente seguras a respeito de que se publique sua hipocrisia e incompetência, mas também acredito que, às vezes, certas informações podem rolar por aí na hora errada. Também sei da importância do sistema de retaliações para a manutenção da engrenagem propriamente política da educação, ou seja, de suas secretarias. Só posso supor que situação seja semelhante em seu Ministério.

O fato é que o movimento dos alunos entre os anos da escola envolve tantas questões logísticas, geográficas e burocráticas que a aprendizagem não poderia estar mais distante do foco que o governo tem nas crianças que dependem deles para aprender sobre o sistema de nossa sociedade, estejamos falando de conhecimento científico e artístico ou da linguagem dessa sociedade, incluindo aí a educação, a ética, o respeito, até mesmo o controle do corpo de acordo com aqueles valores que bem conhecemos, já que irritantemente repetidos pelo Fautão, pelas heroínas da novela das 8 e por candidatos federais.

Mas, como a questão aqui é contar ou não contar, isso mais me faz pensar muito no quanto não temos jornalismo. Tantas e tantas matérias sobre educação ao longo do ano, em todos os estados, e ninguém toca em mais que a ponta da superfície do começo do problema (preferindo em geral gastar tempo e tinta na velha "É culpa dos professores?"). Se soubessem, a maioria dos pais usaria a escola literalmente como uma creche (o que já tentam, só não precisariam mais lutar contra um discurso que lhes resiste) ou os tiraria simplesmente de lá. No momento, o Bolsa Família já não motiva tanta gente a ir. Com o conhecimento da verdade, ninguém mesmo acharia que o Bolsa seria motivo para matricular o filho, mandá-lo para lá toda manhã, em vez de arranjar formas para a criança, direta ou indiretamente, aumentar a renda da família e - seria o ponto de vista deles, e quem poderia negá-lo? - aprender uma profissão (por pior que esta fosse aos olhos de todos que recebem mais que um salário mínimo).

domingo, 18 de dezembro de 2011

Fantasia

"Não lhe disse há pouco que o senhor via as coisas através de um vidro de cor? É o óculo da fantasia, óculo brilhante, mas mentiroso, que transtorna o aspecto do panorama social, e que lhe faz vê-lo pior do que é, para dar-lhe um remédio melhor do que pode ser."

Clara, na peça Desencantos, de Machado de Assis.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Brasil sem leis

O Brasil não tem lei para políticos nem para os não-políticos, também conhecido como "povo". A diferença está na forma como a lei não existe para cada grupo. 

Como ela não existe para políticos é um tanto mais literal, mas a especificidade dessa falha está em não afetar o ganha-pão, a atividade profissional. Ou seja, mesmo que a atividade policial atinja um político, sua função, no sentido amplo, sua vida política, não sofrerá com isso, apenas seu salário será um pouco mais fraco e incerto por, no máximo, 2 anos.

Já para o povo a questão é um pouco diferente. A lei pode nascer esquizofrênica ou tornar-se assim. Explico: as proibições contra as drogas têm nuances estranhas, não previstas no código, e, conforme se discute a lei sobre alguma droga, mais nuances se criam, de modo que maconha, crack, extrasy e heroína são ilícitas, mas nenhuma delas recebe o mesmo tratamento de mídia, público-consumidor, polícia e política. Se o cerco aumenta contra a maconha, a tranquilidade dos usuários para falarem do consumo e usarem na frente de qualquer um só fazem aumentar. Se o cerco contra o crack aumenta, a campanha atinge todas as escolas do país, sem deixar, é claro, de ser criticada, porque levada adiante por meios de comunicação. Estes, como se diz, interessados no combate a essa droga porque filhos da classe mais alta estão sendo muito afetados, justificam certo cinismo de todo sujeito com "espírito crítico", ou seja, aquela pessoa que não pode aceitar nada que seja apoiado pela "PIG".

No caso do povo, no entanto, é de se entender. Falta à ilegalidade da maconha suficiente apoio popular. Não estou dizendo que a maioria dos brasileiros seja a favor de sua legalidade (não sei), mas não é realmente algo que atraia a atenção de tanta gente, e quem quer sua legalização o quer com muita vontade. Poucos (proporcionalmente) são tão entusiastas de que a lei fique como está. Talvez não seja uma questão que atraia tanto seu interesse, talvez drogas mais pesadas sejam reconhecidas como ameaças mais graves à saúde, talvez o tráfico cause tanto dano que qualquer suposta cura para o problema seja preferível. "Se a cachaça faz o mal que faz, mas não provoca a violência cotidiana na vizinhança e nas escolas, por que não colocar a maconha no mesmo saco do álcool?"

Por um motivo ou outro, as leis da nossa sociedade não a representam, não a defendem, como que não vêm dela, verdadeiramente. Os políticos no Brasil são, para a experiência de gente demais, uma casta, à qual até se pode ascender, mas que torna qualquer pessoa (palhaço, jogador de futebol ou celebridade em geral) tão inatingível e desconectado do "mundo real" quanto qualquer "doutor".

A maconha é um caso progressivo. Outras leis são esquizofrênicas de nascimento, como a proibição de que se bata em filhos. É verdade que a obrigatoriedade do cinto de segurança e a proibição de fumo em lugar fechado nasceram para "criar uma realidade", como que para "impor uma educação". Ambas vingaram, me parece, mas poucos brasileiros reconheciam "não usar cintos" ou "fumar em espaço público fechado" como afirmações de valor e identidade. A educação dos filhos é diferente. Bater, de alguma forma, com alguma força, é reconhecido como valor, parece-me que pela maioria da população. Existem, novamente, matizes. Tem gente que espanca "porque pode" (quando está bêbado, por exemplo), gente que dá surra "para o filho aprender" e gente que acha que uma palmada aqui ou ali pode ser fundamental, desde que algo isolado, para casos extremos.

De qualquer forma, pouca gente parece considerar que deva se controlar em seus "princípios" de educação infantil porque um fulano rico e corrupto (supõe-se, imediatamente) assinou uma folha em Brasília. O que a casta distante dos políticos tem a ver com a educação do seu filho? Virá o Estado lhe dar o apoio, a educação, a saúde, a segurança de que sua criança precisa? Irá o fulaninho instrumentalizar o posto de saúde e trazer médicos e enfermeiros? De onde agora essa história de que políticos se importam com as crianças do Brasil?

E a coisa toda acaba no velho problema: como eles vão saber? Conselho tutelar? Este não dá conta dos problemas que lhe chegam já agora e mesmo assim não deixa de perder pessoal e alcance. A lei servirá para quê? Punir os extremos? Separar crianças que já viviam isoladas e mal tratadas a ponto de chegar no seletivo conselho? Será uma lei com nuances não ditas, que atacará a surra absurda sem ver a violência, como se ataca (algum) tráfico ignorando o consumo? Uma lei desacreditada pelo povo, sem sustentação pública? Para quê? Para quem?

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Perdido na livraria

Existem duas livrarias por estas bandas: a Cultura e a Internet. No entanto, sem pouso para meu corpo num dia em que todas as ideias úteis eram travadas por acidentes do destino, me vi forçado a "não fazer nada" em algum lugar, de modo que entrei numa outra livraria, por que estava passando. Não era qualquer livraria, é verdade. Tratava-se de uma em que eu lembrava de ter tido boas surpresas, até sua adaptação mais recente, talvez em resposta à proximidade da Cultura, terminar de destruí-la. 

Apesar do pessimismo, ainda fiquei impressionado. A literatura estrangeira não está meramente tomada por bestsellers/filmes, até mesmo os bestsellers tradicionais pegaram cacoetes daqueles, como capas inultimente brilhosas, cores sem nenhuma variedade (a volta de um amante, a vida de um espião e os melindres de um vampiro inseguro, pelo jeito, merecem o mesmo tratamento gráfico) e frases de efeito que... bem, talvez isso tenha sido mais influência dos clássicos nos modernos. A prateleira de "Literatura Brasileira" não tem apenas livros desinteressantes ou de culinária, estão lá também livros de piada (não de crônicas, de piada), manuais de vestibular disfarçados e, dominando o conjunto, biografias! O livro do Boni, aliás, tem grande destaque.

A grande surpresa foram mesmo as histórias em quadrinhos! Lá não havia apenas super-heróis, mas clássicos da literatura, da ópera, histórias originais (de humor, tragédia ou o que se quisesse) sobre história de império chinês, grandes heróis de diferentes culturas, dramas cotidianos modernos. Tudo, diga-se de passagem, com arte variada e interessante. A sessão de histórias em quadrinhos era a prateleira mais interessante e rica da loja. Logo ao lado, aliás, da grande sessão de Arte, que acabou me levando a escolher um livro sobre a obra do Dali e sentar para curtir um pouco. Um tanto a mais de estímulo intelectual e prazer do que geralmente meu dia encontra, é verdade, o que talvez indique que fui um pouco injusto no começo do post, falando sobre essa livraria, mas devo dizer que as histórias em quadrinhos e a arte não me diminuíram a incomodação com a parte sobre literatura estrangeira e brasileira. Entenderia uma variedade com certo foco em vendas, mas piadas, biografia (o que menos havia, algo como 30%, era literatura) e SÓ bestsellers na estrangeira? Tinha um Tolstoi lá no meio, é verdade. Pequeno e mirrado. Pobre, o que pode ser irônico, mas com certeza muito injustiçado.

É urgente que sejam criadas as sessões "Livros que Recontam Filmes" e "Coisas Escritas no Brasil". Se não querem literatura, assumam! O público, pelo jeito, nem vai notar a ausência.

Dica de crítica

Para quem quiser descascar Foucault e Derrida, particularmente o efeito que eles tiveram em algumas áreas da cultura e da formação intelectual, recomendo Mario Vargas Llosa, escritos relacionados e a palestra no Fronteiras do Pensamento. Infelizmente não achei o vídeo inteiro para postar aqui.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Shhh

Há uns dias (quando pensei em escrever este post) acordei lá pelas 4h e muito da manhã. Já tinha me levantado umas 3 vezes e podia arcar com certo sono naquele dia, então desisti de dormir e resolvi sair da cama de vez. Afinal, podia curtir outros climas antes de ter de ir trabalhar, e com certeza não me atrasaria...
Quando levantei, estranhei o barulho que o movimento do lençol fez. Acontece que era meramente isso, o barulho do lençol. O que havia de diferente era o extremo silêncio da madrugada. Parecia que James Cameron tinha gravado um som de lençol em altíssima qualidade e colocado num cinema com uma nitidez injustificável por qualquer roteiro. Minha atenção voltou-se direto para a rua, que é movimentada em proporção à maioria das ruas, em qualquer horário. Logo veio um caminhão. Claro, o barulho. Depois o silêncio, e um carro...
Mesmo que minha rua nunca durma (e tenha horários de engarrafamento larguíssimos), era possível curtir um silêncio único, entre um carro e outro. De repente me pareceu muito violento que alguém sempre deva estar acordado. Entendo que se vire a noite, sempre adorei, e entendo que festas cheguem às madrugadas muitas vezes, mas sempre alguém dever estar acordado me pareceu uma violência estranha, como que a todos nós. E nossa raça sempre fazendo barulho!
Será que em alguma época, desde que há homo sapiens, já estivemos todos em silêncio? Não me importa que outras raças sejam ou não barulhentas, afinal eu não posso experimentar o ponto de vista deles, nem nossa empatia por eles chega às raias do que pode a entre humanos. Quero saber de nós.

Uma teoria bastante apoiada afirma que fomos reduzidos a baixíssimo número, quando ainda vivíamos só na África, antes de nossos ancestrais se multiplicarem de novo e conquistarem os continentes dos outros homo qualquer coisa. Talvez, se fôssemos poucos, numa região tão curta que fosse possível todos experimentarem a noite pelo menos por algumas horas em comum, acuados por precaução, com cuidado contra predadores e inimigos em potencial, talvez então tenhamos ficado todos em silêncio, por algumas horas, ou alguns minutos. 
Desde então, o barulho! Centenas de milhares de anos de barulho...

O caminho mais distante até o interessado

É engraçado como algumas palavras enganam as pessoas. Depois de ser cunhada como "nome" de algo (por exemplo, uma "arma"), a palavra parece que passa a perna em todo o mundo, indicando que seu sentido usual indica também o único "uso" que tal objeto pode ter. Uma "arma" serve para ferir, mas isso não quer dizer que ela não possa servir de peso de papel, digamos. No entanto a associação quase não é feita, como se o substantivo comum escolhido determinasse de forma absoluta a finalidade.

É como a palavra "comunicação" e a palavra "meio". Ainda que esta seja entendida pela maioria da população como "ferramenta", e aquela, mais ou menos,  como "ato de enviar uma mensagem", não quer dizer que qualquer pessoa afim de mandar uma mensagem para alguém devesse escolher, preferencialmente, os "meios de comunicação". A menos que queira falar com o maior número de pessoas possível e tenha boa quantidade de dinheiro para financiar tal mensagem muitas vezes na programação. 

Agora, quando a companhia elétrica quer tirar a energia da minha casa por horas para uma manutenção que diz respeito apenas aos moradores de poucas quadras, "utilizar os meios de comunicação" é uma forma muito menos prática e eficiente de nos deixar informados a respeito do que outra forma, de nome imprevisto, mas de finalidade mais precisa: o correio! Caso contrário, eu (e quem sabe quantos mais), que passei trabalhando o que pude e não fiquei vendo TV ou ouvindo rádio, sou pego absolutamente de surpresa e perco todo um turno que poderia ser muito produtivo. Pior ainda, ao reclamar por não ter sido avisado, preciso ouvir a resposta idiota:

- Nós noticiamos pelos meios de comunicação.

Só faltou comunicar!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Depois de Deus, a Bolsa - para todos os problemas

Neste post eu havia dito que a mentalidade de "bolsas" era endêmica no país, e se acreditava que garantir apoio financeiro do Estado para qualquer coisa resolveria todos os problemas, em todas as áreas. Nunca achei que alguma opinião postada neste blog seria tão comprovada quanto agora, aqui.

Física no cotidiano

Manchete: "Planeta com características semelhantes às da Terra descoberto a anos luz de distância."

Onde achavam que iam encontrar? Dobrando a esquina?

domingo, 4 de dezembro de 2011

3 Formas de Amar ou Assim Caminha a Humanidade

Para quem achou que o post era sobre o filme com o mesmo 
primeiro título deste post, uma pequena lembrança.

O adolescente roots gosta da guria e, em resposta à sua ânsia, rouba estojo, incomoda, puxa cabelo, dá beliscão... de preferência no horário da aula, quando ela mais estiver querendo prestar atenção. Estudar é uma ideia alienígena para ele, e a possibilidade de atrair alguém pelo cérebro soa-lhe tão compreensível quanto "oração subordinada substantiva completiva nominal". Ele também é referido como "o burro" ou "o chato (burro)".

O adolescente roots gosta da guria, mas tem medo de chegar. Varia entre um amor platônico, uma amizade que queria ser colorida e a simples desistência. Paralelamente, até mesmo por interesse, estuda e presta atenção à maioria das aulas. Também referido como "o nerd" ou "o CDF".

O adolescente roots gosta da guria, mas sente a diferença entre seu próprio avanço-padrão na escola e o quanto ela estuda, passa nas provas e se aproxima de conquistar um diploma. Seja qual este for, pelo simples caminhar da vida acadêmica, a guria sairá de seu alcance caso ele fique para trás. O sujeito passa então a estudar, talvez até conseguindo ajuda com ela, e termina melhorando as notas e ficando com a guria, avançando nos dois fronts simultaneamente. Também referido como "o que tomou jeito na vida, não se sabe bem por quê".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Preconceituosos de berço

Pesquisadores da Universidade de Sheffield, Reino Unido, descobriram que bebês de três meses já são racistas. Ok, não foi bem isso, mas foi assim que noticiaram. Ou seja, todas as matérias (espero, já que torço por que todos os jornalistas sejam responsáveis, ainda que ambiciosos em suas manchetes) começam por uma aliviada na informação, como eu preciso fazer aqui.

O que se observou é que eles começam, nessa "época", a preferir rostos de sua própria raça. A menos que estejam convivendo muito em ambientes "multirraciais" - dã! 

Supresa, supresa: preferimos o que nos é familiar desde cedo! Ufa, ou nossos ancestrais teriam morrido bem mais facilmente e nunca teríamos evoluído para poder desenvolver, por exemplo, manchetes sensacionalistas...

Maldosa e egoisticamente, no entanto, às vezes penso que seria legal se se descobrisse uma tendência genética bem clara aos preconceitos. Isso indicaria a responsabilidade da sociedade por se trabalhar contra essas tendências, mas sem sonhar com seres humanos ideais nascendo, nas florestas "isoladas" ou no futuro distante, igualitários e pan-amigáveis. Essa vontadezinha morre, é claro, quando lembro que uma descoberta dessas provocaria mais xenofobia, homofobia, machismo, racismo... do que qualquer Mein Kampf ou ressentimento que ande solto por aí. A ideia de que uma notícia provoca discussão racional em massa é ridícula não pela falta de poder da imprensa, mas pela flagrante incongruência da expressão "discussão racional em massa".

A notícia tem pelo menos, quem sabe, o poder para provocar em algumas mentes o raciocínio não de que somos racistas desde pequenos, já que nem na pior leitura é isso que os estudos estão realmente mostrando: racismo implica uma série de noções e seleções (bem mais sérias do que "não preferir", aliás) que crianças ainda não podem fazer. Mas, torçamos, talvez a matéria provoque o pensamento contrário, de que o preconceito tem sim muita base em nossa natureza. Como já escrevi vezes demais neste ano, eis uma tese que me convence bem mais, que dá a devida medida do desafio de uma sociedade que tente ser cada mais igualitária e que queira pensar com propriedade para peitar de frente seus problemas, mesmo que estes a matem de medo. Muito ineficaz é encarar o preconceito como "desvio", perda de uma conduta naturalmente bondosa, má influência pura e simples, praticamente uma gripe que nos atacou, mas que, no fundo, não nos pertence.

domingo, 27 de novembro de 2011

Alguma raiz para a USP

A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foi uma das primeiras instituições de ensino superior no Brasil (criada em 1827). Quando a USP foi fundada, a Faculdade de Direito lhe foi agregada. Dizem, uns por simplificação, outros por buscar identidade, que a USP nasceu dessa faculdade. Considerando-se essa defesa de herança direta, chamou-me muita atenção a seguinte descrição do embrião no meio do século XIX:

"A cidade, um pouco contra a vontade, abrigava os estudantes ao preço de alguns escândalos e algum tumulto. Os acadêmicos viviam em 'repúblicas', tradição portuguesa que ainda se mantém no Brasil. Formavam um corpo não assimilado pela cidade, porquanto viviam segundo costumes e ética que escandalizavam frequentemente os habitantes da pequena província que ainda era São Paulo (...). O número de estudantes era reduzido, em proporção ao tumulto que acarretavam."

Jean-Michel Massa. A juventude de Machado de Assis.

sábado, 26 de novembro de 2011

Propagandas online

"Pintou aquela vontade de casar? Muita calma nessa hora! Descubra com o celular quando você vai se amarrar!"

O que seria de um sociedade centrada no mercado absoluto sem a estupidez?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Aquecimento Global e nossas vidas

Acabo de assistir ao maior teórico sobre Aquecimento Global que já vi: um coadjuvante de uma série! Conforme o sujeito, o mundo está aquecendo, mas experimentamos mais frio, porque estamos ficando velhos! Perfeito: bate a ciência com nossa experiência e (genial!) todos estamos de fato ficando mais velhos. Todos tendemos a sentir mais e mais frio com o avanço dos anos, ainda que, sutilmente, os termômetros digam que a temperatura média aos poucos aumente.

Agora, o mundo é frio. Eis uma afirmação existencial. Confrontado por seu amigo a respeito do conflito entre essa afirmação e a precedente, sobre aquecimento global, o sujeito respondeu que o mundo aquece de fato, mas as pessoas tornam o mundo existencialmente "frio". São elas que são "frias", mais e mais: "O mundo está indo numa direção, as pessoas noutra".

Tudo faz sentido agora!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Não sabe o problema das escolas? Então estuda!

Conforme recentes pesquisas, negros rodam mais que todas as outras categorias étnicas do IBGE, no Brasil. Feitos os cruzamentos entre classes sociais (com o maior número de negros entre os pobres que entre os ricos), vê-se ainda que, até numa mesma faixa de renda, o número de repetência dos alunos negros ainda é maior. A nota também costuma ser maior entre os brancos se comparados a negros da mesma faixa econômica. Até nesses grupos, aliás, há uma porcentagem maior de negros em escolas ruins - ou seja, ainda que tenham renda próxima, há a tendência de que o branco ou derivado esteja em uma escola melhor (ou, claro, menos pior).

Não lembro da porcentagem, mas essa realidade também é encontrada em outros países, como os EUA. De fato, isso é tradicional entre grupos que sofrem qualquer tipo de preconceito, em qualquer país e em qualquer época (considerando-se o pequeno recorte em que nosso conhecimento a respeito é adequado e relevante, claro).

A resposta de que, além dos problemas de renda e de disponibilidade de boas escolas, o racismo tenha parte da responsabilidade é provável, mas descritiva. O problema é que não se parece ter estudado COMO esse racismo age para piorar notas, estudo ou permanência na escola. Portanto, concluir que o racismo é um responsável provável não significa que atacar livros didáticos, por exemplo, seja o caminho. No entanto, este é um dos alvos. Por quê?

Tudo bem que livros didáticos estão em todas as escolas. Falta saber se estão em todas as salas de aula. A maioria dos professores, pelo menos por estas bandas, usa o livro de didático como uma ferramenta  para o seu trabalho, assim como usa informática, quadro, passeios, bibliotecas, música, jogos... Só porque existem mais brancos, ou referências brancas (se é que é verdade - não nos que eu conheci, pelo menos), nos livros, isso não indica em nada o tipo de experiência ou de material que os alunos estão encontrando em aula. Um professor pode até pegar um livro didático racista e virá-lo de cabeça para baixo em sala de aula, trabalhando o problema dos valores do livro como tanto se idealiza. Mais ainda, é bem provável que o livro didático, considerado ruim, jamais entre na sua aula.

Agora, mais do que isso: quem disse que o aluno se importa com o livro didático? Pelo menos a partir da quinta-série, para a maioria dos alunos eu diria que a escola é um lugar errado e chato a priori. Podem gostar de um professor, de uma matéria ou de alguém mais da escola, mas cada professor novo ainda deve ganhar o respeito ou carinho por si. Caso contrário ele é apenas parte da "escola", uma instituição chata que fica inventando de tentar ensinar coisas enquanto as crianças vão lá para namorar, fofocar, brincar e, em alguns casos, outros interesses um tanto questionáveis.

Quem disse que os racismo entra pela atividade dos próprios professores? Quem disse que são os alunos os responsáveis? Quem disse que a literatura e o tipo de revistas que se tem nas bibliotecas influenciam? Quem disse que é responsabilidade dos ídolos dos alunos e das possíveis diferenças que existam entre alunos negros e todos os outros? Quem disse que é culpa das próprias famílias? Ora, ninguém disse nada disso, porque ISSO não foi estudado. Pode ser que existam movimentos nesse sentido, mas é preciso conhecê-los antes de se querer atacar as causas invisíveis dessa disparidade. Não basta um estudo descrever um problema, sem estudar suas causas ou caminhos, para que se pule para a etapa prescritiva, ou seja, a etapa de opinar sobre soluções ou, ainda, criar políticas com base apenas nos próprios preconceitos a respeito de alunos, professores, escolas e pedagogia.

A salvação na caixa do correio; ou O Best-seller de graça

Vocês já ouviram falar em "A Grande Esperança", de Ellen G. White, que tem aliás uma capa superbonita, de papel caro (como de foto, mas que não fica com uma gordurinha do dedo), com uma composição de fotos interessantes e o grande anúncio "Viva com a certeza de que tudo vai terminar bem"? Conforme essa linda capa, trata-se de um livro que, nessa edição, já vendeu internacionalmente mais de 35 milhões de exemplares.

E eu acabo de receber a pérola de graça, pela caixa de correio... Hm, será que devo suspeitar de alguma coisa?

Qualquer frase do livro valia um post, como "Todos os tesouros do Universo estarão abertos aos resgatados por Deus", ou "À medida que passam os anos da eternidade, surgirão mais e mais gloriosas revelações de Deus e de Cristo." Mas uma coisa definitivamente me recomendou ler o livro: segue o Novo Acordo Ortográfico!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Uma metáfora sutil

Um sujeito foi contratado para cuidar que algumas plantas crescessem. Bom, todas as plantas, pelo menos todos os tipos pelos quais ficou responsável, crescem por si, digamos então que ele foi contratado para que as fizesse crescer de determinada forma, a qual estava ao alcance natural delas, mas exigindo um caminho que não é da natureza delas trilhar, não por si. Sua intervenção, além de guiar esse desenvolvimento, talvez forçá-lo um pouco, idealmente as faria se desenvolver também mais rápido.

Os donos das plantas e o resto da população, que contava com sua futura produção de frutos e um pouco de oxigênio, quem sabe, todos contribuíam com a pesquisa... financeiramente. Alguns donos, é verdade, só queriam um lugar para deixar as plantas crescendo sem serem incomodados, mas todos estavam dispostos a subir em seus saltos morais caso qualquer problema no laboratório respigasse em seus respectivos cotidianos supervalorizados.

A pior coisa que poderia acontecer, então, era que uma planta fosse jogada para fora do sistema montado, ou ainda que ficasse trancada em determinado estágio - já que isso indicaria que os gastos ali investidos não teriam retorno, algo que a população em geral não estava disposta a aceitar, ainda que os responsáveis diretos pelas plantas insistissem que estas não eram objetos, como pedras, que eram seres vivos e tinham valor em si, justificando todo investimento possível. Esperava-se que o botânico responsável encontrasse sempre novas maneiras, exigindo menos da planta (para não usar eufemismos), trabalhando diferentemente, procurando novas tecnologias, o que fosse necessário! Tudo, menos uma planta voltar para casa ou crescer por si, conforme quisesse, ou, pior ainda, seguisse o desenvolvimento da vegetação na volta do laboratório.

O pequeno problema era que o botânico logo percebeu que lhe faltavam verbas e pessoal para tanto. Não tinha nem onde trabalhar com as plantas que ficavam defasadas naquele percurso de movimento pré-estabelecido e atribuído, uniformemente, a cada planta, independente de diferenças genéticas e nutricionais, incluindo necessidade de diferentes tipos de solos. Tanto ele esperneou que seus contratantes diretos formaram um grupo de pesquisadores responsáveis por visitá-lo e avaliar caso por caso as plantas que não correspondiam ao desenvolvimento esperado, a fim de avaliar, se afinal ele tinha razão em querer tratar determinada planta de forma diferente, quem segurá-la para certos objetivos por mais um ano.

A mesma tarefa, é claro, minguou no papel. Não havia como fazer essas visitas nem uma análise cuidadosa, mesmo porque havia muitos e muitos laboratórios como aquele, e criá-los para todos os lados era um esporte político associado facilmente com votos, então a cada ano o problema apenas aumentava. A solução foi designar uma só pessoa para avaliar o laboratório. Melhor ainda, para os cofres, uma para vários.

Como a análise dos casos levaria tempo e essa pessoa precisaria visitar muitos, além de cumprir sua própria burocracia, a única forma era que começasse suas visitas avaliativas com certa antecedência, ou seja, antes de se poder dizer, com total certeza, que se tentou de tudo, e que a planta não reagiu conforme o esperado. Ironicamente, ele só precisava ir porque se pretendia garantir que o botânico havia tentado de tudo com cada planta! 

Logo, acostumados com esse sistema, e sempre relembrados pelo burocrata de plantão, pesquisadores como o nosso sujeito em questão começaram a acumular provas, prever estratégias, montar dossiês e fiscalizar as plantas de risco, definindo seu destino antes mesmo de ele estar traçado. Era chegar o fim do ano e o trabalho para manter uma planta onde estava começava antes mesmo de esta poder ter cumprido o desenvolvimento desejado.

E assim um sistema que não quer excluir nem gastar o suficiente para incluir torna-se não apenas excludente, mas precipitado, prematuro e, num sentido estranho, preconceituoso: definindo seus conceitos a respeito do que avalia antes mesmo de os conceitos serem fechados.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

República e Reminha

Uma coisa curiosa de trabalhar com a coisa pública é que um feriado é mais sensivelmente voltado à coisa privada, mesmo quando é a coisa pública que está sendo comemorada. É claro que coisas como responsabilidade e salário fazem com que a coisa pública seja também preocupação com a coisa privada, o que deixa o feriado pela coisa pública ainda mais em busca de símbolos da dedicação à coisa privada. Por outro lado, isso intensifica a sensação de trabalho quando se pensa na coisa pública premeditadamente, afinal, o trabalho está logo ali esperando. E não é que não existam resposabilidades privadas para além daquela com a coisa pública, então dedicar-se mais ao trabalho pode ser uma marca de que a coisa pública está um pouco mais distante, mas isso também faz com que pese mais na mente a previsão da coisa pública quando ela voltar a ser o centro de minhas atenções. 

O problema dos feriados é sempre fazer o trabalho pesar mais. Dizem que o descanso é necessário e que não adianta seguir a vida sem pitstop, mas às vezes é difícil acreditar que não seria melhor resolver tudo logo de uma vez e ter férias maiores... É claro que, na falta de feriados, teríamos apenas mais trabalho, não mais férias.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Redes sociais e a revolução dos computadores ociosos

O Facebook mudou radicalmente o mundo: desde sua invenção, não são mais paciência e freecell que ocupam as telas de caixas, secretarias e demais computadores semi-ociosos das diversas "cabines" deste mundo. Onde paro e vejo monitor, lá está a página do facebook a postos para que o empregado que ali labuta alterne obrigações com os clientes/usuários e papos profundos com os amigos (ou a leitura de notícias bizarras).

Sim, passou-se do lazer individual ensimesmado para a prática social constante e o eterno contato com o novo, o familiar e o bizarro. Agora, a maior mudança mesmo é que dessa forma as pessoas que te conhecem ou que têm tua página do facebook podem saber o quanto estás ou não trabalhando.

Mais do que isso, graças ao facebook sabemos sobre as diversões com Cityville de gente que mete atestado para fugir do trabalho. E tão poucos destes se tocam da característica de vitrine do facebook - não na prática, pelo menos. Agem como se estivessem jogando freecell quando, na verdade, estão se expondo ao ridículo. Nós, os que trabalhamos tapando buraco desse último tipo de gente, agradecemos a informação sobre como gastam o tempo conquistado injustamente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Preconceito invertido pela culatra

Estava eu assistindo a uma palestra/conversa com um escritor na Feira do Livro quando ele menciona, por qualquer motivo, "mulheres", assim no plural. Como não poderia deixar de ser, ou ele largava um comentário machista, só por ter tocado no tema, ou fazia um elogio desproporcional e demagógico. Foi pela última opção, arrancando aplausos satisfeitíssimos de algumas mulheres de todas as idades.

Nada de novo no front. Aliás, pouca coisa poderia ser mais tediosa de tão batida. O elogio, no caso, foi amplo e completamente desconectado do assunto: "as mulheres são melhores em tudo".

O que me chamou a atenção foi a reação da maioria dos alunos de oitava série, que estavam todos à minha direita. Virando o rosto, vi de um golpe só os olhos virando para o chão ou rodopiando no ar, os lábios se contorcendo, os sorrisos debochados ou cansados. Com as caretas, vieram os comentários, não altos demais que passassem de nós, mas próprios para que circulassem entre a própria turma. Ironia quase total. Aqueles adolescentes não caíram no movimento retórico do autor, cansaram-se, como se fosse, com o elogio vazio e batido, perderam grande parte do respeito que estavam decidindo colocar ou não na figura. Não era a má vontade típica, nem eles responderam com comentários machistas. O autor tivera chance de ser escutado que raras vezes eles dão a estranhos, e se perdeu no clichê...

Eu sempre achei que aquela galera merecia todo o apoio, mas aquele desdém merecido no meio dos aplausos foi um gesto que deveria ter sido filmado para entrar no histórico escolar. Aquilo é tão difícil de comprovar na escola.

domingo, 6 de novembro de 2011

O mito da utilidade do conhecimento

- Eu nunca vou usar isso na vida, certo?

Questionado por uma aluna assim, eu respondi que ia, sim, e demonstrei como. Mesmo assim, minha resposta estava errada. Não porque eu estivesse mentindo, mas porque a própria pergunta era errada. O problema do interesse na educação nunca é (na escola, NUNCA, não importa o que digam os mais numerosos pedagogos) se determinado conhecimento é útil para o aluno ou não. Nem mesmo se o conhecimento é PERCEBIDO como útil pelo aluno, o que seria uma forma aparentemente mais verdadeira de pôr a questão.

O problema da educação é se o que está sendo apresentado ou trabalhado pelo aluno é apelativo para ele ou não, se o assunto interessa por si mesmo, não em relação a um futuro mais ou menos distante, útil para a vida profissional ou afetiva de dali a alguns anos.

Para quem acha que o conhecimento precisa ser entendido como útil para interessar, proponho a seguinte questão: acreditas realmente que, depois de eu demonstrar que aquele conhecimento era útil para a vida, a aluna que me pôs a questão passou a trabalhar com motivação e engajamento, ou, sendo menos exigente, que ela pelo menos trabalhou naquilo sem novas resistências?

O grande problema da ideia de que o aluno tem que achar que determinado conhecimento lhe será útil é que isso pressupõe imaginar seres humanos envolvidos mais com o próprio futuro do que com o presente imediato e com o prazer sensível. A maioria das pessoas não é capaz de sensivelmente supor o futuro até o fim da adolescência, e mesmo aqueles (adolescentes ou adultos) que conseguem têm enorme dificuldade de sacrificar o prazer imediato pelo ganho futuro, mesmo que esse ganho seja comparativamente maior. É o que nos demonstra, para ser grosseiro no exemplo, o enorme apelo que tem a pornografia: um dos cúmulos do prazer imediato inútil (ou seja, do prazer pelo prazer).

Não podemos dizer o que um aluno vai verdadeiramente usar na vida, a não ser nos temas mais básicos do ensino. Não podemos dizer nem ao menos se a pessoa vai chegar a tal futuro, ou se vai morrer bem antes. Não podemos indicar para um aluno que o futuro lhe guarda possibilidades melhores se ele não é capaz de perceber esse futuro de uma forma minimamente madura, o que apenas uma minoria consegue - minoria que só se torna digna de nota, sem deixar de ser minoria, perto do vestibular ou na faculdade. 

Mesmo assim, os próprios alunos controem esse discurso de "se não é útil não quero aprender". Ora, acontece que esse sujeito nitidamente não quer aprender, não aquilo, não naquele momento, e é apenas por isso que ele ou ela parou para achar uma desculpa para largar a atividade e fazer o que realmente lhe está chamando a atenção (atualizar o orkut, jogar uma bolinha de papel, roubar a caneta da colega gostosa...). Agora, por que achar que os alunos estão colocando uma questão filosoficamente válida, se ela é totalmente gerada pelo desinteresse? Ou alguém acha que adolescentes sabem tanto da vida e de si próprios para colocar questões pedagógicas maduras? 

Algumas de suas críticas são válidas, mas de forma indireta. É preciso analisar o que eles dizem e utilizar isso para pensar no apelo de cada aula, mas eles não são capazes, em geral, de colocar o verdadeiro problema. O que eles falam não é a essência do que um professor precisa resolver, mas o sintoma que esse professor precisa analisar a fim de realmente entender o que está acontecendo e mudar suas aulas, se assim julgar adequado.

Para que alguém se atraia por aprender, a questão não é serventia ou utilidade "para a vida". Qual a utilidade de aprender a jogar um jogo além de, simplesmente, jogar o jogo? E por quê? Porque é divertido, porque é interessante, porque o jogo apela esteticamente àquele sujeito. O ponto da questão, portanto, não é que sejamos seres utilitários. O ponto é que somos seres estéticos.

O utilitarismo vem com a maturidade, para alguns. Por mais que conheçamos adultos imaturos, não vamos acreditar que adolescentes e adultos realmente sejam criaturas iguais. Não são. Tanto que a maioria dos adultos, ao ouvir por terceiros as reclamações de algum adolescente, ri com desdém. A questão de "para que eu vou usar isso?", por mais que revele desinteresse a ser enfrentado por um professor, deveria receber, muito mais, uma resposta com o mesmo riso, em vez de reforçar esse senso comum pedagógico que quer explicar para que serve aquilo que o aluno não entende em relação a um futuro que ele não enxerga.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Fugindo da realidade uma frase de cada vez

Como eu dificilmente poderia descrever muito melhor, e não passaria o tom de fala através do texto, meu post de hoje tem de ir por este vídeo um pouco antigo. Lamento que não tenha achado com legenda.


terça-feira, 1 de novembro de 2011

É da idade!

Será? Obviedades como a habilidade de andar ou falar à parte, será mesmo que muita coisa que desculpamos nas pessoas pela idade não são apenas traços de personalidade? Afinal de contas, sempre se reclama de como não sei quem é infantil, e isso particularmente falando de adultos. Diversos grupos, particularmente se organizados por profissão, parecem, para quem olha de fora - inclusive para potenciais membros desses grupos - pessoas muito infantis (em algum assunto ou aspecto, pelo menos). Muitos comportamentos aceitos das mulheres costumam parecer infantis aos homens e vice-versa. 

Talvez seja de certa idade namorar muito, mas o certo é que algumas pessoas dessa idade não namoram nada, e as outras seguem namorando muito mesmo quando trocam de idade. Algumas pessoas parecem muito novas para entender certas ideias, mas diversos adultos não entendem as mesmas ideias, assim como as entendem certos jovens da mesma idade da pessoa desculpada, e às vezes até as intuem ou concluem por si mesmas.

Alguns comportamentos nossos ficam no tempo, mas isso não indica que nos tornamos mais maduros, já que outras pessoas vieram "amadurecendo" conosco e não largaram aquilo ainda, ou nunca tiveram aquela característica, para começar. Física e cognitivamente temos certo desenvolvimento mais ou menos uniforme, é verdade, e tal uniformidade implica uma variação, ok! Como animais, no sentido mais simples do termo, podemos ser crianças, adolescentes e adultos, e cada uma dessas coisas tem algum sentido. No entanto, quando o assunto é personalidade, postura, estilo, preferência, interesse, preocupação, empatia, humildade, perseverança, paciência... tenho sérias dúvidas que o fator que faça algumas pessoas melhorarem seja realmente idade, já que algumas claramente prescindem de "amadurecimento" e outras não lucram nada com o tempo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Do descaso: in memoriam

Uma lei específica para a violência contra professores (por alunos, pais, terceiros... ou seja, todo o mundo) está sendo julgada e calibrada. Trata-se de uma daquelas tentativas de governo de ser ultra-didático, sua forma de responder ao fato de que a proibição por lei da violência contra qualquer tipo de pessoa aparentemente é muito genérica, não cai a ficha nos criminosos. 

Bom, o caso é que já estão a cunhando de Lei Carlos Mota, porque este foi morto combatendo o tráfico em sua escola. Nesse caso, eu entendo uma homenagem ao morto. Mais ainda, na verdade, no caso da Lei Maria da Penha, em que a mulher lutou por uma causa e seguiu viva para contar a história. Não entendo quando a "homenagem" é feita a vítimas no sentido estrito, ou seja, pessoas que morreram em momento de passividade ou tranquilidade, menos ainda quando é culpa do Estado.

Os mortos por aquele doido no Rio de Janeiro, o "caso de bullying", já viraram nomes de diferentes escolas infantis ou creches. Em que isso ajuda os pais que perderam seus filhos para uma loucura, um acidente estranho e idiota? Dá algum sentido para mortes sem sentido ter o nome da criança estampada, ironicamente, numa instituição de ensino? 

Em Porto Alegre ocorreu uma homenagem, a meu ver, pior ainda: há uma parada de ônibus com o nome do aluno eletrocutado por uma carga que estava sendo liberada no metal da estrutura. A Prefeitura havia sido avisada, de modo que a morte se deu por absurdo descaso. Resposta da prefeitura? Colocar o nome do garoto na parada! Para todos que passarem ali lembrarem sempre como têm sorte de não estarem mortos por irresponsabilidade pública? A única compensação talvez seja que os políticos responsáveis terão seus nomes "eternizados" em ruas, quando morrerem, como é destino de todas figuras públicas numa república. Assim, pelo menos, graças a tal homenagem, até os anônimos pisarão em seus nomes.

sábado, 15 de outubro de 2011

Ironias da vida e da pós-vida

"I was an Irish Catholic.. and I had to quit the Catholics... because they were after my soul!" 

George Carlin

Traduzindo

Comentário engraçadinho sobre curiosidades da tradução.

Palestras sobre o universo


Eu recomendo toda a série. São 12 palestras de pouquinho mais de 30 minutos, cada uma. Fica aqui a primeira, de entrada. Não sei se existem com legenda, creio que não.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Kassab caçado

Preparando-se para competir com Kassab em São Paulo, o PT inventou um "dispositivo" na internet que servirá para mostrar que, eleito, ele não cumpre as centenas de metas que estipularia em campanha. Basicamente querem mostrar por um site, de forma particularmente simples e direta, que seu concorrente não faz o que diz. A iniciativa do PT é boa, desde que fosse aplicada a todos os políticos, inclusive os petistas, é claro. Dessa forma todos seriam desmoralizados e nunca mais um político seria reeleito no Brasil. Ou, é claro, ia ser o  mesmo que chover no molhado, todo o mundo se conformaria com a comprovação do que já sabemos e não cumprir metas seria apenas mais um dado dos milhares que tornam os políticos tão criminosos aos nossos olhos e que deixam toda a população mais e mais desinteressada em política. Aposto na segunda hipótese.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sociedade, a eterna malvada

Acho que vou criar o Greenpeace... desde que eu não vá à escola, não tenha amigos e não escute o que meus pais me disserem, claro!

'Para o professor de sociologia Fábio Medeiros, a ignorância é a raiz do preconceito: “O ser humano não nasce preconceituoso. Ele desenvolve isso no hábito cultural. O conhecimento dá a possibilidade de superação desse preconceito e dessa discriminação' (De notícia no G1).

Por quê? Se o ser humano não nasce preconceituoso e a ignorância é a raiz do preconceito, isso quer dizer que o ser humano não nasce ignorante, mas se torna assim ao longo do início da vida? A cultura em que é inserido nos primeiros anos de vida vai o tornando mais ignorante, destruindo um ser igualitário que nasceu pronto para orgulhar os movimentos sociais e as ONGs que lutam por minorias? E, se o conhecimento dá a possibilidade de superação do preconceito, então esse conhecimento não conta como cultura?

Talvez o professor tenha sido mal citado. Com certeza não descarto a possibilidade, mas, infelizmente, talvez não tenha sido. De qualquer forma, a opinião dele, ou do jornalista que, por cacoete, transformou o que ouviu, representa uma opinião extremamente bem representada entre ativistas, interessados ou profissionais de movimentos contra preconceitos, uma opinião que eu acho bem difícil de engolir.

O problema dessa tese é reforçar o lado errado da ignorância, digamos. É claro que muito preconceito nasce daquilo que não se sabe sobre outra pessoa ou grupo. No entanto, isso não quer dizer, como geralmente se conclui automaticamente, que o preconceito é sem sentido e inútil. O preconceito é o produto de um esquema absolutamente útil, até fundamental para a nossa boa vida cotidiana. O esquema é: a pouca informação que tenho, relativa, sobre o mundo precisa me servir de base para sobreviver a cada novidade que a vida joga na minha frente. 

Eu não posso conhecer todas as pessoas, todos os materiais, todos os fenômenos da natureza, então aqueles que encontro me servem de base para os outros que venham pela frente, até que eu tenha fortes motivos para diferenciá-los. Rapidamente, graças aos deuses, nossa mente começa a agrupar os fenômenos, processos e seres. Ora bolas, se centenas de milhares de anos de adaptação nos serviram para alguma coisa, tanto esse processo quanto seu sucedâneo (fazer isso em relação a grupos de seres, humanos ou não) foram tão úteis quanto fixados, ao que tudo indica. 

Para dar um exemplo simplório, se alguém associa pobreza e roubo e onde o sujeito vive a maioria da população negra é mais pobre, uma associação que ligue cor de pele e roubos é algo que facilmente surgirá de forma espontânea. A valorização do que se tem, claro, alimenta a associação, mas quantos seres humanos não valorizam aquilo que possuem?

Caso a associação seja feita, será necessária uma experiência marcante ou uma ação cultural que lhe demonstre a falibilidade desse raciocínio (a menos que o coitado tenha tendências a elocubrações lógicas, isso sim um traço raro), mas o sujeito está associando ideias como nos é natural para evitar riscos ao seu bem-estar. A "inocência" do sujeito está agindo aqui justamente para construir um preconceito. Não é da nossa natureza supor que estamos errados sobre o que nos parece fundado em experiência, especialmente porque não paramos para pensar a fim de criar um preconceito, ele nasce de um tipo de raciocínio como que instintivo. 

Discriminar nos é fundamental. Discriminamos amigos de inimigos, familiares de estranhos, homens de mulheres, crianças de adultos... Isso é dizer apenas que cada um desses grupos têm características diferentes naquilo que nos interessa de cada um deles. O problema é que a nossa discriminação pode estar errada e, mais do que isso, pode se manifestar de forma violenta no mundo, violência esta que passamos (pelo menos parte da sociedade) a discriminar como errada e nociva.

Claro que a tendência de um preconceito desses se desenvolver torna-se particularmente visível quando a comunidade em que vivemos compartilha e reforça esses preconceitos. A enorme importância que os grupos de parceiros representam no nosso desenvolvimento torna-nos até seres predispostos a nos apropriarmos de novos que nos sejam úteis socialmente. Discriminamos para passar bem, nesses casos. Como o status é importantíssimo para nós, em particular na proporção inversa à nossa maturação, todo pária do grupo e todo grupo oposto ao nosso serão desmerecidos em diversos sentidos, e participar disso, manifestando às vezes até ódio e afronta física ao outro grupo, são barcos em que a maioria entra com a maior boa vontade e na mais estúpida ingenuidade, muitas vezes.

Talvez o professor de sociologia considere que isso justifica a afirmação de que o preconceito é social, no entanto o fato de essa valorização social ser da nossa natureza me parece indicar o contrário: é um impulso em cada indivíduo (de sobrevivência física e social) que motiva cada um a ser preconceituoso, de alguma forma. Trata-se de um processo espontâneo individualmente: criamos preconceitos por um cacoete de sobrevivência, seja para sobreviver ao mundo ou diretamente no grupo de que tentamos fazer parte. Tanto que algumas pessoas resistem a isso e outras ainda conseguem se questionar e voltar atrás, enquanto outras seguem seu desenvolvimento tranquilíssimas com seus preconceitos. Por que a "sociedade" capturou uns e não outros? Por que ela variou o esforço ou por que cada membro do grupo é um indivíduo, com suas ideias, tendências e valores?

Colocar a culpa na cultura, como "sociedade", uma força estranhamente exterior, parece criar uma barreira entre sujeitos inocentes que nascem para o bem e uma herança social malévola que nasceu de pessoas que não puderam ler os mesmos livros que nós, ou que "não sabiam o que sabemos hoje". O que, diga-se de passagem, me parece uma postura preconceituosa.

Não basta que a postura anti-sociedade e a postura mais hobbesiana que estou pondo concordem que o preconceito é ruim e precisa ser combatido, porque são combates postos de forma diferente, implicando táticas diferentes e só tendo esperança de dar certo aquela que estiver correta. Se eu acho que os sujeitos no fundo são puros e dispostos a conhecer cada ser humano como um único e especial floquinho de neve, sujos por uma sociedade que lhes ensinou a discriminar, tanto a minha política de combate ao preconceito não será eficiente quanto eu serei confrontado por afirmações honestíssimas de preconceitos daquelas pessoas mesmas que achava vir salvar, e a insistência delas me parecerá apenas o impressionante poder da "sociedade" para fazer lavagem cerebral. Eu vou investir de novo, mas o ataque seguirá sem efeito, por eu estar supondo que o preconceito que ataco não tenha raízes na mente mesmo daquele que o expressa, ser este capaz de, aprendendo a não falar mal de homossexuais, repetir o processo de discriminação contra mulheres ou quem mais lhe for útil, daí a alguns dias.

Não entendo como se pode trabalhar com seres humanos e supor que o mal de nossas personalidades venham sempre da sociedade. Se nascemos para viver, e a vida é toda a violência que bem se pode ver, como supor que nascemos puros? Ou, se puros, como passamos do paleolítico?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Enem em perspectiva

Maldoso, porém sincero: quantos alunos examinados pelo Enem escrevem Enem com "M" no fim?
6221697 brasileiros se inscreveram para o Enem. Suponho que poucos faltem mesmo à prova, então vamos ficar com o número total. O Brasil tem mais de 193 milhões de habitantes. Eu sou um dos 193 que não vai fazer a tal prova. Então por que o governo fica repetindo a toda hora para nós que a greve dos Correios não vai afetar os candidatos do Enem como isso fosse grande coisa? Aliás, todas as outras incomodações que a greve dos Correios provoca também afetam esses candidatos! Será que acham que não sabemos disso?

O diploma está nos detalhes

"O mundo quer saber se tu sabe" - assim uma colega criticava posturas educacionais que, ao enfatizarem demais a atividade espontânea dos alunos e a necessidade de se falar do que lhes interessa, perdem contato com conhecimentos básicos necessários e que são passados apenas pela escola. A frase enfatizava um problema que estávamos enfrentando na escola e que não parecia estar sendo encarado por toda a equipe. No fim, existe um corpo de informações que são consideradas básicas pelos outros, e acabamos dependendo muitas vezes de saber o que querem de nós, não o que consideramos importante ou relevante.

Concordo com isso, mas tal afirmação ganhou um colorido curioso quando, duas horas depois de tê-la ouvido, fui requisitado no enciclopedismo mais básico: estava assistindo a uma palestra e a pessoa apresentando suas atividades esqueceu exatamente em que data tinha acontecido determinada coisa em sua escola. Um parceiro, na plateia, lembrou vagamente que havia sido no centenário de morte do Machado. Tendo sido minha colega por alguns meses, a palestrante sabia que eu havia cursado Letras, portanto olhou imediatamente para mim. Eu, para a paz mundial e a manutenção de meu status mínimo, dei a resposta (2008). 

Do ponto de vista da Letras, saber essa data é prática ou completamente irrelevante, em relação a tudo que se pode saber, estudar e que não pode ser retirado de uma simples consulta a uma enciclopédia ou ao Google. Do ponto de vista do senso comum, que horror se me falhasse a memória! A crítica da minha colega, nem que seja pela proximidade dos fatos, ganhou fortuita e estranha comprovação.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O foucaultiano do meio de campo

Existe um meio de campo entre o modernismo e o pós-modernismo. Ele é formado por pessoas das Humanas ou, se de outras áreas, que trabalhem com o ensino de crianças e adolescentes. Nunca conheci nem vi representantes que não fizessem parte de um desses grupos, mas me corrijam se estiver errado. 

Esses indivíduos não são "modernos" porque não aceitam as grandes narrativas, tudo que já foi tachado de eurocêntrico e grande parte do pensamento ultrametódico a respeito do ser humano; gostam daquela visada geral que tenta agregar problemas supercomplexos em pequenas contradições filosóficas. Foucault é uma leitura obrigatória, mas podem agregar a ele (ou lhe contrabalançar) autores diversos, como Deleuze, Valéry, Barthes, Heidegger, Freud, Guy Debord e, mesmo que não aceitem ou não tenham lido Derrida (como disse, não chegam ao pós-modernismo propriamente, aproveitando pouca coisa do Barthes velho além de masturbação mental ou estética), não resistem a um certo relativismo. A diferença dessa zona pré-pós-moderna é que seu relativismo não chega a igualar tudo sob o mesmo valor. Por influência do senso comum gerado pela obra de Foucault, pensa-se que toda a realidade é construída pelo discurso, mas não se afirma que qualquer cultura seja igualmente aceitável, por mais que se busque entender sempre o olhar daquele eternamente denominado pelo famigerado termo "Outro". Essa negação de que tudo tenha o mesmo valor, no entanto, tende a ser mais teórica que prática.

A maioria desses limites estranhos entre respeito a toda cultura e valorização desigual, entendimento do mundo como discurso e pânico a respeito do sofrimento que as diferentes situações sociais ou culturais provocam (que não podem ser resolvidas pelo simples discurso, indicando que há um mundo lá fora) gera uma grande contradição na fala e na vida dessas pessoas. A familiaridade com o pós-modernismo torna essas contradições ossos do ofício, problemas aceitáveis para alguém que busca encontrar uma teoria-prática que não está pronta, que não pode nunca estar pronta antes da prática, que existe apenas no fazer (nota-se, acertadamente, um Paulo Freire passando por aqui). Ou seja, a contradição não provoca uma reação racional que busque resolvê-la, ela gera prazer.

Talvez esse gozo pela contradição explique um comportamento que tenho presenciado demais entre pessoas desse campo. Por um lado, há a fuga ostensiva e paranoica de todo tipo de critério comum. Quer-se um tratamento tão focado nas diferenças e qualidades de cada um que o termo individualismo talvez seja fraco demais para caracterizar. O que se quer mesmo é que cada um viva sua vida de acordo com todas as suas idiossincrasias, livres para a expressão máxima de si, o que só pode levar a uma utopia, pelo que creem. Por outro lado, uma incapacidade de entender que adultos podem discordar, ter vontades diferentes, não estar interessados, portanto, em seguir cegamente as visões desse grupo de intelectuais. Por isso mesmo, a busca da "felicidade de todos" pode gerar uma resposta autoritária dos mesmos intelectuais, que assumem que toda discórdia a eles é ignorância (mesmo se for verdade, jamais diga que não leste Foucault ou pisarão por cima de qualquer raciocínio teu sem te ouvirem). Estranham ainda que, se impõem sua visão, por caminhos autoritários, geram revolta ou obediência inquieta e desanimada, fraca, ressentida. Ou seja, o "outro" deve ser um sujeito pleno como só uma ficção filosófica pode ser, enquanto aquele que está bem na nossa frente precisa colaborar, concordar ou ser forçado a agir como essa teoria de meio de campo dita. 

Não acho particularmente que a democracia seja a melhor forma de organizar absolutamente todo grupo de trabalho. Pode gerar alguns problemas bem complicados, por exemplo, numa mesa de cirurgia. No entanto, o que estranho nessa postura pró-discurso, libertária, pseudorrelativista e autoritária (!) é que nem é capaz de reconhecer a vontade democrática quando ela cai de maduro na frente de todo o mundo. Na prática com esse pessoal, nem mesmo a colaboração pode nascer da autonomia. A colaboração só ocorre sob o signo unitário da concórdia absoluta. Como nunca se atinge isso, qualquer resultado que surja gera também o nítido mal-estar desse intelectual sincretista. Ou ele sofre com a ação conjunta ou todos os outros sofrem para que ele vença. Não há troca entre indivíduos com vontade própria se se está discordando do senso comum na volta de Foucault.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Steve Jobs - Discurso Stanford completo

Muito além de Rafinha Bastos

Vejam que candidato a censura póstuma, se fosse autor brasileiro:

« Il est permis de violer l’histoire, à condition de lui faire de beaux enfants »

Alexandre Dumas

PS: não se iludam com traduções politicamente-corretas, violar aqui é estuprar mesmo, como indicam as "crianças" da metáfora. Dumas era acusado por seus detratores de estuprar a História, e esta foi a resposta que Dumas arranjou para devolver a escolha de palavras com a consciência limpa de um autor ultrapopular.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os imorais

Eu adoro como se escreve livros infanto-juvenis e programas educativos alertando sobre riscos de drogas, violências e comportamentos de risco, tudo sempre indicando "para os jovens" tragédias que podem se desenvolver do seu cotidiano, para as quais talvez não estejam preparados... escreve-se sobre tudo isso, mas "não com a intenção de dar lição de moral".

Como assim? Não educam, então? Se estão falando sobre certo e errado (e estão!), indicando o certo, o fato de ser indireto, discreto, não torna menos lição de moral. Mais do que isso, o jovem que ouve a história espera, enxerga e acusa a lição de moral, a menos que concorde (e não esteja afim de incomodar), porque aí seria bem redundante e idiota: "Eu concordo com a lição de moral, mas é uma lição de moral..." - E daí?!

Por que esse medo em educar sobre certo e errado, hein? Eu entendo que aborto e homossexualismo possam ser assuntos complicados para esses termos, mas não dirigir bêbado e não provar drogas pesadas altamente viciantes não o são! Preconceito é um assunto sutil, mas evitar a violência, de qualquer tipo, contra qualquer pessoa, não é nada sutil nem precisa ser. É moral tão flagrante quanto simples e direta: "não violente outra pessoa"!

Se o papinho sobre não dar lição de moral é para evitar a detecção dos jovens, que não querem ser educados, é uma tática muito inocente, que subestima o público-alvo. Se é medo da moral mesma, então menos! Tudo bem dizer para adolescentes não se matarem. Todo o mundo concorda que é um fim construtivo. Não precisa ter vergonha de falar no que "é certo". Calma...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Capitalismo nosso de cada dia

Que feio, Pelé... tu assim, competindo?!


Na ânsia de ditar a única ordem possível e fundá-la na natureza humana, defensores cotidianos do capitalismo (e alguns teóricos) buscaram a todo custo identificar (literalmente) esse sistema e a competitividade, a meritocracia, o esforço individual e a relação entre egocêntricos que se aliam pelo próprio bem e terminam por gerar o bem de ambas as partes.

Perdidos em palavras de ordem, uma série de iconoclastas da boca para fora, revoltados sempre com a palavra "capitalismo", acreditaram na associação íntima, essencial e absoluta entre essas forças e esse sistema econômico. Sempre que lhes é útil, ou sempre que se cai em alguma situação previamente cunhada, qualquer competitividade ou esforço individual pode ser tachado de "capitalista" e desmerecido automaticamente por isso. Nem mesmo o esporte poderia resistir a isso, creio, apesar de que essas pessoas precisariam de alguém que lhes apontasse para o fato de que um nadador se esforça individualmente contra todos os outros a fim de vencer um prêmio em dinheiro. Isso pode muito bem não resumir o esporte, mas seria suficiente para evocar o clássico "Nossa, que coisa horrível isso, né?" que aparece frente às práticas "capitalistas" do ser humano.

Como dito, porém, essa associação pejorativa com a palavra tabu tende a ser feita quando a competitividade se encontra onde não a querem. Cai-se no mesmo problema que em qualquer situação de preconceito com objeto: como circundar um tabu para que se possa lidar honestamente com o problema?

domingo, 2 de outubro de 2011

Cozinha para sobreviventes

Cozinhar pode ser uma arte, mas isso também significa que pode ser rebaixada a artesanato, no sentido mais antigo e chão da palavra. Aquela prática de poucas variáveis com fins abertamente utilitários (ou seja, o artesanato que não se quer arte, como agora se usa muito a palavra).

A cozinha como arte grosseira tem apenas 3 princípios. 

  1. Não deixa colar no fundo
  2. Põe mais água
  3. Põe mais sal

Todas as ações não indicadas nesses três princípios são ditadas pelo senso comum, pelo reflexo ou pela capacidade de raciocínio do sujeito que enfrenta o dilema de cozinhar o próprio alimento. O alcance desses três princípios quase me decepciona. O quanto eles podem ajudar em situações de acidente ou erro tira um pouco a mágica que a ignorância me garantia.

Imagino que quem mais sobreviva com base apenas nesses princípios seja um homem, já que a técnica de cozinhar é tradicionalmente passada apenas para as mulheres nas famílias humanas. Nós, brasileiros, fazemos parte deste povo herege em que a técnica não é propriamente secreta, restrita a elas, mas, mesmo assim, são elas que quase infalivelmente recebem algum treinamento.

Deixo a dica então para os outros homens que venham a se aventurar nesse terreno: ajuda ter acumulado algum conhecimento prévio. Saber preparar ovo (cozido e frito), batata frita, arroz, bife e massa - veja bem, estou considerando noções básicas e genéricas dessas preparações - pode ajudar muito a calibrar as três regras fundamentais. Por outro lado, tenho certeza de que alguém que não saiba fazer nenhum destes e não possa pedir comida para ninguém (por dinheiro, sexo ou amizade) comerá a própria gororoba sem grandes problemas. Se não servir para o paladar, servirá ao menos para restringir-se na alimentação e estar morrendo de fome quando alguma mulher e/ou profissional lhe oferecer qualquer tipo de alimento. A gana com que então te atracarás na comida alheia tenderá a valer como elogio, o que sempre poderá te gerar bons frutos.

Saúde e boa sorte.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Arbitrariedade e erro

Eu me impressionei ao esbarrar num site de gramática descritiva (perigoso procurar uma estatística da língua) em que o sujeito falava sobre os motivos da acentuação. Ao ver que estava num site "descritivo", imaginei pelo menos que poderia ter alguma informação interessante que desconhecesse. Ledo engano, o site era mais duro e ilógico do que as listas de regras tradicionalmente associadas à normativa. Mas o pior era que o sujeito sabia menos sobre o funcionamento da pontuação do que eu, que estou longe de me pensar apto a fazer um site de assunto tão amplo (Gramática Descritiva), de gigantesca bibliografia.

O problema é que o autor do site, pelo visto, entendeu ser "descritivo" no sentido puramente ideológico, ou seja, não só não ser um "gramático normativo", ser anti-normativo. Então ele se satisfez em dizer que não havia sentido para as regras, que ninguém mais comprava o chalalá que as embasara na tradição e que a coisa toda era arbitrária.

Usou a palavra, para dizer, é claro, "como um sujeito quis". Bom, é verdade que o acento não é da natureza de nenhuma língua, é uma regra criada para a escrita de algumas, como a nossa. Nesse sentido, é mesmo uma escolha arbitrária de quem cunhou o sistema. Também é algo que existe numa relação entre os elementos da língua, ou seja, algumas palavras são acentuadas, em parte, porque outras, semelhantes a elas, não são. Por exemplo, como as oxítonas terminadas em "a" são acentuadas, a paroxítonas que terminam em "a" não são (a menos que caiam em alguma das regras de exceção, como a de terminadas em ditongos). 

Agora, já nessa exposição, pode-se ver que arbitrário aqui não quer dizer "de qualquer jeito", como a expressão "como um sujeito quis" dá a entender. Agora, o fulaninho cria um site, lotado de informações sobre todos os aspectos da gramática, quer-se descritivo, e não é capaz de diferenciar os sentidos em que a escrita é arbitrária ou não? Confunde "como foi determinado" com "desmando autoritário sem sentido"? Não sabe que a possibilidade de que as sinaleiras tivessem a cor laranja para "siga" e lilás para "pare" não indica que a arbitrariedade do nosso sistema queira dizer "tradição burra"?

Para esculhambar de vez com o sistema de regras, o coitado ainda afirma que os falantes de uma língua, formados como leitores, conseguem determinar por contexto onde está a tônica, mesmo no caso de acentos diferenciais. Em primeiro lugar, isso nem sempre é verdade. Até mesmo alguns acentos facultativos ganharam essa liberdade porque a princípio tais palavras não deveriam ser acentuadas, mas a mídia e as editoras às vezes usavam acentos nelas por sentirem falta de matar alguma ambiguidade (caso clássico, forma e fôrma). Com nossa tendência de não checar gramática e mentir para nós mesmos, passavam às vezes a acreditar que o acento diferencial já existia ali, o que tornava a escrita da palavra suficientemente uniformizava entre a gente que os gramáticos escutam. Enfim, estes acataram o uso - isso está acontecendo atualmente, por exemplo, com a colocação de pronomes átonos, no que gramáticos arriaram muito nos últimos poucos anos.

Além disso, a capacidade dos leitores de supor um acento diferencial não quer dizer que isso ocorra na primeira leitura, de modo que o leitor pode muito bem passar batido por uma palavra e ter de voltar quando nota que supôs errado o que estava lendo, algo que as regras gramaticais buscam justamente evitar. Aliás, a recente retirada do acento diferencial de "pára" provocou isso, indicando que a lógica deveria vencer de motivos políticos quando o assunto é gramática. Apesar desse caso, o tronco das regras de acento ainda é lógico, não político.

Por fim, a capacidade das pessoas de entender o que estão lendo sem marcas "arbitrárias" varia por dialeto. Se livre dessas retrições que "não fazem sentido, não têm justificativa a não ser uma tradição caduca", nossa escrita perde não só acentos, mas pontuações, letras finais de palavras (não apenas "s" de plural, mas "r" de infinitivo, "u" de pretérito perfeito, particularmente no caso de verbos de primeira conjugação) e tudo o mais que é "não faz sentido" para cada fulaninho que está escrevendo seu texto no seu canto. 

Nenhum escritor percebe o país inteiro e que características fazem sentido em cada praia ou sertão. O que torna a escrita uniforme num território maior do que poucos quilômetros quadrados é exatamente a imposição de um código arbitrário (eu, pelo menos, vejo apenas motivos contrários para se crer na teoria de que a norma culta seja capaz de criar uniformidade suficiente para um país inteiro). Mas "imposição de código arbitrário" não é o mesmo que dizer "como deu na telha de um gramático nazista". É verdade que existem regras burras e certas questões mais políticas que lógicas na gramática, mas as regras básicas de acentuação não estão entre essas. É ignorância comprar o pacote do descarte ideológico de qualquer coisa antes de tentar entendê-la. Não só isso, é preciso lembrar que "arbitrário" ainda guarda sua relação com "arbitrar" e "árbitro". Será que traduzindo para "juiz", pelo futebol, cai a ficha nessa gente?

domingo, 25 de setembro de 2011

Novo verbete

"Science (...) allows us to understand the world in spite of ourselves."

Neil DeGrasse Tyson

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Lula e o free jazz retórico

Lula afirmou, para os estudantes que tanto têm vaiado Haddad, que eles só podem exigir 10% do PIB para a educação agora porque o governo (ele) garantiu os 7%. É óbvio que até a insatisfação estudantil com a Educação do governo do PT se deve às benesses "dadas" por Lula à população brasileira. Retórica lulística básica, nada de novo até aí. Estranhamente, a "promessa" de Haddad é justamente os 7%, para 2014. Acho que não entendi. O ex-presidente garantiu uma quantia que continua sendo "proposta" inovadora, progressista, socialmente revolucionária e de improvável realização (conforme o próprio Haddad)?

Bom, o mais legal mesmo é que Lula continuou essa ideia de que se pede 10 agora porque ele garantiu 7 dizendo que se tivessem pedido 10 na época dele, teriam sido atendidos. Aí a loucurada me pegou. O governo agora luta para garantir 7, não pode atingir 10, mas se estudantes tivessem pedido antes isso teria sido atingido? Mais ainda, o argumento dele é não ter sido avisado de que a Educação precisava de mais dinheiro?

É claro que, há algum tempo, Lula pode falar o que quer, e sabe disso. Ninguém exige grande coerência dele há muito tempo e seu maior mérito como orador sempre foi conseguir dizer o que melhor agradava seu público imediato sem se preocupar com o fraco efeito contrário que a publicação de suas palavras aos cidadãos ausentes poderia causar. No calor do momento, ganha os aplausos necessários. Quem leu e não gostou do que ele disse vai gostar quando ele estiver ao vivo falando outra coisa, adequada a esse público. E o resto, que não gosta nunca, perde para a maioria que curte ou sua retórica ou sua prática política (ou, simplesmente, não gosta da alternativa "oposicionista").

Ainda assim, a capacidade de dizer não-argumentos como argumentos é algo que me impressiona sempre na raça política. "Não pediram antes" como argumento para não ter investido uma quantia em Educação é uma afirmação de quem sabe que tem uma liberdade retórica digna de celebridade mundial. Tais poderes parecem sempre infinitos até serem contestados com eficácia. Essa eficácia não se encontra por aí.

O velho senso comum, mais comum que sensato

O desembargador Roney Oliveira, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, determinou que a greve dos professores estaduais deve ser suspensa. Ponha-se o máximo de peso nesse "deve", pois cada dia sem aulas deverá ser pago pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais. O valor é R$ 20 mil pelo primeiro dia e R$ 10 mil por cada dia a mais. 

Já foi pedido mandado de segurança contra a determinação.

A meu ver, poucos atos poderiam ser ao mesmo tempo mais imorais e mais apoiados em opinião pública, mesmo que haja brechas nesse apoio. Na hora de reclamar, todo o mundo concorda que "os políticos são péssimos"; a função administrativa do governo é juntamente jogada na vala comum. No entanto, quando alguém causa algum dano à sociedade, como quaisquer grevistas, não me parece que se pare para pensar que a greve é um fenômeno que escancara assustadora mal-administração. 

O fato de que servidores públicos entram em greve sempre provoca que algumas pessoas acusem sem-vergonhice, preguiça ou ganância "dessa gente", mesmo que, quando estão na ativa, sejam geralmente caracterizados como abnegados, explorados ou coisas do tipo. Na prática, as acusações de "greve para ficar em casa" têm dois grandes problemas: não se paralisa nem metade de um grupo de servidores com facilidade. A resistência a greve é fortíssima antes e durante as paralisações; as pessoas em geral não acham que vale a pena essa luta de braço desigual com governos a menos que os ganhos da greve sejam muito grandes, e eles praticamente nunca são. Além disso, o pessoal realmente preguiçoso ou desinteressado tem muito maior terreno para manobra quando os serviços estão andando. A greve chama a atenção e pode ocasionar perdas eventuais a todos, mas, enquanto a máquina está andando, mesmo que mal, há uma série de ferramentas que podem ser distorcidas a favor do preguiçoso ou cínico das mais diferentes formas. A maioria dos trabalhadores carrega uma minoria hipócrita ou desrespeitosa que lucra e descansa mais quando há trabalho para ser feito do que quando há greve.

Por outro lado, se a iniciativa privada surge como opção atraente para todos que querem falar mal dos trabalhadores em greve, não se pensa numa coisinha: nunca mais conseguiria emprego na vida um administrador que conseguisse provocar uma greve numa empresa privada dedicada a serviço ideologicamente autosuficiente. É preciso um descomprometimento assustador para se exercitar a incompetência necessária para travar um grupo de trabalhadores que insiste em avançar aos trancos e barrancos apesar de seus problemas e de uma ideologia auto-justificadora, que virtualmente justificaria greves até que tivessem salários de deputados.

Mesmo que todo dia seja dia para se falar mal de políticos, as greves imediatamente fazem com que muita gente olhe para o lado e xinge o esgotamento do sistema em vez de acusar quem o esgotou. Escrevo isto em tempos de "faxina" no governo e críticas a ela na oposição apenas para indicar mais um dos indícios de que a popularização de se acusar governantes corruptos não é o mesmo que interesse ou consciência política. Pelo menos nisso ainda há verdade na afirmação de Joseph-Marie Maistre (1753-1821) "cada povo tem o governo que merece". Nós ainda temos incomodação política não por compreensão dos fatos, mas por cunhagem.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Beleza interior no dos outros

Fui num casamento em que experimentei algo quase único: a noiva parecia com ela própria. Apesar de superarrumada e maqueada, ela estava reconhecível para qualquer pessoa que já a tivesse visto pelo menos uma vez na vida. Acho extremamente irônico que mulheres confundam, no caso de formaturas e casamentos, maquiar-se com disfarçar-se. Não é, no fundo, um auto-insulto tentar se embelezar e acabar parecendo outra pessoa? 

A noiva foi um alívio agradável, mas outras convidadas, pelo menos as que eu conhecia, compensaram: não reconheci nenhuma de vista, e dependi sempre de referências ou de traços de personalidade se manifestando para identificar cada uma. Todas as propagandas de Dove e todo o discurso anti-homens que busca valorizar cada mulher como ela é e culpar a macharada pela "ditadura estética" ainda nem arranhou a competição feminina que escala a importância da maquiagem na vida e do photoshop nas revistas para convencer todo o mundo que qualquer mulher admiravelmente bonita o é porque não é de verdade. Quando é para se emperequetar, tão poucas suportam o próprio rosto...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A política de acordo com a não-tábula rasa

"A nonblank slate means that a tradeoff between freedom and material equality is inherent to all political systems. The major political philosophies can be defined by how they deal with the tradeoff. The Social Darwinist right places no value on equality; the totalitarian left places no value on freedom. The Rawlsian left sacrifices some freedom for equality; the libertarian right sacrifices some equality for freedom. While reasonable people may disagree about the best tradeoff, it is unreasonable to pretend there is no tradeoff. And that in turn means that any discovery of innate differences among individuals is not forbidden knowledge to be supressed but information that might help us decide on these tradeoffs in an intelligent and humane manner."

Steven Pinker - The Blank Slate

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rio Grande do Sul e a imposição de uma pátria brasileira

Meu desgosto com símbolos pátrios, como o hino, em geral pode ser mantido de forma muito discreta, já que raras vezes esperam de mim qualquer manifestação nessa área. Para minha sorte, no ano passado, minha escola passou meio batida pelas datas comemorativas de setembro, com exceção, é claro, do que diz respeito à Revolução Farroupilha, antípoda amiga das celebrações da nação. 

Este ano, no entanto, não me permitiram a mesma sorte. E uma das piores partes de se ser professor, como acho que já mencionei, é termos de limitar o quanto de nosso desrespeito a determinadas tradições se manifesta no ambiente escolar. É importante, no mínimo, deixar que os alunos escolham ser fiéis aos símbolos civis compartilhados, se acharem sentido nisso. 

Estamos "hasteando a bandeira" (não há corda), ouvindo/cantando o hino e perdendo tempo de aula com o desconforto geral dos alunos de não quererem ficar quietos e expostos no pátio, indecisos entre cantar, fazer cara de nojo e conversar, podendo ter a atenção chamada por pessoas de tão alta hierarquia quanto a diretora. Lembrando de meu tempo de escola, não poderia compreendê-los melhor...

As celebrações do Brasil me parecem ainda piores pelo contraste com as comemorações farrapas, exatamente no mesmo mês e começando sempre quando as arrumações para a festa nacional também são iniciadas. A diferença, é claro, é que as comemorações farroupilhas duram semanas a mais, enquanto o Brasil é semicomemorado por uma semana apenas, e olhe lá.

Essa comparação me parece deixar a festa pátria ainda mais irritante exatamente por ficar mais patente como as pessoas se forçam, desconfortavelmente, a tentar respeitar ou elogiar o Brasil, pelo menos aqueles que dão bola para essas coisas. Ou seja, até quem acha que deve, não sabe bem como. A festa é tão esquizofrênica com a vida real que não há qualquer proximidade ou naturalidade que sirva de manifestação para um suposto respeito pátrio. Em contraposição, nosso bairrismo é tão natural que pode ser idolatrado, respeitado, debochado ou ignorado, e tudo isso funciona muito bem junto. A própria possibilidade de fazer humor de um "orgulho gaúcho" indica, a meu ver, o quanto a valorização regional é algo que faz sentido, que tem qualquer proximidade com nosso cotidiano, que nos permite fazer parte por livre e espontânea vontade. A solenidade é sincera, ou pode ser ignorada, um sorriso de canto pode ser uma resposta tão adequada às festas farroupilhas quanto os extremos de se cantar o hino de Grêmio ou Inter no lugar do Hino Rio-Grandense.

O país não nos pertence, não na nossa experiência cotidiana. E as justificativas de tradição que eram usadas para impor símbolos pátrios caíram há gerações. A imposição de uma nação seria totalmente sem sentido se a administração do governo não nos forçasse a limites bem claros, particularmente no que diz respeito a segurança e comércio. Já no caso do Rio Grande do Sul, a identidade é uma expressão pessoal, e integrar-se nela não se confunde com viver em território rio-grandense, responder ao Tarso ou escrever nesta ou naquela língua. De forma alguma estou dizendo que o gauchismo não foi inventado. Mas uma tradição que preste, ao ser inventada, é confundida com a vida real de forma que nela se entranhe, tornando-se parte orgânica, sendo alimentada, portanto, na própria vida cultural de uma sociedade. A única função da unidade nacional é engordar políticos de Brasília e todos os estados poderem se vangloriar pelas mesmas Copas.

Até mesmo a letra dos hinos recebem respostas diferentes, e o deboche de trechos do gaúcho fazem parte da brincadeira. O deboche da letra do nacional é um desrespeito, uma afronta ou uma desvalorização. Definitivamente, a possibilidade de humor interno nos indica a relevância de um símbolo. Quando o cômico é uma negação do símbolo, é porque ele, no fundo, não é nosso.