sexta-feira, 30 de julho de 2010

Heroica Formula 1?

Resistindo o assunto por aí, eu preciso comentar: a maioria das pessoas não arrisca um salário de R$ 300 desrespeitando ordens abusivas de chefes. Mas uma multidão sai por aí arrotando que Felipe Massa deveria ter arriscado os milhões que ganha para não aturar um abuso bem menos violento, ao qual, pelo jeito, resistiu (a transmissão repetida da ordem de deixar a ultrapassagem acontecer foi a terceira desde que Alonso colou nele). E quantas dessas pessoas que vieram dar palpite assistem às corridas normalmente?! Tão superiores aqueles que criticam os outros por não peitarem seus chefes, tão incapazes de fazer qualquer crítica aos próprios chefes ainda que sejam legalmente convidados a fazê-lo.

Conhecendo a Terra

Bah!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Contraindo núpcias

Expressão estranha que me preocupa pela frequência, tanto dita quanto escrita em redação: "aí eu acabei casando". Existe uma passividade triste na expressão, não?

Sua parente, também um tanto preocupante ainda que menos frequente no meu corpus: "aí eu acabei engravidando".

Flying HIGH

"O presidente Lula, que não errou em nenhum momento ao dirigir o Brasil, acertou mais uma vez ao escolher uma pessoa com qualidades para ser a presidente da República." - governador do RJ, Sérgio Cabral (PMDB), agora elogiando Dilma.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Bolsa Me-livre-deste-país

Este post só faz sentido após se tomar conhecimento sobre o ProMédio ou se ler este post de Em Metrópolis.

Certas coisas ganham ibope e viram coqueluche. Por exemplo, defesa do politicamente correto, xingamento ao técnico da seleção, pressuposição de que toda crítica é machista, racista ou reacionária, sistema de cotas e de bolsas. A Dilma propôs agora, por exemplo, que se resolva o problema da educação (em parte) mandando os alunos públicos para as particulares por meio de bolsas. Pode ser feito com critério? Pode. Pode ter algum resultado positivo? Pode (apesar de que não acredito que façam sem grandes resultados negativos para contra-balançar).

Então por que eu estou reclamando? Porque absolutamente não é uma solução que nasceu tendo em vista o problema a ser solucionado, ela nasceu da forma de solucioná-lo, da ideia de se criar bolsas para resolver tudo. E por que a proposta não é adequada para atacar o problema em questão? Porque ataca o sintoma. Não, faz pior: joga o sintoma de um lugar para outro na esperança de que aqueles que fazem bem com uns alunos FARÃO bem com outros. Por favor, quem é o mentecapto que faz proposta para educação e não sabe que o aluno é o começo e o fim da educação? Que o professor trabalha com ele, mas que quem o aluno é faz toda a diferença? Ora, existe um enorme problema nas escolas públicas que as escolas particulares não têm: os alunos que não podem pagar escolas particulares.

Estou dizendo que a maioria deles é incompetente, burra ou incapaz? Não! Estou dizendo que as escolas públicas são ótimas, mas os alunos acabam com todas as maravilhosas oportunidades e estruturas que recebem do governo? Não!

Estou dizendo que os alunos realmente problemáticos (não "todos do ensino público") não têm estrutura familiar, ou cultura familiar letrada, ou respeito por autoridade alguma (ou todos os três), além de quaisquer outras carências sociais de que repetidamente se trata quando se estuda pra valer o problema com a educação pública. Eles vão, na melhor das hipóteses, apresentar ao professor privado um problema para o qual ele não está preparado (e, não lidando com esse problema, ele tinha o rendimento que constou como "de particular" para o governo). Não posso prever todos os desdobramentos disso sem conhecer a fundo o programa (que não existe), claro, mas as piores consequências são bastante numerosas, tanto que criariam um post gigante, o qual não posso escrever por falta de tempo. Pense-se, por exemplo, o que aconteceria com o preço das escolas se um novo afluxo de alunos estatais começassem a competir pelas vagas das particulares (sendo que eles nunca "perderiam" uma vaga), ou como a lógica de devolver o rendimento esperado pelo cliente-governo traria uma sinergia entre as táticas de manipulação de resultado públicas e privadas. Mas meu ponto, no momento, apenas para pegar a superfície da porcaria mesmo, é este: se muitos alunos se beneficiam, a escola privada não vai ser "a escola privada", a grande maioria delas vai render muito pior, com uma que outra exceção a ser citada sempre com orgulho pelo governo (e não, não estou fazendo um raciocínio análogo ao terrorismo sobre as cotas e qualidade, porque estou imaginando, nessa hipótese, muitos alunos entrando, não uma porcetagem pequena como a das cotas). Se poucos alunos se beneficiarem (como com as cotas, ou menos ainda), o grosso do problema segue. De qualquer forma, enquanto sobrar um aluno em escola pública, o programa vai ser mais uma coisa para desviar verba, interesse e respeito dos alunos que sobrarem na dependência da educação mantida pelo Estado.

Como disse antes, o que me levou mesmo a escrever este post foi a total descrença de que se tenha criado isso porque se imaginou que a ideia funcionaria. O que gerou esse programa foi a mentalidade de bolsa. Fazer bolsas virou um clichê, um cacoete, resposta para tudo que cotas ou discurso não resolvam. Mas a ideia de usar a lógica da bolsa para mover o problema de um lado para o outro é demais. Por que não fazemos logo, já que ninguém sabe como resolver o Brasil desde Cabral, uma Bolsa-Estranja e financiamos com os impostos a possibilidade de todos os brasileiros se mudarem para a Suíça? Afinal, lá tem melhor educação e mais dinheiro. Eles devem saber como nos governar! Vamos levar nossa pobreza e desigualdade toda para lá, que com certeza eles resolvem.

Rasura no meu dicionário

"Ora, o Serra tem 40, 50 anos de vida pública progressista" - Sérgio Guerra, presidente do PSDB, não apenas chamando o presidenciável de velho, mas o defendendo de ser tachado de "direita"!

Ok. Pára o mundo! O que é um progressista?!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Hybris

"SEXO SEGURO PARA CÃES
CONFIRA!?"

Vejam o que é a pessoa se emocionar com a "sacada" publicitária. Anunciar sexo seguro para cachorros seria tão, tão, tão genial, que todo mundo sentiria um estranhamento e visitaria a loja para entender de que se tratava. Só que as pessoas ficariam com tanta, tanta, tanta curiosidade, que o ponto de interrogação que (espera o publicitário) se formaria na mente delas acabou se materializando no fim da propanga, ainda depois do eloqüente ponto de exclamação, justamente onde não faria sentido nenhum.

Termos técnicos

Se 92 mil documentos confidenciais (da guerra dos EUA "contra o Talibã") serem publicados na Internet é um "vazamento", os desastres de New Orleans foram resultado de uma torneirinha aberta...

O Cobrador Romancista

Eu colocaria o título deste post num conto cômico à Stanislaw Ponte Preta, mas, como deixo muito a desejar em comparação com ele, fica o título neste texto normal sobre o estranho ocorrido de agora há pouco.

Hoje eu finalmente conheci um futuro escritor. Digo, um completo amador que convincentemente quer escrever e pode fazer algo que preste; mais, ele parece ter domínio suficiente para fazer algo que não preste, se necessário. Note-se: ele tem tanta noção e tanto potencial para efetivamente entrar na vida de escritor, que nem quer fazer algo que preste logo de início, já que precisa de algum dinheiro, mas ele sabe a diferença entre um romance e uma narrativa descartável como ninguém sem formação específica que eu tenha conhecido até o momento. No caso, ele é formado em Contábeis. Mas um dia uma vontade que vinha tomando espaço em sua mente finalmente aflorou com força na consciência: queria ser escritor. Então, ele fez um dos raciocínios mais raros que existem fora do estudo acadêmico da literatura: "Como posso ser um bom escritor se não sou um grande leitor?" E ele começou a... estudar! Ler romances de todos os tipos, com critérios (uau!), conversar com livreiros, vendedores e derivados, enfim, ler e aprender. O sujeito me citou autores, comentou estruturas (!!!), discutiu mercado... Um autodidata no sentido ideal da palavra. Impressionante!

Todo esse encontro muito divertido se deu por pura sorte. Eu aceitei uma troca de horários pela qual estava me arrependendo hoje de manhã mesmo e, por isso, estava numa rua a quilômetros de onde eu "deveria" estar, pegando um ônibus desagradável num horário em que com certeza estaria almoçando em casa, tivesse a semana andado como eu tinha planejado. Mais sorte ainda, resolvi não passar na roleta, o que muito dificilmente não faço, e aquele ônibus em particular tinha o assento logo do lado do cobrador posicionado de costas para a frente do ônibus, o que não é nada comum nos ônibus daqui. Como esse assento era alto, o título do livro que eu lia ficou bem à vista para o cobrador, que puxou conversa comigo. Eu tinha ficado intrigado pelo enorme romance que ele tinha colocado em cima do "caixa" dos cobradores, especialmente porque nossos profissionais de transporte público costumam estar acompanhados por um Diário Gaúcho ou, mais raramente, por um livro bem fino.Mesmo assim, logo que respondi sua pergunta, com disposição, segui lendo meu livro. Ele puxou mais conversa. Como, se a pessoa fala coisa com coisa, eu gosto de conversar, e ele estava querendo saber mais sobre uma questão um tanto teórica, acabei me animando a responder direito, e daí chegamos ao ponto em que ele falou sobre o livro que tinha organizado e estruturado, e que pretendia começar a escrever quando tirasse as férias em agosto.

No fim das contas, essa volta minha totalmente contra-mão e fora de hora me valeu uma ótima conversa, mas serviu também a ele, que, graças à bizarra coincidência de eu pegar aquele ônibus e sentar ali, pôde me fazer umas perguntas que ele guardava justamente para alguém da Letras. Espero que as respostas tenham sido realmente úteis e que encontre o livro que lhe indiquei.

Anotei o título que ele tem em mente para o romance, mas não vou escrever aqui porque o nome cumpre tantos critérios para se eleger um título que acho sacanagem entregar assim, num blog aberto qualquer. Só fica aqui o nome do autor, Sérgio Viana (ou Vianna), para lembrar depois e procurar quando, espero, o livro saia.

Vazia Trindade

Três "slogans" andam me irritando muito porque pareço encontrá-los em todos os lados. Como bater em almofadas não funciona contra a retórica alheia, resolvi descarregar aqui no blog (ok, não estou furioso, mas seria legal se a publicidade - política, religiosa ou populista - fosse mais eficiente):

"Brasil: um país de todos" - ou seja, de ninguém.

"Deus é fiel" - ora, para os cristãos, claro que é! O problema todo do cristianismo é o inverso, o problema, justamente o nó dramático daquela tal de Bíblia, é que os seres humanos não são fiéis a ele. A fidelidade de Deus aos humanos e ao mundo, desde Noé, não está em disputa! Humanos fiéis a Deus, no entanto, só no tal Armagedom, Apocalipse ou Aquecimento Global é que veremos se existem.

"O Centro é do Povo" - pelo contexto em que surgiu em Porto Alegre, entende-se nessa pichação que "povo" serve como referência às classes D e E, talvez a parte da C (naquela divisão do Brasil em cinco classes). Muito bom, "o centro é do povo". Agora, quem disse que o não-povo (as classes A e B, e parte da C) ia querer aquele lugar imundo, fedorento, perigoso e lotado de gente?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Poluição sonora

Pode ter funcionado uma vez com a Disney, mas Tico e Teco (ou algum sindicato das tâmias) não escreveram em mármore que todos os esquilos precisavam ter vozes de cantoras de funk.

sábado, 24 de julho de 2010

Copa 2014 - O Design

Deus brasileiro

Quanto a Brasil e religião, eu sempre gostei de nosso sincretismo, por outro lado sempre odiei a importância do futebol na vida nacional porque ele me parece reforçar o pior do raciocínio religioso, a crença absoluta em essencialismos, absolutamente contrários à razão. Achava até estranho que o efeito político do treinamento religioso (da mentalidade metafísica) propiciado pelo futebol não se manifestasse de forma mais violenta na política nacional. Mas meu medo se tornou realidade: a casa onde nasceu o Lula virou ponto turístico...

Teoria na prática

Quando um grupo se forma (uma união sincera entre pessoas, quero dizer, não meramente um amontoado de gente que recebe um nome coletivo), o próprio grupo vira a única referência moral dos indivíduos envolvidos. A segurança promovida pela conexão emocional entre cada um, reconhecida num pressentimento da unidade do grupo, reforça a liberdade dos integrantes em relação a todos os julgamentos externos contra os quais nos policiamos geralmente. A moral, os medos e os cuidados cotidianos relaxam, e tem-se espaço para se fazer qualquer coisa que não seja contrária à moral tácita do próprio grupo.

Numa situação dessas, os policiamentos politicamente corretos são os primeiros a voar pelos ares. E é impressionante como esse poder é exponencial, de forma que às vezes nem a presença da pessoa reconhecida como plenamente externa ao grupo inibe algum integrante, que age com total sinceridade e paz de espírito, mesmo se, em geral, trata-se de alguém que se porta muito acima do que se espera de uma pessoa "de bem". A liberdade que o grupo promove é tal que mesmo um remorso posterior tem dificuldade de se firmar, de convencer a "consciência" do sujeito, quando ele voltou a se portar conforme as normas sociais mais gerais que introjetou quando se formava moralmente.

Não é novidade, mas não deixa de ser impressionante observar de perto como, em grupo, alguém pode ser cruel, com liberdade, sem pena e sem remorso.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eleitor é brasileiro, mas não tanto!

O engraçado da retórica é que ela é uma força quase independente do falante que a utiliza. Sempre parece ter vida própria. Por exemplo, Serra acusou mais e mais ontem, em Porto Alegre, que as FARCs estão ligadas ao narcotráfico... Hmmm! O desvio, dando ênfase ao óbvio e menos à questão FARC-PT, fez com que praticamente exigisse de Dilma uma explicação sobre a ligação dos colombianos com o tráfico, e não do problema de uma ligação disso tudo com o partido. Sei que pode ser tratado como se a ligação com o PT estivesse implícita, pois todos sabiam de que ele falava, mas é política básica aproveitar o fraseado resumido para contra-atacar retoricamente o adversário. Claro, se ele quer argumentar que a supervalorização da declaração do Indio é uma tática do PT para desviar do assunto de quebra de sigilo do Seu EJ, entregar uma resposta retórica de bandeja para a Dilma faz sentido, mas não estou certo de que a ênfase desviada para um problema que não afetará de verdade a campanha da Dilma (FARC-tráfico) não seja o descrédito do próprio Serra de que essa acusação devesse vir, justo agora, de novo à baila.

Mas, animada por essas acusações ditas de forma meio torta, a retórica ganha inércia (de movimento) e deslancha. Assim, leva do comentário ponderado à hipérbole em segundos, fazendo o candidato até a dizer uma coisa destas: "O nosso vice foi escolhido por suas virtudes, não foi nenhum troca-troca de cargos."

Bah! A gente tem memória curta, mas não exagera.

Conceitos Secretos na Literatura

"The notion of secrecy is central to western literature. You may say, the whole idea of character is defined by people holding specific information which for various reasons, sometimes perverse, sometimes noble, they are determined not to disclose." - professor de literatura n'O Leitor (2008).

Por que eu nunca ouvi nada do tipo, nem li algo parecido nos grandes clássicos da teoria literária? Parece que algumas percepções de literatura se trancam em suas culturas, sem transitar para todos os que estudam o tema. Está certo que o conceito apresentado está, para mim, deslocado, porque o autor está falando de literatura como "Odisséia", e a apresentação dele me parece particularmente associada ao teatro, mas ainda assim, pelo conceito amplo de literatura que mistura romance, novela, conto e teatro, essas formas de leitura podiam transitar melhor entre as culturas. Parece que resiste uma barreira fundamental entre, digamos, a forma mediterrânea e a nórdica de se ver a narrativa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Liberais e submissos

A profissão de professor é puramente um produto cultural responsável pela produção e reprodução de cultura. Como todos as profissões e objetos que se encaixam nessa descrição, seu funcionamento não é adequado à lógica capitalista, ou vice-versa. Como, diz-se, vivemos num sistema capitalista, adaptações precisam ser feitas, como a meritocracia, geralmente instituída apenas por políticos e, nessa maioria dos casos, com critérios que políticos consigam compreender, logo de fácil manipulação política, o que gera a alegria de uns professores e a ojeriza de outros.

Uma adaptação que herdamos de quando o tal capitalismo se espalhava pelo Ocidente é uma ética pedagógica que já malhei bastante aqui, mas que afeta também todas as profissões e objetos culturais nos dois sentidos que indiquei: a ética da abnegação, ou do desvalor do lucro monetário. Uma obra de "verdadeiro valor literário" não é produzida conforme as leis do mercado, de modo que seu autor amarga as dificuldades econômicas que lhe advêm da produção desse livro a duras penas e com grande orgulho, confesso ou implícito, mesmo que periodicamente ironizado por ele próprio. Da mesma forma, a profissão de professor envolve uma submissão (para muitos profissionais, tão aceita que passa despercebida) a uma série de abusos e desvios, incluindo um descompasso patente entre trabalho e salário. Algumas dessas imposições são largamente estabelecidas, de forma que são aceitas em silêncio, outras geram reclamações habituais, enquadradas por todos como a insatisfação que qualquer profissão está apta a gerar em quem trabalha, e outras imposições ainda geram atos de repúdio, revoltas, crises nervosas ou greves. Como muitos dos abusos, no entanto, entram nos dois primeiros campos, particularmente no primeiro, sendo culturalmente não só aceitos como defendidos com orgulho por professores e políticos (um professor é tão digno de sua profissão quanto mais atura quieto sofrer qualquer tipo de violência moral ou física), pode-se reconhecer alguém que trabalha na área quando se encontra uma pessoa realizando o Espacato Fundamental: um pé na merda do fundo do poço, o outro nas nuvens.


Quando profissionais liberais são chamados a se tornar professores, não em cursos específicos ou programas rápidos, mas quando são efetivamente misturados com gente que dá aula para sobreviver, quando são confundidos com estes, apresentam-se a eles dois caminhos. Ou sua mente enquandra o que está fazendo nos mesmos preconceitos que já trazia a respeito da profissão, e a pessoa aceita ser tratada "como professores são tratados", ou o sujeito mantém sua identidade o suficiente para achar que deve manter também sua dignidade, opção que leva geralmente à demissão ou a uma neutralização acompanhada da chaga eterna de "pessoa insuportável, irresponsável e anti-ética". Ocorre, porém, às vezes, que o profissional liberal passa do primeiro estado mental para o segundo devido a uma crise ocorrida durante sua prática docente. Não importa: a ameaça da demissão está sempre pronta, logo ali, para quem acha que seu empregador deveria concordar quando diz que dar aula em situação plenamente precária e vizinha de tiroteios não se enquadra na descrição de um profissional "educador". Às vezes, a demissão não chega a ser posta em prática por algum motivo contextual. Mas o nome está lá na lista negra, que não existe só como força de expressão.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Multas

Estas eleições estão virando Costa do Marfim enfrenta Costa do Marfim. Infelizmente, não é só no futebol que faltam colhões (e visão) ao juízes.

Política educacional para quem não nasceu ontem

"José Marcelino de Rezende Pinto, especialista em política educacional da Universidade de São Paulo (...) diz que é difícil achar escolas que aumentam sua nota em 80% no período de dois anos, mesmo entre os países que deram grandes saltos na educação. Esse fenômeno, porém, ocorreu em mais de 200 escolas brasileiras. 'A melhora pode ser fruto de política consistente ou de atalhos, como aumento artificial de aprovação, treinamento para a prova e até fraudes.' Só com os resultados do Ideb, é difícil saber quais avanços são fruto de mudanças estruturais, aquelas que se sustentam ao longo dos anos, e quais são produto de truques ou distorções estatísticas." - Época 19/07/10

Que falta que já fez essa consideração em tantas notícias e propagandas sobre educação, hein?

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Passagem só de ida para Brasília

Estou eu tentando conseguir o resultado de uma avaliação nacional feita com meus alunos. No caso, Brasília leva alguns meses para processar, e o que chamam de "divulgar o resultado" é a declaração do resultado percentual de acertos na prova. No entanto, que adianta que eu saiba isso sem saber que alunos erraram o quê? No mínimo, quais questões foram mais erradas - ainda mais que não tive acesso nem para ver quais questões foram colocadas na prova? Não pude nem saber, depois da realização do exame, como eles pensaram em avaliar meus alunos.

Enfim, estou envolvido em inverter esse quadro quando experimento a semi-surpresa de descobrir que a Prova Brasil tem exatamente o mesmo defeito! Feita desse jeito, muita ajuda que a avaliação nacional presta à educação...

Vice cheirando à fralda

O problema de arranjar-se um vice que é um guri de apartamento é que... ele é um guri de apartamento. Entre pedir votos pelo twitter e "xingar" a Dilma de ateia, o Indio já deve ter feito o Serra se arrepender redondamente de não ter chantageado seu partido a aceitar o vice que ele queria ameaçando simplesmente não concorrer à presidência desta vez. Usar ateísmo como chaga ideológica é particularmente baixo, digno de campanha para diretora de escola. Sendo já multado pelo uso do twitter, o esperto tenta apelar para a acusação séria e nunca comprovada da ligação entre PT e FARC (sim, é bem sabido de seu anterior contato; do meu ponto de vista, Indio indica uma conexão mais estrutural, íntima e atual [alteração minha em resposta]). Pelo jeito ninguém explicou que os políticos precisam seguir algumas leis, pelo menos durante a campanha, que escrever no twitter e fazer declarações contra o governo mudam de peso quando se é candidato à vice-presidente, que sua nova posição não lhe permite mais fazer críticas irresponsáveis como quem escreve um blog pessoal.

O PSDB já puxou a orelha dele, mas de que vai adiantar, se o processo do PT contra o Indio não andar a contento? Campanhas sempre parecem futebol nessa área, não? As faltas, de punições que manteriam os jogadores na linha, passam a fazer parte da estratégia. Entre levar um gol e correr o risco de um cartão amarelo, melhor o cartão. Entre correr o risco de perder um ponto na pesquisa e pagar uma micharia de multa... Não sei se os primeiros a serem multados foram os do PT, acho que sim, mas parece que o PSDB sofre de um mal crônico, mímese de golpe baixo: se eles trocaram de programa, a gente troca; se fizeram campanha antecipada, a gente faz. O PT usa a falta como tática de jogo e o PSDB, depois do comentário moralista, vai logo atrás. Ou será que é apenas uma concordância de estilo entre DEM e PSDB? Pelo jeito, a menos que a puxada de orelha tenha sido só para manter as aparências. Se não, Márcio Aith vai precisar estar sempre com sua bola de cristal, prevendo os impulsos irresponsáveis de um... guri de apartamento.

domingo, 18 de julho de 2010

Trabalho hebreu de inspiração divina, baratinho... Quem quer?

Oh, you're selling religion... I'm sorry, I bought some Islam yesterday.
House MD

Quando vi na tela uma imagem (mal) gerada em computador da Arca da Aliança e, no canto da imagem, o logo do Polishop, tive de aumentar o volume rápido e ouvir de que diabos eles estavam falando. Qual o primeiro comentário do "convidado" a respeito da Arca? "Você já imaginou o valor de um objeto desses?" Primeira consideração (mesmo sem volume, vi que quem falava antes era o "apresentador", não o convidado)! O valor histórico veio em seguida, comentado separadamente. É verdade, será que a mão-de-obra encareceu muito a construção? Será que o ouro aguentou as vezes em que a Arca foi levada em saques, ou o tempo de viagem na época nômade dos hebreus? Detalhe ainda mais triste: descobri que a propaganda que eu estava assistindo é de 2009 ou antes, ou seja, por mais de um ano a porcaria anda solta por aí.

Sempre é legal quando pessoas que lucram com religião admitem que é exatamente essa sua profissão, não? Claro, se questionado a respeito, ele comentaria no outro sentido, mas, sendo falar desse lucro a coisa mais próxima de uma confissão que se tiraria dele na TV, aceito-a. Ele e o "apresentador" iam naquele caminho "evangélico" de falar (ou neo-protestante, como prefiro chamá-los). Aquela paz entre as estratégias midiáticas modernas e a beatitude humanisticamente esclarecida (dentro do possível). No caso, a Arca tinha aparecido porque eles vendiam ali 13 DVDs com filmes baseados em cenas da Bíblia. Eu francamente não aguentei assistir o suficiente para entender se os DVDs ofereciam comentários "científicos" problematizando as possibilidades paranóicas de que a Bíblia representasse fatos reais comprováveis em suas histórias, mas parece que sim.

Enfim, o comentário sobre o valor de mercado que teria uma Arca coberta de ouro e enfeitada com querubins foi apenas a surpresa de se ver a ponta do iceberg. Lembrou-me imediatamente de um amigo neo-protestante que me falou que deveríamos (todos) recuperar a capacidade de nos impressionar, que todos estamos muito apáticos frente ao mundo. Talvez eu esteja no bom caminho, então, porque me surpreende que encontrar manifestações claras das pessoas que vendem religião ainda possa me surpreender.

sábado, 17 de julho de 2010

No país em que nada acontece

Odeio infantilização do público, então ia comentar uma das chamadas de capa do Correio do Povo, "Tempo Frio: ótima dica é um chocolate quente".

Só que a Zero Hora matou todas, com a enorme manchete: "Onda de frio produz marca histórica no Sul". Qual? A serra e o norte do RS tiveram ontem a tarde mais fria... da década!

Infelizmente, não é só o Lula que apaga o passado. Pelo contrário, diria que a retórica dele de que o Brasil começou há 8 anos é sintomático de um discursinho generalizado e bem mais preocupante, filho pressuposto de que ninguém sabe nada sobre nada, curiosamente por essa mania do século XXI de tratar tudo que acontece neste século como especial. Por acaso tinham acreditado mesmo que o mundo acabaria em 2000, o que fez de tudo que ocorre depois uma exceção fantástica?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Censura à educação! E?

Engraçada a preocupação geral de como reagir à lei contra as palmadas. Algum brasileiro segue a Constituição?

Tirando o Corpo Fora - ou Governando pela Voz do Povo

A Marina Silva tem algo de frágil que me toca. Eu realmente me sinto meio covarde em fazer críticas a ela, até porque não imagino que ela vá conseguir atrapalhar os verdadeiros candidatos de 2010. Ainda assim, veja-se esta afirmação:

Dilma e Serra "têm um perfil quase puramente gerencial (...) O que é diferente do presidente Lula e do presidente Fernando Henrique, que tinham um perfil de liderança política, de visão estratégica. E agora querem convencer o povo de que o país precisa de um gerente. E eu digo que o Brasil precisa de um estrategista."

Assumamos que sim. Mas quem seria esse estrategista? Com certeza não está se referindo a ela própria. Veja-se o que ela diz, por exemplo, quanto às reformas tributária, política e da Previdência: "Elas são necessárias e precisam ser feitas. O problema é que elas não devem ser fáceis, senão, já teriam sido feitas." É por isso que a Reforma Agrária não saiu ainda também? Quanto ao aborto, ela é contra, mas defende um plebiscito a respeito. Quanto à maconha? Também. Tudo isso reafirmado no dia da declaração sobre a necessidade brasileira de um estrategista na presidência. Valorizar a natureza e, em consequência, querer salvá-la da depredação não é demonstrar pensamento estratégico, ao menos não o suficiente para ser presidente do Brasil. Quer dizer, pensando bem...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Que friL, tchê!

O prédio em que dou aulas à noite é, durante o dia, uma escola estadual. Ou seja, todas as salas têm janelas quebradas. O fato de só podermos usar as salas do segundo andar ainda contribui com as ditas janelas para que experimentemos, durante a aula, todo o frio que está fazendo lá fora. O lado bom: não morro de frio quando saio para a rua. O lado ruim: corro risco de morrer de frio a cada momento em aula. Grande incentivo para pôr em prática uma pedagogia agitada e dinâmica. Se parar, congela.

Mas, como a maioria das aventuras em que nos envolvemos sem muita noção do que estamos fazendo, descobri também coisas boas nessa experiência que jamais teria me imposto conscientemente (dar aulas a 0 graus Celsius ou menos - sensação térmica). Por exemplo, descobri que sobreviver ao congelamento dá superpoderes.

O que um professor congelado pode fazer:
  • tocar na água com conforto: a torneira libera água mais quente que sua mão;
  • pisar descalço no chão do banheiro (ao chegar em casa): seus pés efetivamente aquecem expostos ao chão;
  • reunir antissociais aos grupos: qualquer aluno admite que é melhor sentar perto dos outros que longe;
  • passar pelo fogo: não adianta fazer café, então é melhor usar o fogo embaixo da chaleira, que não o fere;
  • sobreviver sem oxigênio: entre respirar fora das cobertas e ficar sem ar embaixo, o corpo aprendeu que é melhor ficar embaixo mesmo, já que não sabe quando a mente sadomasoquista do professor o forçará a voltar para a sala de aula.

Foto salva clichê


Em geral, eu acho um saco a eterna notícia "ontem fez frio/calor - foi seco/chuvoso". Mas, dessa vez, valeu pela foto (de Pedro Rivillion), capa do Correio do Povo de hoje.

A habilidade de não saber dar nos dedos

Serra deixou a internet sem o seu programa, no dia em que prometeu, para poder antes ler o documento, já que "não assina nada sem ler", como já disse 40 vezes desde quarta passada (pelo menos). Muito responsável, a não ser na hora de cumprir prazo, pelo jeito. É estranho como os presidenciáveis são tristes em seus comentários laterais. No caso do Serra, achei que ele não soubesse fazer gracejos (ninguém confia, é claro, no "senso de humor" de Dilma), mas acho que o caso é ainda  mais grave do que parecia. Suas colocações insistentes sobre ler antes de assinar, a meu ver, são um tiro retórico pela culatra. Se destacam algo, notabilizam que não deixava de fazer críticas a Dilma até aqui porque "sua campanha não era de ataque, mas de apresentar propostas", como afirmou algumas vezes. Pelo contrário, parece até que não achava muita coisa para falar contra, tendo de se apegar agora a essa piadinha que, em uma semana, já ficou velha. Não é que não fizesse nenhum ataque antes, mas quantos se dirigiam, na verdade, à campanha de Lula em 2002 (o que também indicaria falta de críticas ao governo)? É por isso mesmo que precisa retoricamente reforçar que Dilma é o Lula travestido. Não por constatar um fato, mas porque, caso contrário, muito do que criticou até agora perde totalmente o valor. Não estou dizendo que ele não tem crítica NENHUMA aos últimos oito anos de governo, mas que esse caminho traçado por comentariozinhos está para além de triste. Já se sabe de outras eleições, é claro, que Serra não é bom em debate, sendo essa retórica lateral ineficaz outra manifestação de sua inabilidade para dar nos dedos.

Enquanto isso, as tais das propostas "finais" não vêm. Tudo bem! Estamos seguros: ele está lendo...

terça-feira, 13 de julho de 2010

Profissão antissocial

- Ele é meu professor também.
- Tudo bom?
- Professor de quê?
- Português.
- Bah, vou ficar quieto, então.

Sempre. Sempre!

2014, Brasil e nossa guerra civil "em desenvolvimento"

Vocês já imaginaram a polícia brasileira (imaginem ainda mais a paulista, a carioca e os grandes traficantes do Rio) com a tecnologia policial que se está e se irá importar para a "segurança na Copa de 2014"? É de se pensar se, mesmo com potenciais ameaças de terrorismo, os países desenvolvidos não precisam arcar com um sistema de segurança menor do que os em desenvolvimento. Na verdade, como todo mundo vai pra Copa, os em desenvolvimento têm de arcar tanto com as ameaças próprias quanto com as classicamente dirigidas a seus convidados. Interpretação paranóica para as "benesses trazidas aos países pelo esporte": levar a Copa aos países em desenvolvimento não é um fomento econômico generalizado, é uma tática de mercado da indústria armamentista.

Sintomas e idealismos

Raramente o Juremir é tão feliz, para mim. Não sonho com a mesma religião pedagógica que ele, mas achei que o texto valia a pena.

Mãos ao alto, professora

JUREMIR MACHADO DA SILVA


As palavras mudam de sentido. Muda uma letra, ou duas, e muda tudo. Craque virou crack. Vida de professor transformou-se em atividade de alto risco. Uma professora foi assaltada, em Porto Alegre, dentro da sala de aula, por um adolescente armado com um revólver enferrujado, calibre 32. O guri era ex-aluno da escola. Houve um tempo, perdido nas brumas do passado, em que professores e salas de aula eram sagrados. Levava-se maçã para a professora. Muitas vezes, a professorinha era o primeiro amor, idealizado, impossível, platônico, de um menino. A sala de aula era o lugar da autonomia do mestre, um templo, um palco, a esfera maior do conhecimento. Acabou.

As balas de hoje destinadas aos professores são de revólver. A situação é tão melancólica, para bem e para mal, que o assaltante não tinha munição. Roubou R$ 10,00 da professora. Essa quantia diz muito, diz tudo, grita como o sintoma de uma doença grave, um mal que está aí, bem aí, mas vai sendo empurrado com a barriga. Talvez a professora assaltada seja uma pessoa sensata, aos 58 anos de idade, e não vá para a escola com muito dinheiro na bolsa. Ou quem sabe, escolada, como todos nós, carregue apenas o dinheiro do transporte e o dinheiro do ladrão. Mais provável é que uma professora, na metade do mês, não tenha mais do que R$ 10,00 para carregar no bolso. Esse é o estado das coisas, o estado ao qual chegamos, o caos.

E os governos, que ainda não fizeram a parte deles, não garantiram sequer a integridade dos professores, desandam a falar em meritocracia, transferindo para os professores, que ganham pouco e são agora assaltados dentro das salas de aula, a responsabilidade pela falência do sistema. Ao defender a tal meritocracia, os tecnocratas e os políticos, falsamente racionalistas, estão dizendo que se algo vai mal é por culpa da preguiça ou da incompetência dos professores. Essa é uma das maiores infâmias destes dias melancólicos em que, paradoxalmente, fala-se em sociedade da informação, mas se faz do saber uma categoria de quinta classe. Escolinha como objeto de desejo de pais e alunos, só de futebol. Nelas, talvez o mestre ainda seja respeitado e receba doces. Nem que seja por medo de se perder lugar no time.

Eu ainda sonho com um Brasil voltado para a escola como espaço sagrado. Isso só acontecerá a partir do momento em que se considerar o ensino como primordial e os salários forem melhorados a ponto de alterar a vida cotidiana e cultural dos mestres. Um professor precisa ganhar o suficiente para comprar livros todo mês, ir ao cinema, ao teatro, a shows, a bons restaurantes, viajar e sempre ampliar horizontes. Quem não valoriza, não pode cobrar desempenho. Mesmo assim, como se diz popularmente, os professores desempenham, "na moral". Sonho com o dia em que será impossível um ex-aluno ou um aluno apontar uma arma para uma professora. Por respeito, por veneração, por amor. Ou, cinicamente, sonho com o dia em que, ao menos, a professora terá R$ 50,00 na sua bolsa.

JUREMIR MACHADO DA SILVA é professor e jornalista
 
* Artigo publicado no Jornal Correio do Povo, edição do dia 17 de junho de 2010.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Dilma & Serra - ou Reescrevendo Minhas Opiniões

Peço desculpas pelo post sobre as mudanças de programas da Dilma. Nele, eu ignorava um detalhe sobre Serra, apesar de minha conclusão ter sido acertada. Não é que o "presidenciável" não tivesse criticado Dilma por ter trocado de programa no TSE, era apenas que minha semana atribulada tinha de alguma forma me desviado dos lugares em que a mídia divulgou essa parte. Tudo bem, ele vai mesmo mudar de programa, como eu suspeitava, e vai conseguir fazer pior ainda, do meu ponto de vista: pediu ideias de contribuições dos internautas.

Pior ainda? Bom, minhas críticas a respeito, naquele post, tinham por base a crença de que um programa, para convencer que é sério, precisa estar pronto antes de a campanha oficial começar, além de ser seguido pelo menos no começo do governo (abramos exceção para um contexto que mude radicalmente a situação do país, como uma invasão de macacos cientistas ou um surto de valorização da educação). Mas eu preciso revisar minhas crenças. Mesmo sendo opositores, FHC e Lula indicaram que é unanimidade entre governantes que se é presidente do Brasil por 8 anos. Durante os primeiros quatro anos, na verdade, aprende-se onde são os prédios, a que secretários pedir o que, quantas passagens aéreas de graça se ganha e quantas podem ser reembolsadas, além da importante adaptação às horas de trabalho, descanso e viagem. O programa de governo da campanha, portanto, é apenas para constar, e pode ser apresentado até no dia da eleição. Informa, obviamente, medidas que seriam implantadas apenas após quatro anos de mandato, quando se é reeleito para finalmente governar de verdade. É claro que, na nova eleição, novos planos precisam ser criados, já que em quatro anos ALGUMA coisa acontece, sendo necessariamente a situação do país outra, então.

Peço, novamente, desculpas, pela reação despropositada naquele post. Até parece que não nasci no Brasil. Mas voltei a mim e estou até pensando em propor pelo twitter que Serra faça um quadro no Faustão para podermos contribuir e concorrer a prêmios ao mesmo tempo. Dilma podia participar: para ela a equipe vermelha, pelo Serra a equipe azul, claro. Dessa forma, ainda que indireta, pelo menos esse "Programa do Governo" beneficiaria alguém.

Bastidores de uma segunda-feira

Sacrílego em relação aos costumes de meus grupos de amigos, de meus círculos de convívio e de minha classe social, acordei hoje às 5h da manhã, sem sono, cansaço ou remorso. Fui para a janela, então, atraído pela chuva forte e pelo ar de noite completa na quase-manhã. Resolvi ler, mas me dediquei mais a testemunhar escondido a secreta preparação de uma segunda-feira.

O dia que seria recebido moralmente pelos porto-alegrenses ("mais uma segunda", "que saco acordar cedo", "não quero ir pra aula/trabalhar", "porcaria de chuva") preparava-se diligentemente em seus aspectos físicos, despreocupado com essas injustiças que ouviria em seguida. De três em três táxis, o pessoal passava terminando o turno. A cada um desses trios, um relâmpago, às vezes iluminando a silhueta de um morro. Nenhum prédio com luz, com exceção de um apartamento que eu suspeitava estar mesmo sempre com uma lâmpada acesa. Teoria confirmada.

Após meia-hora desértica, passou um solitário com um sapato barulhento, sacola, casaco. Um ônibus vazio, um carro de polícia, mais um táxi. Em marcha lentíssima, cada luz de saída de um prédio era acesa, às vezes para apagar em seguida. Alguns carros apareceram na rua. Talvez pessoas indo trabalhar já, a que a chuva respondeu aumentando muito; forte e tocada a vento, ela apressava a preparação da segunda que quase começava sem que o cenário estivesse pronto. Os raios se intensificaram e os carros sumiram. Se alguém pretendia sair, fora eficientemente inibido a se demorar mais um pouco. A cama, tornada ainda mais atraente, reteve os outros. Mais um ônibus passou vazio. O estranho da sacola voltou pelo mesmo caminho, agora com o som de seus sapatos totalmente suprimidos pelo som da chuva.

Os horários de colégio e faculdade deixaram impressão demasiadamente forte em mim, então ainda estranho que, entre as 6h e as 7h da manhã, as luzes acesas praticamente não aumentem de número ainda que eu esteja hoje num bairro de bares, velhos e jovens cults. Mas os ônibus começam a aparecer com passageiros, e, do outro lado da rua, cruzam os primeiros transeuntes: um solitário, perfeitamente de branco da cintura para baixo, e um casal. Aparição do primeiro grupo, dado significativo.

Um carro sai de uma garagem. A chuva já acalmou, a cidade está equilibradamente molhada, as poças são comuns e já têm tamanho para durar por toda a manhã. As cargas eletro-magnéticos da atmosfera estão novamente em equilíbrio. O sol nasce, mas não se descortina, apenas avança até que as nuves distribuam sua luz irmanamente pelo céu. O barulho do trânsito aumenta, e já temos a primeira sirene. Chaves e passos se tornam mais comuns e próximos. Temos som e luz.

Ação.

domingo, 11 de julho de 2010

Lógica no cotidiano

- Meu Bem tá pelada...

- Meu Bem não pode me ver sem roupa que acha que eu tô...

- Pelada? Acho!

Redes sociais do século XXI

Prêmio Frase Bizarra:

Fulana "estava fertilizando a fazenda de um amigo e encontrou alguns torcedores. Quer levar um para sua fazenda?"

Maldoso na Copa

O polvo estava certo. Mas faltou a previsão de que a Espanha ia ganhar chorando e fazendo manha no chão. Bem, o estereótipo emotivo dos hispânicos fica bem reforçado, não?

E, para contrariar as previsões de oitavas, a taça não foi para um país latino-americano, o prêmio foi para uma de nossas metrópoles mesmo...

Empreendedorismo

Crianças de uma quinta série não tinham com que jogar futebol. Pobres e desprovidas pelo Estado, puseram suas mentes e corpos em ação, contando apenas com estes como ferramentas: caçaram um rato, mataram-no e praticaram o esporte nacional com o tronco do animal.

Onde estão os caça-talentos das grandes empresas, que tanto reclamam da falta de líderes e empreendedores na atualidade?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Correção

Quem leu o post abaixo antes da mudança, não me estranhe: na pressa de sair, eu postei sem verificar a mensagem, esquecendo de dizer que a frase era uma citação. Mas, como diria a Dilma, errar é humano.

MST: sem saída!

"O Brasil viverá um aumento das ocupações de terra se a petista Dilma Rousseff vencer as eleições e um crescimento da violência no campo caso o tucano José Serra seja o escolhido." - João Pedro Stédile, presidente do MST.

Construtivo. Muito construtivo.

Programa de governo - essa metamorfose ambulante

Este post é um elogio humilde (e ignorado) aos responsáveis pela campanha de Dilma e Serra. Parece-me que ambos esquivaram de uma possibilidade de escândalo linda com aquela história de o PT entregar o programa de governo errado no TSE. É claro que a final da Copa e o goleiro terrível têm grande potencial para o IBOPE, mas a gafe do PT não dava para menos, se bem trabalhada.

O que houve? Como foi bem noticiado, o PT entregou um programa muito mais combativo, doutrinário e com temas polêmicos ao TSE, documento assinado pela Dilma. Logo depois, eles trocaram o programa por outro documento, mais brando, sem temas complicados, que era verdadeiramente o oficial. A confusão indicou que Dilma assinou o programa sem ler. Foram apresentadas duas principais respostas para a confusão. Para a assinatura de Dilma e a entrega errada: todo ser humano falha. "Ops". Para os temas tratados (retirados) e para o tom do programa: o documento ainda está sendo debatido, e precisa ser arrumado conforme as posições de PC do B, PDT, PRB, PSC, PSB, PTC, PTN, PR e PMDB.

Como assim, cara-pálida?! A primeira desculpa não é importante, pois tanto ela não é novidade (independente da ingenuidade do leitor, acredito que tenha assistido pelo menos à última demonstração desse conhecido tipo de descaso, a matéria do CQC em que Mônica Iozzi apanha por mostrar a irresponsabilidade com que se assina documentos públicos) quanto é tributária da segunda desculpa. Ainda sobre a primeira, aliás, assinar um documento sem ler não significa ignorar totalmente o que o documento diz. Basta participar do debate, da formulação, e não se estar do lado do digitador e formatador. "Todo documento deve ser lido", eu sei, mas ainda acho que se exagerou e muito essa questão para se ocultar o problema da outra, a segunda resposta. Paremos, então, para analisar esta segunda.

Dizer que o texto vai ser retrabalhado e que precisa ainda equilibrar a posição de outros nove partidos é o mesmo que dizer "o programa de campanha não é o programa de governo". Se o programa entregue agora vai ser tão alterado assim, então vamos votar nos candidatos com base em que, exatamente? Na cor de cabelo fica difícil; a estabilidade da míngua de cabelos de Serra cofronta-se com a sempre surpreendente Dilma. O carisma de ambos também é de doer, bem como o senso de humor. Eu sei que a política federal é feita do dia-a-dia, da luta entre todos os políticos que estão em Brasília e seus contatos nas diferentes regiões, o que quer dizer que um presidente, ou mesmo seu partido, querer algo não é o mesmo que isso se concretizar (ao menos não numa democracia como, dizem, o Brasil). A política é mesmo um confronto diário entre uma série de vontades administradas e comunicadas conforme regras de Estado, o que significa que um plano de governo diz menos do que "o que o governo vai fazer". Mas isso tudo NÃO significa que não importa o que o governo quer ou diz querer fazer. Se eu posso entregar um programa de governo, depois trocar, depois revisar, depois reescrever, depois debater e alterar, e assim por diante, o documento que entreguei primeiro não tem valor nenhum. Nenhum, nenhum, nenhum. Tanto que a censura, o discurso intolerante sobre posturas liberais e a taxação de fortunas são parte importantíssima da postura política do PT que atualmente chega à mídia, ou seja, dos que são tão fortes lá no partido que conseguem se manifestar publicamente. Tirar isso de discussão do programa de governo, agora que se sabe que estava lá, numa versão praticamente finalizada, é gritar aos sete ventos que não se está pondo em pauta os temas que hoje definiriam uma reforma enorme no país e na discussão a respeito de como o Brasil deve ser governado para se tornar justo. É publicamente fugir da raia.

E por que estaria eu dando parabéns também ao pessoal do Serra, se foi o PT que escrachou que programas de governo nada significam, e que tal fato é aceito institucionalmente? Porque o Serra só atacou publicamente a gafe de se assinar o documento não lido, ainda que refira em algum momento certas propostas presentes no programa entregue na primeira vez. Ora, isso não foi só uma gafe, o maior problema não foi ela não ter lido! Dizer "Bah, que mancada, hein?" não é a reação adequada ao que aconteceu. Isso foi expor na mídia toda que o programa apresentado por um candidato é uma peça de campanha e só. Sei que vivemos hipocritamente como se a política não fosse tão corrupta como de fato achamos, e geralmente ressurge o discurso de que é preciso tentar fazer tudo direito, que dizer simplesmente que o Planalto Central é um amontoado de merda no centro do país é uma postura que não constrói nem resolve nada, mas, se é para tirar da cartola boa vontade política, essa possibilidade de alteração do documento é absurda, a essa altura do campeonato (até quando?). A mesma permissividade, no entanto, se estende ao Serra, que, por isso mesmo, não saiu gritando contra, apenas disse o óbvio do óbvio sobre o caso, tentando capitalizar um pouco de votos a mais em cima da questão, mas não demonstrando a indignação que impediria ele próprio de utilizar, alguma dia, a falta de responsabilidade entre "programa de campanha" e "programa de governo". A imprensa, aliás, foi na mesma direção, achando que era assunto para chistes jocosos, não para uma análise mais séria dos implícitos da situação.

A democracia brasileira é uma alucinação em massa, e eu, que gosto de arte e literatura, estou geralmente disposto a sonhar com meus conterrâneos, mas fica mais e mais difícil de participar desse escapismo chamado eleição quando meu humilde projeto de tese de Literatura conheceu limites éticos institucionais, e o programa de governo dos candidatos, não.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Liberdade provisória e a Lei de Talião

Não sendo profissional de Direito, sinto-me livre para definir "liberdade provisória" como a condicional no início do encarceramento, enquanto a condicional com que estamos popularmente acostumados ocorre após o indivíduo passar um certo tempo na prisão.

Quando parece ao juiz que o detido agiu por necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal, este deve ser solto, ficando em liberdade provisória. Ou seja, ele fez algo que não devia, mas o sujeito espiritualmente de toga julgou que ele poderia vir a ser inocentado. Melhor soltar. Mas é só por um tempo, enquanto não se sabe bem o que aconteceu. Obviamente, isso é uma forma de se manter a ideia de que ninguém é culpado até que se prove o contrário. Se o juiz não sabe bem se alguém roubou um pão, por exemplo, ou se matou 10 pessoas, talvez seja o caso de libertar a pessoa, até porque ela deve assumir o compromisso de se apresentar em caso de convocação. Bah, quem mentiria para um juiz, né? Nem o ladrão de padaria nem o genocida, que não devem ser diferenciados, pois "a lei é igual para todos".

Até ontem, por exemplo, morava um sujeito aqui no bairro que tinha, como tantos, sido agraciado com o benefício da dúvida. Tratava-se de um cara que andava de mochila rosa. Menciono o detalhe por ele ter ficado justamente famoso como o "estuprador da mochila rosa". Durante sua liberdade provisória, estuprou pelo menos cinco moradoras do bairro. Como muita gente o conhecia, havia certa vigilância voluntária, cada um fazendo a sua parte pela comunidade. Pego em flagrante pelos próprios moradores, foi surrado até a polícia chegar. A gana por que fosse preso era tanta que alguém até chamou a polícia, mas a surra tanto aliviava os moradores que a PM foi recebida com pesar, pois o espancamento não fora fatal. Com aquela libertação provisória, o sistema judicial mais uma vez motivara que a galera a mantivesse o sistema de justiça tribal. O zelo exagerado pela lei sempre dando espaço para a lei do povo se manifestar com toda a fúria e pragmatismo.

A prisão foi efetuada por policiais da 20a delegacia, mas a 18a foi acionada, pois os desta vinham investigando uma série de estupros na região, iniciados, aliás, pelo da mochila rosa ou por seu precursor justamente atrás da 18a. a investigação, infelizmente, não havia andado em nada significativo ao longo de meses, tanto que foram moradores que pegaram o sujeito no flagra. Porém, como eu disse, a polícia chegou durante a surra, não o prendendo em flagrante. Será que uma turba raivosa de moradores é confiável? Será que o juiz não vai temer que inocentem o preso em seguida, afirmando-se que foi um caso de preconceito contra homens usando rosa? Na verdade, pelo teor do crime, ele não deveria (nada é impossível) se beneficiar com "liberdade provisória", pelo conceito desse direito, mas será, enfim, que quem confiou nele na primeira vez vai sofrer alguma consequência pelos cinco ou mais estupros ocorridos desde então?

Devil Inside

Ontem eu fiquei fazendo um trabalho burocrático que me custou seis horas, durante o que ouvi várias vezes pessoas contando os detalhes a respeito do atual caso criminal em foco na mídia, o do goleiro mandante de assassinato. Pessoas que faziam o mesmo trabalho, na minha volta, queriam saber mais a respeito, e outras pessoas que também faziam a mesma coisa sabiam e queriam contar a respeito do caso. O que me chamou a atenção na situação toda, como me é típico (tanto que criei este blog), não a história, que não me interessou desde o início, mesmo porque todo mundo parecia já saber o final, mas sim a forma como a notícia era passada e que comentários provocava.

Muitos devem ter notado que grande parte das pessoas reage a essa história não se focando na criminalidade da situação, mas sim nos erros de cálculo e nas burrices cometidas pelos assassinos, do goleiro aos que executaram a moça e lidaram com os restos físicos. Volta e meia alguém começa a falar sobre como o goleiro ou os assassinos deveriam ter agido para fazer o crime direito. A violência do fato é aproveitada com o clássico masoquismo de se apreciar filmes de terror, histórias nojentas ou cenas desagradáveis. Sente-se o prazer estético do desprazer (quem curte ouvir ou saber a respeito da história) e, quando a parte mais racional da mente se atém aos fatos e revisa o ocorrido, passa-se para a correção auto-educativa: como se evitaria as burrices cometidas para se matar uma ex-amante e não se sofrer as consequências. Alguns saem pelo outro caminho: não valeu a pena, teria sido melhor pagar a pensão e aturar a mulher que, pelo jeito, o irritava muito. Ou seja, nada contra ele matar a amante, desde que a relação custo-benefício fosse melhor do que a de não a matar.

Não vou fazer comentários moralistas. Só isso me fez lembrar do "caso Isabela", em que maioria esmagadora dos brasileiros não pensou em como fazer o crime perfeito, apenas no "horror" daquele assassinato ou em "como o ser humano é, né?" Obviamente a morte de uma criança pequena pelos pais afeta mais as pessoas do que a morte de uma ex-amante por um jogador de futebol, sejam quais forem as práticas para se lidar com o corpo desta e as relações com traficantes que o jogador tenha. É bem sabido que ninguém crê, no fundo, que toda vida seja igualmente sagrada, e as idealizações que a infância nos provoca são bem diferentes da ameaça a nosso narcisismo que amantes em geral provocam, ainda que haja espaço para certa empatia pela moça: pelo gênero, evoca facilmente o tabu moderno sobre a violência contra a mulher e pode lembrar as pessoas, às vezes, de que elas "deveriam" achar todas as vidas igualmente sagradas.

Com tudo isso, essa morte, no fim, permite uma série de prazeres. Há o prazer da fofoca, a morte de mais uma mulher que buscava o dinheiro de um jogador (tipo social bastante odiado, particularmente por mulheres), a prisão a olhos vistos de um criminoso, a possibilidade de se trazer à tona uma série de assuntos de que dependem profissionalmente muitas pessoas (por exemplo, quem combate a violência contra a mulher), o prazer intelectual de se criar soluções logicamente mais eficientes e a alegria de se crer taticamente mais capaz que outra pessoa, fora o prazer masoquista, primeiramente mencionado, com coisas nojentas e violentas. Tanto prazer, porém, termina por enfraquecer a história, midiaticamente. Não se pode explorar o caso com a mesma força sensacionalista. A vítima não evoca "pureza" (pelo contrário), a diversão do público com o caso não permite a mesma posição moralista, e a coisa toda soa menos patológica, mais como uma manifestação exagerada de um caminho possível culturalmente. É uma manifestação cultural exagerada e anacrônica, mas mais familiar, particularmente se comparada a se matar a própria filha.

Enfim, em comparação com o "caso Isabela", sente-se bem que a história é mais rica, suas ambivalências não são aplainadas por tanto moralismo, e, por isso, as notícias têm cores realistas, as reações das pessoas à história são mais ambivalentes, ricas, complexas, e assim, necessariamente menos hipócritas. Não estou dizendo que "somos tão maus quanto o (goleiro) Bruno." Estou dizendo que, além de termos mais motivos que ele para conter essa óbvia "maldade" que nos acompanha, parece que muito mais gente se sente segura, nesse caso, para não fazer de conta que é MUITO melhor que ele.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cause I don't Want to Grow Up!

Sobre o desestímulo a que se cresça economicamente, incluindo o link que é indicado no fim do texto.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Usando o conhecimento prévio

[Busquei água, azeite e manteiga.]

- Pessoal, por que que tem vírgula entre "água" e "azeite"?

- Porque não mistura!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Viva a derrota!

Nunca fiz uma análise muito detida do jornalismo das décadas de 1950 a 1960, mas, por tudo que se narra e pelo que aprendemos em História ou vemos em documentários, parece-me que a imprensa mudou radicalmente sua postura frente às seleções nacionais. Ambas as posturas são características de nossos torcedores, mas a imprensa era antes daqueles que torcem, empurram, apoiam, querem o título e o melhor para os jogadores e o técnico. Agora, os jornalistas encarnaram o aspecto dos torcedores que se quer especialista em futebol. Todo mundo é chamado a argumentar como autoridade e, nisso, preferem malhar e urubuzar tudo que podem, acumulando tantos comentários maldosos e mal embasados ou infantis que não podem ser compensados por torcerem na hora do jogo. Aliás, durante o próprio jogo as críticas constantes denotam que os jornalistas não são mais narradores nem cronistas de futebol, mas críticos escolados no senso comum e na observação que qualquer pessoa que curte futebol consegue fazer. Os jogadores e árbitros convidados, claro, mais ou menos balançam essa má-vontade e essa petulância, mas não é suficiente para inverter o tom geral das notícias que acompanham a preparação para a Copa.

Quando a seleção perde, no entanto, surge o apoio. Surge o carinho, a valorização! Mesmo Dunga recebeu abraços e beijos, bem como palavras medidas e ponderadas na imprensa, agora que perdeu. O que aconteceu entre aquele primeiro bloco de vitórias e as Copas dos anos 1990 em diante?

Tudo mudou, é claro, mas, para me ater ao futebol, parece que a onda de derrotas deu confiança aos urubus. Eles xingavam, mais e mais, e o Brasil perdia. Ora, eles só podiam ter razão. Suas críticas só podiam ser fundamentadas. Mais do que isso, deve ter havido alguma mudança no ibope, que pelo menos favoreceu, ou pareceu favorecer, críticos que metralhavam a seleção de cima abaixo antes de o time embarcar. Seja como for, o xingamento ganhou espaço, e a imprensa que apoiava e torcia pela seleção, deixando para criticar se perdêssemos, virou a que critica para depois apoiar, caso percamos. Não acho que é o caso de se apedrejar a seleção que perde, mas também não fingi que a apedrejaria enquanto estavam se esforçando para vencer.

Considerando-se que ganhamos três de quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1970) e que tínhamos Pelé, obviamente criou-se a ilusão de que nosso futebol é o melhor do mundo, que somos o país do futebol, como a Itália é o da massa e os EUA são o da democracia. Ingleses, mesopotâmicos e gregos inventaram essas ideias? Grande coisa! Nós concretizamos o potencial de suas criações como nunca antes se tinha visto.

Mas já se foram os dias de Pelé, de Washington ou dos superinventivos cozinheiros italianos. Surfamos na onda de personalidades que marcaram nossas culturas, e a distância do passado glorioso não deixou de criar a mágoa de um discurso ao mesmo tempo triunfalista e ressentido, pronto a proteger na derrota para acalentar o sofrimento e não deixar que ele mine discursos heroicos, que devem permanecer vivos, a fim de que cada povo possa viver no mito de sua nação.

Limites saudáveis da saúde

"Quem não perde a razão em certas circunstâncias não tem nenhuma razão a perder."

in: Emilia Galotti - Schelling

domingo, 4 de julho de 2010

Em tempo

Quase deixei passar! Zero Hora de domingo, manchete sobre Gabriela Duarte: "Mais que um rosto bonito em Passione"

Fora da Passione, ela continua só um rosto bonito? Peraí, ela foi um rostinho bonito?

Cor nacional

Uma visão mais convincente da chegada da Seleção no Brasil.

Faísca atrasada: as reações de professores e prefeitura contra a violência nas escolas

Como comentei há uma semana, o assassinato de uma professora na saída de um colégio do meu bairro gerou algumas reações atípicas em comparação com os roubos e latrocínios costumeiros da região. Na verdade, o que comentei foi apenas o início de uma cadeia de resultados curiosos. Tendo ocorrido na sexta-feira, na frente de centenas de pessoas e de uma equipe de TV que filmava qualquer coisa na escola, a tentativa frustrada de assalto não foi incompetente o suficiente para que os policiais prendessem os reconhecidos crimonosos. Primeiro prenderam uma dupla errada de suspeitos, no domingo e na segunda, até que o caminho correto lhes foi apontado e um dos verdadeiros assaltantes praticamente se entregou, apresentando a arma utilizada para matar a professora. Observe-se que os garotos, ambos menores, não foram exatamente fugitivos discretos, tendo tentado assaltar um casal, ainda naquela sexta-feira, e tendo falhado de novo, mas não ocasionando mortes desta vez.

Na segunda-feira, a escola onde ocorrera o fato não abriu, um dia de luto; e uma escola literalmente no outro extremo da cidade fechou as portas indefinidamente. Conforme a diretora, a violência dos alunos estava demais: o consumo de drogas ilícitas era costume diário e generalizado, e poucos alunos não iam para as salas de aula armados.

E precisou uma professora morrer do outro lado da cidade para ela achar que essa violência era excessiva?! Só vamos descobrir que seus alunos comiam merenda estragada quando alguém vomitar em Alvorada?

Já a escola vizinha à que ficou de luto decidiu fazer uma visita prestando seu apoio e seus pêsames, mas deixaram para a tarde em que tinha jogo do Brasil. A escola não tem nenhum professor homem (ou um, a averiguar) e, pelo jeito, nenhuma das moças gosta de futebol. Viram então a possibilidade de se resolver dois problemas de uma só vez: oferecer ajuda logo após a morte da professora poderia ser um pouco mórbido, desagradável; assistir ao jogo com o maridão e os filhos ia ser aquela mesmice de sempre. Seus problemas acabaram: assassinatos geram oportunidades para expressar calor humano e compaixão. Nada melhor que a capacidade de ser altruísta e compadecido aproveitando ao máximo a agenda da semana.

Mas a mais bizarra consequência disso tudo foi a decisão de que uma dupla de policiais ficaria do lado de fora de cada escola nas entradas e saídas dos alunos. O primeiro mérito dessa decisão é cumprir a meta da polícia de chegar sempre tarde demais. Agora eles protegeriam as escolas, já que obviamente nenhum assaltante vai querer cometer os erros bem noticiados daqueles amadores: assaltar numa situação difícil de pegar o carro, abordando a pessoa na saída para uma rua movimentada, com centenas de testemunhas na volta, ou seja, numa saída de alunos da escola. O segundo mérito foi a presença simbólica de não uma, mas duas duplas de policiais na escola em que a tentativa de assalto aconteceu. Onde é menos provável que a burrada se repita, a guarda deve ser dobrada.

Essas duplas de policiais, pior ainda, quebram a estética do bairro. Sabe-se há séculos que o fundamento de nosso senso estético está associado a experiências agradáveis e costumeiras que tivemos nos primeiros anos, então acho que minha reação negativa aos policiais se deve em parte a eu nunca os ver por aqui, nem mesmo quando eu era pequeno e, dizem, o mundo era melhor. Fora essa presença estranha, sua indumentária quebra algumas tradições do bairro. Não usam tênis supercaros. Ora, aqui só se adquire tênis de formas bastante específicas. Ou eles são comprados por preços exorbitantes, exigindo sacrifícios nas compras de coisas bem mais essenciais, ou são roubados, ou ainda são comprados daquelas pessoas que revendem calçados roubados na Rua da Praia e no Terminal Parobé, pertinho da prefeitura. Além disso, os policiais andam sempre calmos e eretos, quando o gingado é a forma correta de se proteger a coluna contra calçadas destruídas e terrenos baldios. Porém o maior pecado é, definitavamente, a ostentação de suas armas na cintura. Ninguém os avisou que, no Jardim Leopoldina, arma é um acessório que vai "disfarçado" dentro da mochila?!

Felizmente, esse insulto estético logo acabou. Nem uma semana se passou do crime e, claro, os policiais já tinham sumido do bairro, deixando todos em paz novamente. Bem, não em paz exatamente.

Copa, Rock e Gol

Chega de porem a culpa na Jabulani. Está na hora de a imprensa internacional lembrar de um Paulo Bonfá ou Marco Bianchi e perguntar "A bola ser redonda atrapalhou muito?"

Cruzado na África

Não adianta crer em Deus, tem que fazer gols.

sábado, 3 de julho de 2010

O jeitinho escatológico de se fazer política

Já falei as piores coisas sobre a reforma ortográfica oficializada em 2008, inclusive comentando que todo mundo parece pensar, como eu, que essa porcaria nunca deveria ter nascido. Hoje mesmo falei super rápido a regra de acento de "i" e "u" em hiato, com direito aos mínimos detalhes, causando um estouro de risos em mim e nos alunos, porque parecia que eu tinha contado uma piada. A reforma não teve sentido e não afetou nenhum país, de verdade, a não ser o Brasil. O critério de "unificar" as grafias, portanto, já foi por água abaixo, e ainda nem saímos da época de "adaptação" das novas regras.

Isso posto, não quis dizer em nenhum momento que o Brasil deveria voltar atrás. É tarde demais. O mesmo que vale como a principal crítica à reforma vale para a contra-reforma: "Escrita é um sistema arbitrário!" e "O que vão fazer agora? Reeditar todas as gramáticas e dicionários?!" Rola um movimento aí para que se retome as leis antigas. Melhores que as atuais? De forma alguma! Alguns acentos ficaram mais complicados, mas outros se foram, e a atual regra de hífens é melhor, excetuando uma bobagem relativa apenas a radicais de origem tupi, mas nenhum governo mexe na língua oficial de seu país sem fazer uma politicagem baseada na ignorância. Voltar às antigas leis gramaticais não será adotar um sistema mais lógico, será apenas acatar uma incoerência mais familiar.

Arbitrário por arbitrário, a única forma de qualquer um dos sistemas funcionar é promover a educação, que, se for apoiada de forma eficiente, ensinará as regras que forem. O que é necessário é educação e tempo. É ridículo que o Brasil tenha mudado de grafia tantas vezes apenas no século XX, como se isso fosse o ajudar contra o analfabetismo. Não se pensou, parece, em se garantir que mais pessoas tivessem acesso à regra, seja qual fosse. Mas MUITO PIOR que todas essas mudanças seria dizer que a última fica válida apenas por 3 anos. Vão todas as gramáticas e dicionários serem vendidos de novo, lucro para as editoras (o maior consumo de gramáticas e dicionários, creio, vem de escolas e editoras, que não podem simplesmente "voltar aos livros antigos", pois não possuem depósitos para todo material técnico e didático que é ultrapassado e não teriam por que ter imaginado uma contra-reforma dessas tão imediata), e o descrédito generalizado dominará um país que, como está, já não dá valor ao que escreve ou ao que lê. Ninguém lembra de quando era pequeno e algum amigo chato vivia mudando as regras de um jogo? Alguém lhe dava ouvidos? Que tal aprender uma acentuação no fundamental, aprender a nova no ensino médio e aplicar a antiga na faculdade?

A merda está feita. Por que tem sempre um para catar na privada e tentar digerir de novo? O resultado não vai ser diferente desta vez.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Terminaram as férias

O Brasil saiu da Copa, ou seja, tchau programação diferente (infinitamente melhor que a usual, mesmo para quem não gosta de futebol, como eu), tchau cores do Brasil enfeitando os lugares, tchau horários de trabalho e estudo dinâmicos e variados. Voltamos à sonífera regularidade de horários e programação e à decoração clean/McDonald's dos restaurantes que não sejam temáticos. A campanha e sua retórica milenar voltam a dominar os jornais, e leis ridículas perdem um pouco do terreno para passarem desapercebidas pelo público.

Infelizmente, no país do futebol, a Copa não deixa de ser assunto, de modo que o xingamento do Dunga (ou de quem quiserem culpar) vai dominar os próximos quatro anos, em vez de a valorização hipócrita de sua estabilidade e segurança. Primeiro um estrondo de críticas e de gente tentado escalpelar a perda para valorar suas próprias manias e crenças, depois o paulatino enfraquecimento dessas reclamações, tornadas meros temas para quebrar o gelo em situações de convívio forçado. Enfim, a Copa acaba para virar incomodação de pé de página em vez de orgulho nacionalista. De qualquer forma, suas benesses ficam para trás a partir de hoje, seus dejetos nos acompanharão até, quem sabe, 2014.

O fim da Bolsa nos Bolsa-Qualquer-Coisa

Ainda considero que o maior problema do sistema de assistência atual, que tenta pagar aos alunos pobres que estudam, seja em que modalidade de programa for e como quiserem chamar os "pobres", é a mensagem que isso passa, não o gasto público envolvido nem a "compra de votos" que isso implicaria.

Quanto ao gasto público, já está bem demonstrado que é possível fazê-lo sem acabar com a grana do país, e a cobrança abusiva de impostos do Brasil reduplicaria quaisquer argumentos econômicos que comprovem essa possibilidade. Yes, we can.

A compra de votos não é nem um mal exclusivo do sistema de bolsas nem funciona como geralmente é representada. Isso pode até ser viável em outros estados (não sei como), mas, no Rio Grande do Sul, como a organização dessas bolsas e a competência dos empregados do governo deixa a desejar a olhos vistos, qualquer pessoa que dependa da bolsa conhece uma série de problemas na organização desse sistema e, se o aluno não sofre com eles, vê amigos e colegas sofrendo. Além disso, a mínima escorregada dos políticos, mesmo que aparente, é imediatamente interpretada de acordo com nossa politicofobia nacional, que acredita que toda pessoa que faz parte de um partido é corrupto e sem-vergonha. Ou seja, um problema no sistema de computadores que administra as bolsas logo é visto como falcatrua de algum político (genérico).

Aquele candidato ou político estabelecido que fosse lá e, por um dia, tirasse umas fotos com os beneficiados seria antes metralhado por perguntas, críticas ou tijolaços. Neste caso as fotos de campanha não registram, naqueles elas fortuitamente não registram as palavras nem os pensamentos dos beneficiados. Votos podem parecer ser comprados assim, mas o sistema de bolsas, pelo que vejo, só funciona como propaganda na verdade se o político envolvido já é preferido por outros motivos bem mais fortes ou se consegue convencer as pessoas de que a bolsa é uma melhoria em relação à situação anterior, argumentação que é apresentada antes à sociedade que especificamente àquele grupo. Caso resolva argumentar isso na campanha, o político necessariamente constrói algumas mentiras para aparar as arestas, mentiras que são captadas por quem conhece o programa, ou seja, quem seria "comprado" pela bolsa.

Outra coisa que deveria deixar de ser subestimada é que o beneficiado também pode mentir, e bem. As pessoas que dependem dessas bolsas também sabem aparentar que concordam com o político e com o programa mesmo quando nem estão ouvindo do que se fala, simplesmente para continuar lucrando numa boa (apesar de que também atacam com uma franqueza absolutamente imprevista e "inadequada"). Um dos preconceitos atuais mais curiosos, inconsciente como todo verdadeiro preconceito, é o que faz todo mundo esquecer que pobres mentem tão bem quanto os ricos, apenas por motivos um pouco diferentes e com mínimas adaptações de estilo. Se essa compra funciona em outros estados, não sei como, mas só acreditaria na versão de alguém que acompanhe o processo muito de perto.

O que essas bolsas educam, por outro lado, para pessoas que não tenham uma forte cultura contrária às posturas que vou comentar, já é um problema mais grave. Imediatamente o aluno entende que merece ganhar dinheiro por estudar. Portanto seu estudo é imediatamente submetido a um fator alheio, não ao consequente conhecimento que seria alcançado nem aos usos desse conhecimento. Ao mesmo tempo, os problemas de recebimento de bolsa são interpretados como uma violência direta, não a um direito relativo ao programa, mas a um direito inalienável do ser humano, o de receber para estar na escola. Essas questões de recebimento também reforçam que políticos não prestam, pois a falha é entendida como se alguém estivesse roubando seu dinheiro (políticos estão sempre desviando, portanto a possibilidade de que haja um problema estrutural qualquer, que pode ser resolvido, não lhes ocorre). Tirando o pequeno grupo que foi apesar da bolsa, que nem vai correndo tirar o dinheiro na conta especial quando ele chega (os que estão ali valorizando ao máximo o diploma), os outros logo se confundem num grupo só: os que foram também pelo dinheiro, mas que valorizam o diploma, tendem a se confundir com os que foram apenas pelo dinheiro, reforçados ideologicamente pelos que dependem da bolsa para chegar à escola e voltar.

Tudo que acontece depende, então, da bolsa, o valor da nota dos trabalhos e das provas vira o argumento mais fraco, estando totalmente subordinado a "se fizer isso, vou receber, ou não?" Os salários dos professores são interpretados como bolsas, arrasando com os sentidos que estas teriam conforme a ideologia mestra da assistência social. Paulatinamente, a bolsa vira um sistema de vingança social, exigida pelos alunos porque os políticos estão sempre roubando (e não porque eles estão ali, estudando como deveriam - os que estão). Desde o início surgem os alunos que querem fazer vários acordos para receber sem cumprir totalmente os pré-requisitos do curso, e, como esses sistemas de serviço raramente (ou nunca) funcionam adequadamente, como a política depende dessa arrumação de acordos a cada situação específica e como um programa que tenta resgatar gente que vive parcialmente fora do alcance do Estado não funciona agindo como se todas as leis do Estado se aplicassem in loco, esses pequenos acordos tendem a acontecer. Refiro-me aqui a micromudanças, argumentativamente necessárias, mas que geram uma bola de neve retórica: abrem o precedente da exceção.

Como em qualquer caso de defesa da própria causa, todos os alunos vão se achar na razão de arregaçar essa exceção até que começam a exigir a bolsa com o descumprimento dos maiores requisitos. Fato importante, mesmo que não precisem, alguns beneficiados tentam fazer isso logo de início, e às vezes passam a mentir que conseguiram, mesmo que não tenham tido êxito algum ou que precisem distorcer um acordo que, na verdade, não envolve mudar as regras, apenas usar outras que a média dos beneficiados não conhecia. Esses corruptos são bastante raros, mas geram a difícil luta para que uma mentira não se espalhe, sendo que os professores administradores têm ainda de descobrir que ela está correndo. Observe-se também como esse comportamento está longe de ser restrito a alguma classe social.

Por todas essas vias, o assistencialismo tenta dominar as relações, mesmo que nenhum político faça tramoia alguma nem tire qualquer lucro eleitoral. É óbvio que essas duas distorções políticas não podem ser descartadas, e equivalem a jogar gasolina em incêndio, mas, mesmo sem um político para piorar a situação, o incêndio já está lá. De fato, a distorção da bolsa se torna tão poderosa que uma das coisas que mais irrita os beneficiados é não receber por não cumprirem algo que era exigido deles como pré-requisito mínimo. Eles se sentem tão roubados em não receber o benefício direito, ou algum outro elemento prometido e não cumprido - que sempre há -, que uma falha deles próprios os incendeia com mais força contra os pré-requisitos sem os quais a bolsa seria assistencialismo escancarado.

Essa bolsa, distorcida, tornada carro-chefe de todos os elementos estruturais do programa, passa a mandar também na evasão. Ou seja, aquilo que seria uma ajuda de custos para manter o aluno estudando e indo na escola, além de atraí-lo para os estudos, termina por comandar seu abandono escolar. Aliás, caso o beneficiado tenha dificuldade em cumprir as exigências do programa, a representação disso na falta da bolsa, que outros conseguiram receber, reforça sua angústia, rebaixa ainda mais sua auto-estima institucional e tende a fazê-lo abandonar o programa, não a tentar mudar a situação para conseguir receber o dinheiro. Eu concordo que tudo que escrevi neste parágrafo forma, em geral, desculpas de pessoas que racionalizam o próprio abandono, a própria falta de vontade para estar ali, mas mudar esse tipo de racionalização, essa cultura, faz parte do objetivo desses programas. Uma das razões de existirem bolsas-qualquer-coisa é que os beneficiados aprendam e queiram participar do Estado, procurem argumentos para fazer parte dele, não para abandoná-lo de vez, e a bolsa não ajuda nesse sentido. Ela não contribui para que ninguém pense que vale a pena ter uma relação com a institucionalidade, a legalidade ou, pelo menos, a educação. Os prazos cada vez mais curtos para que se dê um diploma no Brasil não deixam de afetar esses programas e também não ajudam para que se mude essa cultura contrária à educação.

Enfim, por que a bolsa? Ela atrai bastante gente, sim, o que serve para que partidos digam que fizeram isso e isso, beneficiando tantas mil pessoas, mas isso é apenas mentira. Porque milhares de pessoas vêm atrás de uma bolsa, não é verdade que mais de 200 tenham resistido aos pré-requisitos por mais que três meses, e as dezenas que concluem, se o programa é levado de forma honesta, são pessoas que não estão (ou aprenderam a não estar) ali por causa do dinheiro. Às vezes eles até pensam que dependem, e a bolsa pode garantir-lhes certa dignidade, mas elas dão um jeito se o dinheiro não vem, logo (por mais que eu valorize dignidade), elas seguem estudando porque querem algo além da bolsa (ainda que não saibam disso).

Acredito que seria o caso de se oferecer um programa com todos os benefícios, menos com a bolsa, como um experimento para se saber se, a médio prazo, o número de pessoas beneficiadas e o lucro cultural não são maiores. Se isso não atrairia mais as pessoas que querem um diploma ou conhecimento, capazes de aguentar o tranco pelo estudo. Outro benefício diria respeito às pessoas não frequentam esses programas por medo de outras que frequentam. Talvez a bolsa esteja atraindo mais quem faz menos por merecer. Por outro lado, sou a favor da ideia de que é melhor a pessoa receber um pouquinho para estudar do que receber um pouquinho por um trabalho irregular que não lhe permite futuro algum, então não acho que o sistema de bolsas deveria ser abolido ainda, considerando estritamente o contexto brasileiro.

Sei que isso afetaria diretamente um argumento que se apresenta às vezes, o de se aquecer a economia por essas pequenas chaminhas entre muitos trabalhadores e famílias pobres, em vez de tentar deixar poucos ricos mais ricos; o que não sei é o efeito que isso realmente tem. Até onde posso ver, o maior resultado da bolsa não é fomentar o consumo, mas o consumismo, o que também é bom no sentido econômico, apesar dos pesares culturais. De qualquer forma, seria interessante um programa que tentasse mostrar, ideológica e estruturalmente, que a educação não permite se ganhar mais com a mesma vida que sempre se teve, mas sim com mais esforço, um tipo diferente de esforço, que é mais valorizado socialmente, mas que não envolve deitar nas cordas ou ganhar cada vez mais fazendo menos, postura a que se tenta adequar o sistema de bolsa e que se tenta repetir depois que o programa acaba.

Apenas para ser bem claro: as bolsas são distorcidas para obedecer uma lógica de favoritismo e assistencialismo de modo que o estudo seja o de menos em programas de ensino. A supressão da bolsa, com a manutenção dos outros benefícios, poderia dar espaço para que os professores trabalhassem o estudo e o conhecimento como valores sem que a própria estrutura do programa provocasse a sensação contrária. Pelo que vejo, o estudo só funciona (o conhecimento só fica) se serve de abertura a um mundo diferente do que se conhece, o que inclui as relações sociais a que temos acesso. Como as coisas estão, a bolsa, em vez de ser um empurrão nesse sentido, termina por ser uma âncora cultural para que o pobre siga (também culturalmente) exatamente onde está, mas figure melhor nas estatísticas e sirva para propaganda eleitoral - atualmente, mesmo para candidatos opositores.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mundo de Beakman

Fato rápido: em Três Passos (extremo norte do RS, puxando para a Argentina, não para SC), menores de 14 anos não podem ir a eventos noturnos em bares, clubes e boates. Proíbe-se legalmente, ainda, que jovens que tenham entre 15 e 18 anos saiam à noite a menos que estejam acompanhados de um responsável ou portem uma autorização dos pais autenticada em cartório!

Para você, homem...

... Actívio!