sexta-feira, 31 de julho de 2009

Omnibus Operisticus

Há um tempo ensaio a formulação de uma lei de Murphy. Ela ainda apresenta sérios problemas, como por exemplo a falta da expressão exata. Sua essência é "todo livro aberto chama conversadores estridentes". O primeiro problema de expressão é, logicamente, a falta de uma formatação engraçada. O segundo é sua exatidão. Não é qualquer conversa: em geral ela se manifesta simplesmente pela materialização tão repentina quanto inoportuna de duas pessoas animadíssimas em falar sobre nada. Elas infalivelmente se posicionam taticamente, de modo que, para evitar suas vozes alteradas e estridentes, faz-se necessário um deslocamento de pelo menos 20m, o que em geral envolve abdicar de todos os elementos contextuais necessários para a leitura. Terceiro problema de minha quase-lei (não confundir com medida provisória) é sua discutível capacidade de impor-se como universal. A faculdade de ler não é propriamente comum por essas bandas. Sem ela, fica faltando aquela identificação imediata do ouvinte que toda lei de Murphy provoca.

Com base nas formulações iniciais, no entanto, e por costumar (e precisar) ler em ônibus, instaurei certas práticas em meu cotidiano. Como vivo num bairro de pessoas mal-encaradas e, logicamente, muito sensíveis a olhares, trato a roleta como uma parede. Em momento nenhum me apresso, ao entrar no ônibus, em checar o que está para lá do cobrador. Quando já esperei os amarrados de plantão se organizarem, o cobrador ativar a máquina do cartão, o cartão ser lido, minha mochila ser posicionada para circunavegar a roleta, é então que faço um rápido e profissional scan de todos os rostos e corpos em relação aos quais me posionarei. Apenas um dos critérios desse scan é a probabilidade de conversas de cada agrupamento humano, mas é um critério importante.

Infelizmente, não se trata de ciência exata. Mesmo quando acerto no cálculo, existe sempre a probabilidade de ocorrer como hoje. Ainda que tenha me posicionado bem, uma passageira distante espalhava de forma surpreendente sua voz por todo o ônibus. O insulto fundamental à minha leitura veio quando ela disse, aumentando a voz ainda mais, no telefone: "Ah, eu tô falando alto porque eu tô no ônibus e tá muito barulhento". Mentira. Mentira! Ela estava falando mais baixo! Por algum motivo obscuro, ela falava mais baixo no telefone do que com a pessoa que estava sentada diretamente ao seu lado! E, mesmo assim, a pobre alma do outro lado da ligação reclamava do volume, para se ter uma ideia de que estragos ela impunha aos tímpanos presentes segundos antes, quando papeava com sua (só posso supor) agora surda companhia. Alegre com a desculpa recém formulada, tendo o poder visceral de seu diafragma justificado pelo raciocínio proposto ao telefone, ela começou a falar mais e mais alto até que os decibéis atingidos tranformaram o ônibus numa caixa acústica (e os passageiros, em pequenas moscas que acidentalmente se trancaram num trombone). Enquanto, pela primeira vez, eu rezava para descobrir que estava no meio de um happening, imaginei aquela mulher na ópera. Logo em seguida, ela deu qualquer indicação no telefonema que denotava sua profissão: professora de séries iniciais. Sentido, afinal!

Qualquer dessas opções, hipotética ou real, estava boa para mim. O lugar daquela mulher não é num ônibus (ao menos não num público). E vi que, frustrada minha lei de Murphy, esbarrava em outro universal. Pois, quando cruzei a rua após descer desse ônibus, passei por duas mulheres que me chamaram a atenção. Elas tinham quase a mesma altura, estavam vestidas da mesma forma e eram quase igualmente gordas. Em seus uniformes estava escrito "Assistência Social". Perfeito! Uma profissão que envolve tanto bater pernas é um exercício maravilhoso para aquelas duas, sem contar as vantagens da gordura para suportar nosso frio. Não acho mesmo que elas precisem de exercício, mas acredito que elas achem que sim. Porém, não imagino que tenham escolhido conscientemente essa profissão tendo em vista isso, assim como a mulher do ônibus deve dar algum valor à educação, subestimando o papel do potencial de sua garganta na escolha de ser professora, mas me parece mais e mais que o que escolhe a profissão ou o estudo que seguimos é uma inclinação e uma tendência que não conhecemos, na verdade (não sendo preciso ir tão longe quanto determinismo social ou genético). Mas, como aquela garganta no ônibus, talvez as duas assistentes sociais não fossem bem aceitas em Fashion Weekends. Por outro lado, se manifesta no contexto correto, a inclinação que nos guia profissionalmente é chamada de talento.

A universalidade que encontrei (e que obviamente não é nova, mas me fez pensar se não estou no clima de reler L'albatros) justamente é a que indica que pneu na passarela é como leitura em ônibus. Essa expressão talvez seja incomum, mas a verdade fundamental é que, se fora do lugar, toda qualidade é defeito, sejam gritos operísticos no ônibus, sinaleira no Leopoldina, relativismo à Derrida num presidente, Conselhos de Ética em Brasília, tendências estético-filosóficas num bancário ou carinho por crianças no Michael Jackson.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Lula pronto para o JA Notícias

Sobre Sarney: "Não é problema meu"

Ok pessoal, quem foi que contou para Sua Excelência que Sarney só está fodendo com quem não trabalha no Planalto? Bando de linguarudos... É por isso que o país não vai pra frente!

Geografia Física e Humana no JA Notícias

As frases abaixo foram todas ditas no espaço de 1 minuto e meio.

"As temperaturas seguem baixas por agora, mas aumentam conforme o verão se aproxima."

"No frio, as pessoas costumam ficar em lugares fechados."

"Não é só com a Gripe A, né? É bom se prevenir contra qualquer doença."

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Crime & Tradição em Porto Alegre

A província tem novamente motivos para se alegrar com seu desenvolvimento. Finalmente o uso de pombos-correios para carregar tecnologia para presídios foi copiado de São Paulo e Rio de Janeiro. Como isso foi descoberto? Competência da polícia? Não: incompetência do pombo.

Aves mancomunadas e vis nunca haviam sido pegas antes. Nem havia suspeitas. Como sempre, tamanha taxa de sucesso é a receita da vaidade. O pombo que acaba de sujar o nome de sua profissão parou para roubar a comida dos cavalos da Polícia Montada. Não conseguindo lidar com o peso de sua mochila (1 bateria e 1 carregador de celular) para novo voo, caiu no telhado da própria polícia e feriu as duas asas!

Não acredito que a vaidade do pombo fosse mera autoconfiança, no entanto. Na verdade, o ato todo tem um caráter de manifesto aos meus olhos, talvez porque tenha vivido uma luta épica com uma lagartixa pela manhã, o que reforçou minha confiança na garra e na coragem gaúchas tanto de animais quanto de humanos (afinal, a lagartixa resistiu, mas EU ganhei - e falo de uma épica à Basílio da Gama, nada camoniano ou homérico).

Voltando, esse pombo tem todo o jeito, pra mim, de um vanguardista (e a face insolente do animal está registrada - Google - em várias fotos para quem quiser julgar por si). A importação de ideias do eixo Rio-Sampa é o primeiro traço característico. Não há originalidade fundamental: o vanguardista é simplesmente aquele que reconhece o novo e faz o trabalho sofrido de abrir caminho para as novas práticas em seu próprio ambiente. O deboche de parar para roubar militares é obviamente uma afronta, comida pelo chão é o que não falta em Porto Alegre. Roubar de cavalos, por sua vez, é uma nítida referência ao gauchismo burguês de CTG. A Tradição negada deve ser debochada. A frustração do plano dá o tom necessário de paródia. Seu sacrifício sela (trocadilho proposital do pombo com a Sela do cavalo e a Cela do preso) o destino vanguardista: frustrado em sua própria prática, a imitação futura e a memória heroica do ato são toda a recompensa de que o Inovador precisa.

O Estado tenta, obviamente, diminuir o heroísmo com um otimismo para o status quo. Um major entrevistado afirma que as vistorias e o controle do presídio estão indo muito bem se os detentos estão precisando buscar formas tão criativas para importar seu equipamento de trabalho (ok, essa escolha de palavras não é dele...). É engraçado apenas que, sendo o Presídio Central um paradouro muito querido dos pombos, e tendo SP e RJ já esse costume, a polícia nunca tenha pensado que ocorreria aos presos gaúchos imitar Estados que têm tradição em exportar Inteligência. Nova expressão da nossa Tradição, a polícia está prontamente cuidando do problema após a ocorrência.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Monokini: c'est fini

Não é uma ótima manchete?

Jornal parisiense, obviamente. Para quem ainda não ouviu a novidade alarmante, o costume do topless na França (!) está morrendo (porque estão vestindo a parte de cima, não porque estejam despindo a de baixo). As britânicas discutem o mesmo (britânicas faziam topless?). Dizem os especialistas: o encolhimento progressivo da roupa de praia acabou. :(

A hora de conhecer a Europa é agora, ou nunca...

Poesia numa Hora Dessas

Pensando sempre na Bienal, façamos duas apropriações (antigamente conhecidas como "plágio" - deuses sejam louvados pelos eufemismos das artes visuais...). O título da sessão (dado a este post) é de Luis Fernando Verissimo, o poema é de Cecília Meireles:

Romance XLI ou Dos Delatores

O que andou preso me disse
que dissera o Carcereiro,
que dissera o Capitão...
(Mas pareceu-lhe parvoíce,
e não delatou primeiro
porque não teve ocasião...)

E mais: porque o Carcereiro
depois passara a Meirinho...
E o Capitão, do Ouvidor
fora sempre companheiro...
E que, por esse caminho,
ia-se ao Governador...

Mas agora, que o Meirinho,
o Capitão mais o preso
são da mesma condição...
Já que não têm mais padrinho,
posso fazer com desprezo
a minha declaração.

Digo o que me disse o preso,
que de outro já o tinha ouvido,
que o ouvira de outro... Não são
máximas de grande peso:
mas tudo bem entendido,
pode envolver sedição.

Eu digo - por ter ouvido -
que os filhos do Reino, em breve,
cativos aqui serão.
Tenha ou não tenha sentido,
quem a dizê-lo se atreve
merece averiguação.

A minha denúncia é breve,
pois nem sei se houve delito,
nem se era conspiração.
Mas, se ninguém os escreve,
aqui deixo, por escrito,
os nomes que adiante vão.

Haja ou não haja delito,
esses nomes assinalo,
e escrevo esta relação.
O que outros dizem repito.
E apenas meu nome calo,
por ser o mais fiel vassalo,
acima de suspeição.

em: Romanceiro da Inconfidência

Iniciando Citações

Como pretendo discutir ou só citar mesmo trechos merecedores, no bom ou no mal sentido, começo por um quote da Lady of the Cats. Bom, ok, a frase não é dela, mas indiquemos os apuds...

"El que lee mucho y anda mucho, ve mucho y sabe mucho." - Miguel de Cervantes Saavedra em Don Quijote de La Mancha

segunda-feira, 27 de julho de 2009

2o dia de blog nasce promissor

Humildemente acordo pensando que vou deixar o blog apenas iniciado por um tempo, aberto, ali, para quando tiver algo a dizer. A primeira coisa que vejo é o Correio do Povo e duas pérolas óbvias na capa. É, espero que a saga dure...

A primeira é muito simples, base da 1a página: "Nenhum de Nós homenageia os Beatles hoje no Bourbon". Por quê? Tá todo o mundo tão ocupado assim? - por favor, digam que o pessoal não fez essa manchete de propósito. Ou seria melhor se sim?

A outra está logo acima. "Senadores podem desistir de continuar apoiando José Sarney". Jornalismo hardcore, nitidamente a noítica não é outra que a esperança, com aquele 'podem' de início e 4 das 6 palavras sendo verbos que lutam pra modular a coisa toda. Mas existem outros indícios da base esperançosa da 'notícia'. Em primeiro lugar ela se baseia numa avaliação feita pelos próprios políticos. Uhu, quem desconfiaria da palavra deles, né? Por falar em desconfiar, um dos que 'se adiantou' a defender o afastamento nessa nova fase, 'final das férias', foi Garibaldi Alves, ex-presidente do Senado. Bem, digamos que não é um título dos mais confiáveis a se colocar do lado de qualquer nome... Será que o pessoal do Correio não gosta do Garibaldi?

O nonsense geral de, depois de tudo que já foi apontado, os senadores ainda poderem desistir de continuar apoiando não é comentado, é claro. Todo mundo é parcial, o que não quer dizer que alguém vá ter cara-de-pau de expressar opinião.

Gostei particularmente do 'desistir'. É o limite das forças, mas eles foram amiguinhos até o fim (fim? acho que o otimismo da matéria está me afetando)... E a fidelidade canina deles não deixa de ser implicada no texto, pelo menos. Tá ali no segundo parágrafo da matéria: "Até o presidente Lula estaria sendo aconselhado a não defender com tanta veemência o presidente do Senado" - Sim, mais modulações mil. Essa foi bonita, né? Estou acordando particularmente orgulhoso de hipóteses e políticas: 'Até' - 'estaria' - 'aconselhado' - 'com tanta veemência'... ahhhhh. Modulações adequadas, é claro, já que ainda assim o pessoal do PT que não quer apoiar Sarney está agindo contra a decisão do Lula. Será que é porque seis petistas disputam o comando nacional do partido, como está convenientemente apontado numa matéria logo ao lado das frases finais dessa do Sarney? Hmmmmm, o Correio está muito 'subliminar'............ Mesmo tom, a matéria que não aponta o absurdo da coisa toda está cercada de mais noticietas de escândalos antigos e novos do senador.

Agora, o romantismo geral é dado no início da matéria, seu fundamento, a hipótese defendida já no título: "Cobrança de eleitores deve minar blindagem de Sarney". Quando políticos começaram a se preocupar com opinião pública? Acordo feliz no mar de rosas de tantas esperanças e idealismos trazidos em uma única matéria...

Toda saga tem um início...

Bem, depois de muito hesitar, nasce meu blog. Sim, ele hesitou muito, mas decidiu vir à luz - já que todo mundo está no twitter... blogs já são retrô.

Estou postando apenas para começar, não deixando o primeiro dia de existência de meu blog plenamente vazio. Melhor não vir com algo genial, não é, afinal iniciar de forma humilde dá muito espaço para melhoras futuras. Além do mais, queria estender os braços para outros blogs, e não teria graça fazer isso sem nenhum post. Fica apenas este, por enquanto, como torcida de vida longa.