domingo, 1 de dezembro de 2019

Peace, what is it good for?

Detroit: Become Human é um jogo de PS4 de 2018 que segue a estrutura dos antigos livros-jogos. A gente comanda três androides que fogem de sua programação e tentam viver de acordo com sua própria ética. Deles, o que inicia uma revolta contra os humanos era o que menos me interessava, até o ponto em que começamos a definir a postura geral do movimento: violência ou pacifismo.

Meu interesse no revoltoso sempre foi pelo caminho pacífico, porque eu queria muito descobrir qual era a opinião dos roteiristas a esse respeito.

Há tempos eu não consigo acreditar em mudanças sociais sem violência, por mais que eu propriamente seja muito pouco habilidoso para isso e, sempre que possível, um covarde. Eu não quero violência e o nível atual, sem guerra civil, já é mais que insuportável, a meu ver. Por outro lado, como qualquer coisa pode mudar se ninguém confronta o direito de violentar os outros, justamente a característica decisiva de qualquer elite (e rosas não ameaçam armas).

A retórica da unidade, do patriotismo,  do legalismo há muito escrachou sua natureza hipócrita de "racionalização para o status quo". A balela toda é infantil. A autoridade é sempre a máscara de uma violência que possa ser exercida assim que "se falte com o respeito".

É óbvio que existem outras formas de vínculo social facilmente confundíveis com autoridade, como o respeito, a admiração, o carinho... tudo isso pode provocar comportamentos que lembram a postura exigida por figuras de "autoridade", mas esta, se merece esse nome, é porque esconde uma violência potencial. O professor, o policial, o político, o traficante, todo o mundo só é "autoridade" se é capaz de punir aqueles que lhe desrespeitam.

Assim, o mantra da mudança pela paz flerta sempre com uma mentira sustentadora de elites: muita gente arrota pacifismo para justificar que se agrida quem ponha em cheque o poder, ou seja, que arrisque enfraquecer a autoridade (potencial de violência) da elite. Ora, quem tem poder de fogo só teme poder de fogo. Ao mesmo tempo, se alguém toma o comando via poder de fogo, nada nos garante que não o volte contra nós em seguida (como se vê nas trupes dos arrependidos em apoiar movimento ou partido tal, há séculos).

Enfim, qual a opinião dos roteiristas sobre o pacifismo? É um caminho difícil, martirizante, tênue, que só funciona depois de muitas mortes e no último segundo, com o apoio indireto de outras pessoas atipicamente éticas, construindo uma solução temporária, sem garantias. Tenho a impressão de que os roteiristas concordam comigo.