sábado, 21 de maio de 2011

Enquanto Jesus não vem

Not over yet!
Eu fiquei sabendo por acidente que os EUA sofria de uma campanha religiosa alegando que o mundo acabaria hoje. Supondo que seus crentes não entendessem inglês ou nunca procurassem informações por lá, alguns pastores brasileiros fingiram que Deus os informou diretamente, por um ou outro pastor em especial, que o mundo acabaria hoje, sem dar crédito à campanha americana, é claro.

Bom, como vocês talvez tenham notado, Jesus não veio, nem ninguém mais trouxe a forma um tanto hiperbólica de Apocalipse defendida por João e alguns outros profetas bíblicos. Como Sauron, we endured.

Menciono a campanha, e que haja uma versão brasileira, porque me parece um indicativo sociológico importante. Digo isso de forma amadora, claro, e apenas tentando ser didático. Imagino que existam muitas conclusões sociológicas profundas a serem retiradas daí, mas queria registrar uma conclusão amadora: a mania do fim do mundo com data marcada indica uma certa forma decadente de religião. Decadente ou enfraquecida, sem suficiente alimento para se tornar forte, saudável, ou seja, capaz de agir no mundo, independente de ressentimento ou niilismo.

A questão da existência, o simples fato de que existimos, continua um mistério, é claro. As religiões dão respostas que dependem de uma fé absoluta (nem toda crença precisa ser totalmente irracional, mas que Deus ou deuses quiseram que existíssemos não é o aspecto mais justificável das religiões). A ciência, por sua vez, é literal demais ao responder "de onde viemos". Todas as teorias se perdem numa recapitulação histórica quase infinita. Quase, porque eventualmente chegamos naquela questão "Ok, mas de onde essa poeira, energia ou anti-qualquer coisa veio?" "Não sabemos..."

Então, o fato de que existimos é, por si só, bizarro o suficiente para que qualquer religioso diga que é um milagre e não tenhamos muito o que opor, a não ser talvez que preferimos dizer "azar", ou "sorte" em vez de "milagre". Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum: a ignorância.

Mas não é só por isso que a vida na Terra (ou a própria Terra) pode ser encarada como um milagre. Por que a Terra? Por que a Terra formou seres conscientes? Por que os meteoros realmente destrutivos erram o nosso planeta há tantos milênios? E por que as crises nucleares, os erros de cálculo e o mero azar não evaporaram nosso planeta ainda?

Por milhões de ângulos que possamos pensar, every breath you take é um absurdo, algo que pode ser percebido como mágico, maravilhoso, misterioso... Religiões, em seus estados saudáveis (que assim chamo no sentido politicamente incorreto mesmo, implicando que certas pessoas têm crenças doentes, débeis e que deveriam ser tratadas por psicólogos ou psiquiatras), têm plena consciência desse absurdo, e retiram dele enorme alegria. Pela ação de um deus protetor em particular ou do Deus único e universal, essas religiões encaram a nossa existência e o fato de que não somos incinerados pelos erros ("pecados") humanos a cada instante como uma dádiva divina. Esse tipo de religioso é agradecido por cada novo dia na Terra, com todas as suas imperfeições e dificuldades.

No entanto, essa modalidade tem um herdeiro doente: um crente mimado e mesquinho, que não aprecia a vida, não reconhece ou não tem conhecimento e amplidão de olhar suficiente para encontrar, por meios laicos ou religiosos, o extremo acaso (ou milagre) da existência. Mesmo infinitamente ignorante do quadro geral, a vida que ele encara é demais para suportar conscientemente. Os erros que enxerga são muitos e sua impotência esmaga-se por seu próprio peso, como o nascimento de um buraco negro. Esse crente precisa ser salvo do mundo, e tudo que ele não enxerga de milagroso em cada segundo precisa lhe ser cobrado num dia só, que reuniria todo o absurdo da existência e todas as promessas redentoras que viriam salvar seu ego auto-mimado. A religião plena, forçada e concentrada num dia só, viria enfrentar, desfazer e redimir esse crente numa forma desfigurada de religiosidade. Uma forma de crer que não aguenta o mundo (o pouco que enxerga) e que não pode imaginar como suportar e aceitar os "pecados" de todos, particularmente os dele próprio.

Parece-me amplo material para reflexão que religiosos que acham seguir Cristo sejam assim intolerantes consigo e com os outros, e que o Brasil tenha gente assim desesperada e pastores tão desesperados quanto ou tão corruptos para lucrar em cima de um desespero dessa ordem.

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