segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O espírito da boa-vida

Quebrando o jejum de fim de ano, preciso publicar esta frase, grande definição ambivalente para férias, recessos ou descansos:

"Eu adoro esse nosso mundinho de pernas pro ar."

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Frase do dia

"Até 2011!"

Continuidade e coerência na Câmara Municipal

Lembram da algazarra referida no post sobre o IPE e a fundação pública de direito privado (segunda-feira) que serviria para atender a famílias (considerado ilegal em seu equivalente federal, mas tentado aqui assim mesmo)? Lembram que a data, para a continuação da discussão, informada na hora era quarta, mas o site da Câmara Municipal de Porto Alegre indicava quinta?

Pois bem: "A Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, na sessão desta quarta-feira (22/12), o requerimento do vereador João Antônio Dib (PP) para a votação, em regime de urgência, do projeto que cria o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf)."

E o IPE? Ficou para ser votado no dia 30 de dezembro. O que o pessoal da oposição tinha pedido? Que ambos os projetos fossem considerados em debate público, o que quer dizer grande público ou, no mínimo, grupos de representação social - em oposição ao troço ser empurrado rapidinho enquanto ninguém está olhando. Votar o instituto dois dias depois de uma manifestação daquelas e o IPE em 30 de dezembro gritam "debate público", vocês não acham?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Nós na quadra - e o mundo de pernas para o ar

"Peguem a bola e joguem futebol."

O famoso resumo maldoso do que seria uma aula de Educação Física há algum tempo me atraía - para fazer na minha aula mesmo (Port/Lit/Red). Aqueles seres humanos que mal entraram na adolescência têm tanta vontade de se mexer simplesmente por fazê-lo (ou só não enxergam como seria uma existência sem movimentos bruscos e constantes) que eu vivia pensando em formas de adotar isso em Português ou simplesmente armar um esquema que me permitisse largar a frase acima e deixá-los só se mexer, um dia sem textos ou mesmo pensamento sobre linguagem nem no horizonte mais distante. Nada de reler o jogo como uma atividade estruturada ("indicando uma sintaxe") nem de pensar que ali também comunicação é fundamental. Não! Joguem futebol, e vôlei, e fim (sem querer aludir, por "fim", à estrutura narrativa).

Hoje pude realizar essa vontade. Na verdade, meu alívio foi tanto por tudo ter dado certo para isso que eu não falei nada. Joguei as bolas de cada jogo de longe, para que chegassem ainda antes de mim, e eles imediatamente começaram a se organizar.

Infelizmente, como não poderia deixar de ser, a coisa não foi tão simples. Não permitir que certas atividades paralelas fossem realizadas (sendo que eu, diferente de um professor de Ed. Física, nem precisava insistir para que todos realmente jogassem, deixando uma gurias ouvir suas musiquinhas e falar sobre as últimas incríveis novidades), fazer os chatos respeitarem regras e brigar com os alunos de outras turmas que resolveram aproveitar o clima de licenciosidade do fim das aulas para atrapalhar o jogo dos menores, todas foram incomodações suficientes para eu confiar que não curtiria dar essa aula de verdade, ainda que tenha a vantagem de ser uma matéria que envolve tanto exercício e agitação. Fazer os alunos assim soltos pensarem sobre determinadas regras e atividades diferentes, conter os pedidos insistentes por futebol ao longo do ano todo e motivar as lesmas crônicas... não deve ser fácil.

Mas não adianta: foi ótimo fechar o ano podendo (contra as minhas suspeitas) realizar finalmente essa ambição.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Business as usual in POA

Fernanda Melchionna (PSOL) - Eu queria pedir que o presidente da mesa pedisse aos seguranças respeito às pessoas lá atrás, que estão apenas se manifestando.

Nelcir Tessaro (PTB) - Justamente, a vereadora Fernanda Melchionna pede que as pessoas lá atrás tenham respeito pelos presentes e parem com as manifestações.

Microfone da Fernanda fica mudo.

Adoraria poder postar as palavras perfeitas aqui, mas reproduzo de cabeça. De qualquer forma, a inversão acima ocorreu e pareceu resumir como se levou a tarde de hoje na Câmara Municipal de Porto Alegre. Havia interesse hoje que fosse votado, após alguns séculos de pedidos de professores, que o IPE também beneficiasse os professores municipais. Isso atraiu mais gente à Câmara, bem como o pedido de uma CPI que enfim saía, depois de se ter conseguido arrastar sua verificação ao longo de todo o 2010. 

A votação do IPE ficou atrelada a uma proposta de fundação pública de direito privado na Saúde. O que se disputa, nesse caso, como sempre, é se isso não viola o dever do Estado de cuidar da saúde de seus cidadãos. A CPI tinha por objetivo investigar desvios na Secretaria de Saúde. Vê-se bem que tudo se cruzava. Complicando o pedido de CPI, surgiu uma picuinha, trazida por um "à parte" (não lembro bem de quem do PSDB), mas logo defendida por João Dib (PP), sobre uma assinatura. Tudo isso ainda que nada pudesse ser feito, pois, como informou logo de início Mauro Pinheiro (PT), que recebeu o pedido de CPI, a Câmara só podia pegar e encaminhar o processo para ser julgado em instância adequada. Mesmo assim o pessoal curtiu gastar tempo debatendo se uma das doze assinaturas era válida, o que de fato era, conforme os motivos levantados logo na primeira vez em que incomodaram com isso, tudo agravado pela discussão ser inútil, já que, como de início se informara, nada poderia ser usado para anular o pedido naquele momento: só estava sendo encaminhado...

Para piorar os ânimos, Reginaldo Pujol (DEM) encarnou a mais ancestral demagogia, falando de seu interesse em votar pela vantagem do cidadão, mas indicando que a votação favorável ao IPE destruiria o Hospital Porto Alegre, responsável por cuidar da saúde dos funcionários municipais (ainda que seja incapaz de fazê-lo e todo mundo saiba disso - ah! e além de isso não ser a consequência necessária). Seu discurso conseguiu (o que em si é triste, pois denota a burrice geral nessas lutas por interesses diretos) virar parte dos servidores municipais contra outros.

Pujol foi vaiado e ouviu de tudo num pronunciamento que deveria durar 15 min, mas passou dos 30 com certeza. Isso porque o relógio precisava ser parado de tempos em tempos por gritos e protestos. O que acontece é que, desde que a questão da saúde fora primeiro levantada, 6 pessoas se manifestavam no fundo da "plateia" da Câmara. Os seguranças iam e vinham e houve todo tipo de discurso sobre democracia e liberdade. Conforme as questões acima se desenrolavam com discursos animados e distorções retóricas "vazias", a manifestação dos seis já era a de toda uma ala do salão. Basicamente, todo mundo foi sentindo pra onde a merda ia, e começou a vaiar ou criticar quem colocava em termos IPE vs. HPOA ou quem defendia que a iniciativa privada faria maravilhas pela saúde da população carente. É bem verdade que Pujol também piorou a situação se fazendo de santo e de sensível em seu pronunciamento (no sentido literal dos termos).

Entre os pronunciamentos dos vereadores, foram ganhando mais e mais apoiadores os gritos contra a terceirização de serviços da Fundação, a favor da CPI e em defesa do IPE, até que o lugar virou um senado romano: todo o mundo sentado à esquerda de quem entra na sala gritava contra certos vereadores e determinadas medidas, todo o mundo sentado à direita (majoritariamente servidores do Hospital Porto Alegre) gritava contra quem estava à esquerda. As diferentes propostas se agregaram em duas posição que rejeitavam ou apoiavam um bloco de medidas.

No fim, não aconteceu nada de muito terrível, e a votação sobre a Fundação ficou para quarta-feira, ou quinta (o site informa diferente do que foi dito na hora). A CPI estava encaminhada e o próximo passo no drama do IPE é um mistério.

Foi com isso que se acalmaram os ânimos gerais. Quando foram para lá, os vereadores de oposição pretendiam conseguir que se passasse "IPE e Fundação" para 2011, ou seja, que se permitisse que tais projetos fossem debatidos publicamente e não resolvidos às pressas como estavam sendo encaminhados, correndo durante as Festividades de Ano Novo, como é tradicional na política. A Câmara jogou isso para outro dia (quarta/quinta), esquivando-se assim dos manifestantes (exigindo que o pessoal - ou mais gente - se mobilize ainda na outra tarde ou, de preferência, nem "venha encher o saco e desrespeitar a casa"). O problema, enfim, não foi resolvido pelos seguranças.

Enfim, foi durante o vai-não-vai da segurança que Fernanda pediu o respeito aos manifestantes (no sentido de que eles não fossem movidos à força, não que não se pedisse silêncio), e o presidente da mesa, presidente da Câmara de Porto Alegre, inverteu as palavras dela e não permitiu que ela novamente se manifestasse. 

Estamos bem em Porto Alegre.

domingo, 19 de dezembro de 2010

OAB - Prova pra quê?

Há quantos anos se tenta derrubar o exame da OAB? Os critérios variam (e o atual de isonomia é péssimo), mas uma coisa não muda, o problema do exame: reprovar mais do que aprova. E por que isso acontece? Em parte porque ele é voltado a certo tipo de formação e não a outras? Muito provavelmente. Essas outras são melhores que a escolhida? É discutível. Existem críticas a esse tipo de formação, dizendo que alguma das "outras" seria muito melhor? Claro. Agora, quando todas essas afirmações não são verdadeiras a respeito de qualquer prova? É esse o problema do exame da OAB? Que seja uma prova?

O pecado da OAB não é metodológico, porque isso reformas resolvem (e suspender megalomaniacamente o exame da noite para o dia não é uma reforma sensata), seu pecado é estrutural: propor uma avaliação que tem exigências altas, que pode sim reprovar mais que aprovar, já que essa discrepância quer dizer que existem determinados critérios (discutíveis como quaisquer outros) e que estes critérios não podem ser dobrados apenas por uma choradeira esparrenta nem por choramingos, sem método nem validade legal (mas não significa que alguém do Estado não possa agir dentro do sistema legal para respaldar tais choramingos - e o interesse de alguém, especificamente). Toda prova pode ser reformulada ou questionada, o que é muito diferente de achar que "Pai, eu queria ter passado e não passei" vale derrubar todo um sistema. 

É extremamente ridículo e preocupante que tantas pessoas "formadas em Direito" (índice irônico da qualidade dos cursos que abundam no Brasil, o que só reforça o argumento da OAB que é preciso ter critérios para deixar essa gente agir com o poder que o Direito traz) achem no entanto que seu choramingo pessoal, reforçado pela comunidade dos tristonhos, mas não por uma crítica razoável, seja argumento para uma decisão como a do desembargador Vladimir: "Simplesmente suspende tudo porque eu descobri, depois de séculos, que a tal prova não garante isonomia" - como é que o  Haddad não pulou na imprensa e veio falar sobre a "tecnologia de ensino" dessa vez?

Tudo isso é preocupante e ridículo, como disse, mas não de se estranhar. Existem apenas dois âmbitos em que provas têm algum valor discriminatório (sua raison d'être, vamos combinar): concursos e OAB. É infinitamente mais difícil entrar numa instituição pública do que sair dela diplomado ou desfrutar da vida lá dentro, em caso de emprego. E isso por um motivo simples, não há lugar dentro das instituições públicas para todo mundo. Portanto, mesmo que se queira "auxiliar a sociedade" abraçando todo mundo, não tem como colocar todos os brasileiros dentro do Estado, econômica e fisicamente falando. As cotas tentam mitigar isso um pouco, por diversos motivos que não interessam aqui, mas mesmo assim a competitividade é necessária, de modo que a luta entre concorrentes torna a prova discriminatória.

Todas as outras "provas" brasileiras são contornáveis, por amizade ou por choramingo. As exigências do Estado em quaisquer outros âmbitos podem ser resolvidos com choro (particularmente poderoso pela vontade política de se mostrar números de aprovação e porque os níveis educacionais sempre foram tão baixos que qualquer variação mínima já parece grande coisa). O QI (Quem te Indique) resolve quando não se tem conteúdo ou valor para um emprego privado (e de alguns públicos também). No caso de cursos privados, quem paga manda, de modo que não se pode ser reprovado quando se é o cliente/chefe. Parece-me que, nesse quadro todo, prevê-se que os ricos e pobres se dirijam a seus respectivos empregos-clichê e tudo siga numa boa, com a educação de qualidade sendo adquirida das formas paralelas usuais ou por sorte e esforços isolados. Quando a competitividade e/ou o talento provoca mobilidade social, há sim conflito, geralmente muito, mas essa briga é um tanto localizada, resolvida caso a caso, às vezes de forma injusta e às vezes não.

A OAB é um grande choque nesse sistema, porque tanta gente não passa que escandaliza uma parcela violenta de pessoas que nunca viram na vida ser posta em prática uma lógica de discrimanação baseada em critérios explícitos e socialmente validados (o que não quer dizer que essa validação não seja questionada e conflituosa). Essa galera considera a coisa toda fora desse mundo, absurda, injusta. A recente discussão no MEC para que os primeiros três anos de escola não possam envolver reprovação alguma é apenas o último desenvolvimento de uma política que quer ser construtiva ignorando a inteligência das crianças, que aprendem muito mais pelo que fazemos do que pelo que dizemos. Não adianta a educação brasileira ser retoricamente criteriosa se é pragmaticamente permissiva. Todo mundo aprende: exigência é discurso, na prática todo mundo passa.

Não é à toa que a OAB enfrenta tantos problemas para manter essa prova e concursos dominam a imaginação de tantos brasileiros. Nesses dois momentos especiais tudo o que se diz sobre competição e qualidade, e que nunca foi verdade na vida do aluno, torna-se realidade, dura realidade. E o choro ou a falcatrua, que funcionaram até então, precisam funcionar agora também. Basicamente o que os proto-advogados dizem ao questionar a própria existência do exame é "o teatro da educação foi mantido até aqui, e não é agora, no limiar do meu mercado de trabalho, que vocês vão levar a farsa a sério".

A resistência a toda essa lógica parte de profissionais e alunos que se negam a aceitar a mesma, os corruptores envolvidos no próprio sistema que tentam miná-lo em nome de outro tipo de educação, ainda que devendo se dobrar a ele de tempos em tempos. Isso não muda o fato, no entanto, de que o sistema em si é aberto a quem vier (não confundir com inclusivo). O grande denominador comum, o mercado, depois se encarrega de achatar todo mundo a uma impessoalidade que deixa com o rabo entre as pernas os despreparados e sem amizades bem colocadas. O mercado, no entanto, é uma força sem centro nem rosto. A única solução é aderir apaixonada e acriticamente a bandeiras anti-burguesas (não supondo que não seja possível ter postura semelhante e senso crítico) ou usar o mercado como desculpa para discursos autocondescendentes que informam desde aproveitamentos ilícitos da assistência social até o tráfico. 

A OAB, entidade bem localizada e localizável, é por isso mesmo diferente do mercado, trata-se de um alvo que pode ser clara e diretamente atacado. Apesar de não gostar de fazer afirmações tão amplas, parece-me mesmo que a derrubada efetiva de tal exame será o passo final de uma revolução no Brasil inédita: o fim da institucionalização dos critérios. Como a norma culta, em oposição à norma padrão, a competição entre profissionais terá se tornado puramente social, ou seja, ditada por regras complexas e esquivas, geralmente de difícil percepção clara, o que dificulta infinitamente sua contestação e enfrentamento. Além disso, terá se formado um país inteiro de pessoas que esperam resolver tudo no choro ou no grito, mas nunca numa representação de que façam parte ou em que se organizem. Existe já alguém para patroná-los, o Estado ou o rico. A resistência a essa lógica restará localizada naqueles grupos que educam seriedade e dedicação, casos isolados e mitigadores de um sistema que não quer educação, e atinge esse fim não tendo critérios.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Rosto amigo de longa data

Há alguns meses sou colega de trabalho da professora que me deu aulas na quarta série, o que é muito legal porque nossa turma simplesmente adorou essa professora. E vê-la com olhos adultos de forma alguma revelou algum detalhe ou defeito que tivesse nos escapado quando crianças. Ela é competente e legal como parecia na época, dadas as devidas proporções de entendimento desses conceitos, claro.

Mas só hoje fiquei sabendo que ela, quando me deu aula, tinha a idade que eu tenho agora. Lembrei, é claro, da piazada que vejo no colégio e fiquei remoendo minha sorte de não ter de dar aula para eles adicionando a isso a ideia curiosa de que eu sinto quase um alívio por não ter de dar aula para mim mesmo naquela idade, por mais "fofinho" e "querido" que todo mundo diga que eu fosse. Não é tanto a questão estética, é que me imaginar como um daqueles seres que correm pela escola destaca o quanto me assustaria a responsabilidade de dar aula para mim mesmo. Eu não ia querer me traumatizar, nem me cercear (não na hora errada), ou me confundir, muito menos atrasar o meu desenvolvimento de qualquer forma que fosse. Eu posso ter dado muito errado... por outro lado, talvez este meu eu seja o melhor eu possível (com o que Leibniz concordaria, pelo menos), o que significaria que eu teria muita pressão sobre mim se tivesse de cometer o potencial acerto outra vez.

Felizmente eu não posso nem nunca quis dar aulas para a piazada em questão (e igualmente feliz é o fato de que a teoria acima só poderia ser comprovada às custas de perigosas experiências de física quântica, as quais não posso custear), só que não pude deixar de pensar numa coisa: se eu tenho a idade que ela tinha na época, e se eu fosse um daqueles piás de quarta que vejo na escola, em 2012 "eu" chegaria à série mais fundamental das fundamentais em que de fato leciono, a sexta. Em 2012, eu me encontraria como professor com meu eu aluno... Daqui a dois anos, eu chegaria a mim.

O que, pensando bem, não seria problema algum. Sou objetivo como professor como era como aluno. Seria legal chegar em aula e saber imediatamente que não entraria em confrontos ideológicos e metodológicos pelo menos com aquele aluno. Apesar de que eu tinha, com certeza, uma característica da idade que, como professor, devo admitir que é detestável em qualquer aluno: a narcísica e paranoica timidez adolescente, quando a questão é participar de algo que é proposto por adultos - ainda que o adolescente queira participar, no fundo. Será que eu encontraria a linguagem certa para falar (falar de verdade, e como adulto) comigo naquela idade? Seria mesmo este o melhor caminho para aprender a falar com os outros?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Diga-me com quem andas...

Só um capítulo nele é meu, mas é bom encontrar um livro com meu nome pertinho da obra do Nietzsche numa livraria.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Porque viver é contraditório

"Então ele viu a luz e subiu a escada da vida"

Da série Eufemismos imprevistos de adolescentes para matar seu protagonista.

domingo, 12 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Hitler, 11/9 e respeito (a)religioso?!

A ATEA é a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. Com certeza não usam a sigla ABAA para não serem confundidos com o ABBA. Preferiram o trocadilho que descarta de sua sigla tanto o "Associação" quanto o "Brasileira" - o que pode ser boa notícia.

Pois bem, os caras inventaram uma sandice sinceramente assustadora. Resolveram começar uma campanha em ônibus de Porto Alegre e Salvador (anunciada hoje e hoje mesmo barrada nas duas cidades - começam as apelações legais) tentando "combater o preconceito contra ateus"! Eu preciso comentar: HEIN?!

De onde poderia vir tal sandice? Ora, de onde saem todas as campanhas sociais que não fazem sentido em solo brasileiro? EUA! Na verdade, a campanha é originalmente inglesa, mas o nosso formato é o americano. Por que digo isso? Porque o próprio discurso dos defensores da campanha é O MESMO (específica e literalmente) que ganhou a grande mídia deles mais ou menos por 2007, quando uma campanha anti-clerical e anti-religiosa (baseada na argumentação de que acreditar em Deus é sempre e unicamente a mesma coisa que acreditar no BogeyMan, organizada institucionalmente com o mesmo motivo, "educar" pelo medo) engrandeceu-se ainda na onda da Guerra contra o Terror. Claro, talvez a coisa tenha até surgido antes, não posso dar certeza de algo do tipo por motivos óbvios. Já a campanha dos ônibus, que é o que começou na Inglaterra, data de 2009.

Aqui está o que estou comparando com o discurso norte-americano, a "argumentação" de Daniel Sottomaior, presidente da ATEA:

"Somos cerca de 2% dos brasileiros, ou 4 milhões de ateus. Mas muitos têm medo de se expor devido ao preconceito de amigos, chefes e familiares. Isso tem que acabar."

O que os defensores do anti-religionismo americano diziam? Exatamente as mesmas palavras com uma interessante diferença: eles computaram ser 20% da população norte-americana. Eu sei que não sou grande matemático, mas me parece ter alguma diferença significativa entre 20 e 2%. Não que alguma porcentagem da população mereça sofrer preconceito, mas, francamente, QUE preconceito ateus sofrem no Brasil? O discurso condescente de algum religioso, a pregação chata de algum crente/fantático (nada que não precise aturar de vez em quando de certos vegetarianos ou militantes), SE quiser ficar para ouvir? A ATEA tem o registro de algumas dessas manifestações "anti-ateias", frases descontextualizadas e torcidas na leitura com os melindres hipócritas usuais dos politicamente corretos. Francamente, eu odiei aquele envolvimento da religião na campanha eleitoral, mas como eles podem, tão perto daquilo, querer dizer que quem sofre preconceito são justo os ateus, os únicos que não foram xingados numa complicação que envolveu de argumentação política a "ódio aos reacionários religiosos"? Não me entendam mal: eu achei que a luta presidencial (ou "briga de travesseiros", como foi bem descrita) só piorou porque foi posta em termos religiosos, e sim a campanha anti-religiosa americana sai de uma esquerda mais à esquerda que os Democratas (deles!), única fonte de algum discurso político norte-americano com o qual sinto conseguir concordar em geral. Mas, por favor, espírito crítico, pessoal!

Não acho que eu tenha passado até aqui o que mais me irritou na campanha, que não é o problema de porcentagem nem a coisa do preconceito que não me convence, então pense-se no que se falou a favor da campanha, que ela seria pela luta contra o preconceito, e vejamos a foto abaixo:


Ao lado dessa imagem há uma foto de Chaplin, que não consegui, com a legenda "NÃO ACREDITA EM DEUS". Depois desses exemplos, como a frase "Religião não define caráter" pode compensar o jogo de imagens? Ou mesmo convencer quando o exemplo mais facilmente é lido indicando o contrário? Não parece um exemplo tão granve? Outro cartaz mostraria a imagem de um avião acertando o World Trade Center com a frase "Se Deus existe, tudo é permitido", trocadilho com a frase do "Irmãos Karamazov". Outro detalhe importante, a frase era de que tudo é permitido se Deus NÃO existe. Intertextualidade com livro que ninguém leu? Muito educativo... Quase tanto quanto resumir "religião" usando atentados terroristas!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Operário em construção

Após ouvir quatro marxistas falando por várias horas sobre pesquisa universitária, só posso dizer uma coisa: existe uma dialética entre meu emprego e meu doutorado, e o problema é que EU não sou a síntese.

Australian responsibility

Na terça eu fiz um post sobre as pessoas tomarem a responsabilidade para si daquilo que fazem e na quarta já vi um exemplo que muito me agradou exatamente disso. Infelizmente não pude publicar, mas aqui vai:

Existe um ditado de língua inglesa que eu odeio, particularmente porque reconheço como a normalização de uma retórica de encobrimento, que é "stats don't lie". É claro que a coisa se espalhou e é usada em português em geral na forma "números não mentem". Pois bem, eu vi uma defesa de um australiano em que ele chegou a subscrever o ditado (sua cultura), mas conseguiu ao mesmo tempo tomar a sua devida responsabilidade pela leitura dos dados apresentados, que é realmente o que importa. Ao ser criticado pelo uso de determinadas estatísticas, diretamente pelo risco que esse uso geralmente acarreta, ele começou sua resposta assim:

"Números não mentem. Pessoas mentem. Se existe alguma minha mentira aqui, ela é minha."

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Eu podia tá roubando...

"Eu podia ter simplesmente dito que não era minha responsabilidade e deixado sem fazer..."

Podia mesmo? Se a pessoa é coagida, por chantagem, força ou cobrança institucional de algum tipo (geralmente uma sublimação das duas formas anteriores), então "podia" coisa nenhuma.

Mas se a coisa não chegou nesse ponto, ou não precisou chegar lá? Então a pessoa agiu por sua própria consciência. Ora, se foi isso, então a pessoa, muito teoricamente, "podia" sim ter feito outra coisa, mas decidiu não fazer. E se decidiu, decidiu. A menos que a criatura seja uma criança, estando a coerção violenta descartada, sua decisão é de sua responsabilidade. Os outros podem ser gratos... ou não. 

Mesmo um de nossos heróis populares mais queridos disse "não faça aos outros o que não queres que façam contigo", e não "não faça aos outros para que não façam contigo". A cobrança pelo reconhecimento de nossas boas ações (sejam verdadeiramente isso ou não) indica um pressuposto de que a bondade exista numa relação de crédito metafísico, de que o bem é premiado com o bem; ou, pior ainda, de crédito humano, que implica seres humanos que reconheçam o que recebem por bem. Não é a melhor descrição da raça nem dos deuses. O choramingo de "eu podia ter..." não faz sentido. A responsabilidade por fazer algo, bom ou ruim, é nossa. Os outros são agradecidos quando querem, se querem. 

Fazemos o bem porque queremos, portanto fazemos o bem por nossa conta e risco. Ou não façamos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Honra, pra que te quero?

"Eu vou falar. Ela não tá aqui agora, mas tudo bem, porque se tivesse eu falava também, porque eu não tenho problema em falar na frente..."

Vocês não reagem com desconfiança quando alguém faz esse tipo de apresentação? Agora, mesmo que a pessoa esteja sendo sincera, sendo realmente capaz de se expôr caso a dita ausente estivesse presente, qual o mérito de se jactar da coragem de fazer um ato burro? Ora, certas coisas se diz pelas costas ou não se diz, porque falar bobagem pelas costas pelo menos tem menos consequências do que a besteira de se dizer o que não se deve na frente da pessoa. Claro, se expor pode parecer honra ou coragem, mas ambas só fazem sentido numa sociedade que seja informada por esses valores. Não é o caso da nossa (aviso caso o leitor nunca tenha ouvido falar em dinheiro).

Certas coisas nós não seguramos, precisamos dizer, mas isso sai muito mais por questões de nossas personalidades do que verdadeiramente de um sentimento de honra, e, nesses casos, acabamos dizendo na hora errada mesmo, não anunciando que o faríamos caso a hora errada se apresentasse. Valores ou obsessões tão firmes quase que agem por si e não implicam burrice tática. E é claro que a honra pode ser algo válido e muito bonito em determinadas situações, particularmente quando leva a comportamentos construtivos ou a besteiras de pouca relevância social ou monetária, mas no auto-elogio é muito mais fácil encontrá-la encobrindo não apenas vaidade, mas burrice.

sábado, 4 de dezembro de 2010

O "S" e o infinitivo

Eu observo há um tempo um erro padronizado de alunos com determinada incompetência de escrita: escrever verbos no infinitivo com "s" no fim, em vez do "r". Não estou falando de gente que tem um "r" que parece um "s" simplesmente, mas de pessoas que real e nitidamente escrevem o último no lugar do primeiro. 

Não é algo restrito a idade nenhuma, nem mesmo a se estar ou não no Fundamental, mas as pessoas que cometem esse erro parecem ter mais ou menos o mesmo nível de trato com a língua. O assunto me chamava a atenção, mas o pouco esforço que eu dedicava a descobrir o motivo nunca me levou a solução nenhuma. A maioria dos professores com quem comentei não parecia ter notado o padrão, apesar de lembrarem de uma série de casos assim que eu colocava claramente a questão para eles. Desatentos, eles não tinham nenhuma teoria adequada a oferecer. Os poucos que tinham notado o fenômeno me diziam que também ficavam intrigados, mas só conheciam respostas genéricas para a coisa, centrados na solução: lerem mais, contato maior com escrita, mais exercício...

Há uns dias, no entanto, me veio uma resposta óbvia. Não sei se real, mas logicamente simples: "s" é a letra que some. O aluno que já sabe que os verbos ditos com vogais fortes tônicas no fim (o que é percebido intuitivamente, claro, não assim como estou dizendo) - "voltá", "comprá", "vendê" - são escritos com uma letra no fim, colocam imediatamente o "s" porque, como eu disse, essa é "A Letra que Some".

Como assim? Explico: como é que se diz "As casas brancas do Brasil"? Ora: "As casa_ branca_ do brazil". Notaram como essa letra estranha aparece na escrita, mas praticamente não ocorre na fala se está no final da palavra? Aliás, o "s" é uma letra tão estranha que às vezes tem som de z, como no Brasil, às vezes se duplica, além de poder se combinar com outras, como "c" ou "ç".Se o aluno sabe que "vou comprá" precisa ser escrito com uma letra no fim de "comprá" e já sabe, por outro lado, que "s" aparece no fim de palavras mesmo não sendo pronunciado, "s" é a letra óbvia para o fim do infinitivo.

É claro que não estou supondo que o raciocínio se dê dessa forma na mente da pessoa. Imagino que aconteçam aqueles fenômenos curiosos e semi-conscientes de pessoas que estão desenvolvendo certa compreensão regular da língua, mas ainda não captaram bem a ideia para colocar as exceções em seus devidos lugares. Enfim, essa viajada toda pode ser uma bobagem, mas resolvi escrever aqui a hipótese para talvez alguém me dizer que "sim, Fulano e Ciclano já mostraram isso", ou pelo menos para propor a ideia para outros professores caso Fulano e Ciclano ainda não tenham dito nada disso. Nesse caso eu deveria ter patenteado este post.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Fechados na Terra

Conforme a pesquisadora da NASA Mary Voytek, sobre o ser vivo cujo sistema usa arsênico em vez de fósforo para funcionar, "Temos que pensar em possibilidades de encontrar vida que aguentam coisas que não conseguiríamos aguentar".

Ora, eles estavam procurando vida fora da Terra e só pensaram nisso AGORA?

A temida promessa de paz

Não conheço ninguém que more no Rio, mas as manchetes das principais revistas e jornais são um indício estranho do medo envolvido nessa situação toda. Não o medo de que o ataque pegue novos inocentes, mas o medo de que o enorme retrocesso do poder geográfico dos traficantes seja apenas um vislumbre passageiro de uma situação que poderia ser melhor. Manchetes como a da Isto É, "O Rio é maior que o crime" (mas não só ela), soam mais como tentativas de autoconvencimento do que puras palavras de ordem ou, digamos, constatações de fatos comprovados. Não parecem apenas um jogo com as esperanças do leitor, mas uma aposta temerosa dos próprios jornalistas (ou de seus contratantes). Como uma criança no escuro tentando se convencer de que não tem nada mesmo debaixo da cama. E se tiver?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Querido Acordo Ortográfico

Todo mundo escreve "pra" pra parecer natural, coloquial, cotidiano. Agora, se até os livros de escola são todos feitos com "pra", de nada adianta o velho argumento de que "a escrita é uma coisa, a fala é outra" quando apresentamos "para" pro aluno (qualquer aluno, mesmo adulto)! Ora, as pessoas estão justamente negando o princípio (ou pelo menos afirmando o contrário dele) sempre achando que precisam evitar a forma escrita "para" pra alguém pronunciar "pra".

Como "porque esta é a regra" não é argumento que se sustente na educação brasileira, e como todo o mundo pode escrever "pra", mesmo nos livros usados para ensinar crianças a ler e escrever, por que ninguém oficializa essa mudança logo?! Poxa, já faz mais de um século (pelo menos) que se usa a grafia não-oficial no Brasil! Mas, não: vamos tirar o acento de Odisseia, derrubar tremas... e fingir que ajudamos alguém mantendo o maldito "para" sempre no bolso, pronto para ser usado contra o texto de todos. 

Observe-se uma grande vantagem: a queda do acento diferencial para o verbo parar conjugado ("pára", que virou "para") trouxe nova incongruência à escrita, pois não se está usando aí um acento para diferenciar o verbo da ralé sintática, o que acontece com "é" e "e", "pôr" e "por", "dê" e "de" (não regidos por acentos diferenciais, mas por um muito conveniente argumento de tonicidade). A oficialização do "pra" resolveria o problema, deixando dois "a"s pra palavra que importa mesmo: o verbo!

Revolução! Abaixo o primeiro "a" de "para"!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E uma mulher engrossa as fileiras

Há um hábito bastante irritante se espalhando em Porto Alegre há um tempo, é o de pessoas escutarem músicas nos ônibus sem usar fones de ouvido. Tenho certeza de que não é um problema unicamente daqui, mas nunca tinha ouvido falar a respeito antes de testemunhá-lo. A música é geralmente ruim, mas qualquer música fica ruim saindo de um celular qualquer, sabe-se lá com que qualidade de arquivo (para começar). 

Na verdade, por algum motivo, esse é um costume exclusivo de quem ouve funk aqui. Comprovando isso muitas e muitas vezes, supus diretamente que fosse uma questão cultural de quem escuta esse tipo de música mesmo. Não digo apenas quem a dança (não que ache uma música dançável), mas aquelas pessoas que conseguem colocar funk como o fundo musical de uma conversa, ou algo para se distrair parado dentro de um carro. Funk parece ser fortemente acompanhado por uma cultura de auto-afirmação, pelo quase grito constante de "Eu escuto funk sim, e daí, burguesinho?!" Fazia sentido que considerassem natural, necessário ou dogmático forçar outras pessoas a ouvir sua música predileta também.

Mas não era apenas isso, todas as pessoas fone-deficientes que eu via eram também homens. Nunca via uma mulher incomodando o resto do ônibus. Cético e pessimista, supus que fosse questão de tempo, e estava certo... Mas, entre conhecer o comportamento irritante e encontrar uma mulher que o absorvesse, passaram-se alguns anos. Mesmo prevendo isso, porém, fiquei na hora um pouco incomodado.

Se só vejo homens fazendo alguma coisa, em geral suponho que haja um motivo para isso, mesmo que eu não consiga supor qual. Minha observação tende a ser suficiente para que eu suponha que seja algo característico desse gênero, ainda que momentaneamente. E eu acho sempre triste quando um gênero imita o que o outro tem de pior... Não importa que seja uma exceção, que a pessoa curta, que a pessoa queira usufruir de seu "direito de ser babaca" (também conhecido nos EUA como "Argumento Republicano de Primeira Ordem"). Devo acrescentar que ela não ouvia funk, mas o que provavelmente se chama algo como "Melô do Abracinho".

Por quê? Por que aproveitar a oportunidade de fazer uma bobagem? Ainda que as barreiras de gênero sejam relativamente flexíveis no Brasil, ou no RS, ou talvez em POA, isso significa que uma mulher não pode se questionar sobre um comportamento só reprisado por homens na sua volta e pensar que, talvez, nenhuma mulher os esteja imitando porque é uma babaquice? Pior do que isso, uma mulher, nesse caso, fazendo algo que só homens fazem é uma anuência poderosíssima. Em primeiro lugar, indica que o comportamento vai sobreviver por ainda mais tempo, pois mesmo uma pessoa do sexo oposto não o considera mais imbecil. Em segundo, indica o quanto uma mulher curte esse comportamento, de modo que os homens vão sentir que sua vida sexual estará pouco ameaçada se continuarem assim, ou até estimulada. "Vai saber, aquela não deve ser a única."

Pode ser preconceituoso da minha parte, mas eu tendo a torcer contra indiferenciações de papeis sociais que só possam se dar por uma queda de qualidade, comportamental ou intelectual. Torço para que as mulheres acordem para a estupidez do Serviço Militar, torço para que os metrossexuais contemplem a astronômica economia anual dos "retrossexuais", torço para os homens voltarem a ter a exclusividade da fone-deficiência, até que mulheres falem tanto que nunca dão para caras desse tipo que a estigma finalmente mate o comportamento e voltemos a escutar nossos pensamentos, nossas leituras, os motores, os fones ou vozes no ônibus.

domingo, 28 de novembro de 2010

Acusação necessária

Pena que ela disse isso há uns anos e só vi agora...

"If you think about it, white people have some incredible conspiracy theories, you know? 'Elvis is still alive', 'Britney Spears has talents'..."

Aisha Tyler

Mais ou menos fiel

"Ele não acredita muito em Deus."

A guria, no caso, falava sobre mim. O chato de falarem de nossa religião, mesmo quando dizem que não temos nenhuma, é não podermos estar lá para conter os preconceitos inevitáveis, não é? Uma amiga minha odiava que eu dissesse que ela era evangélica, e eu entendia seu zelo, só que infelizmente sempre surgia algum assunto que era melhor explicado se disséssemos que ela era evangélica... Ninguém gosta de ser denominado católico, com raras exceções, e sei bem que me acharem ateu tende a gerar uma série de mal entendidos. Quase tantos quanto dizerem que sou professor de português - informação apresentada em geral com mais segurança.

Mas adorei a maneira eufemizada que ela escolheu para me chamar de ateu pelas costas. Dito dessa forma, não parece que eu antes duvido do caráter de Deus do que propriamente de sua existência? A frase sinceramente implica, para mim, algo como "Ele não acredita muito em Deus. Acha que Javé mente às vezes, mesmo sem necessidade..."

Confesso que essa impressão me vem de sempre lembrar do velho "Eu acredito em lobisomens. Acredito em fadas. Agora, em vampiro não! Dizem que eles mentem muito..."

sábado, 27 de novembro de 2010

Prova real pedagógica

Sabemos que explicamos eufemismo mal quando o aluno dá como exemplo:

"O sol estava quente."

Cultura do estímulo

Estou há uns dias para reescrever o post de quarta sobre as pessoas reagirem só à forma, não ao conteúdo das palavras, inverso do que geralmente se diz. Agora tive um tempinho, então vai.

Resumiria a ideia da seguinte forma: no mítico "antes", as pessoas reagiam à forma, mas também liam o conteúdo. Geralmente paravam por aí, sem chegar a se deter em sutilezas formais, com exceção dos mais sensíveis, mais atentos ou mais especializados.

Atualmente as pessoas não vão além do que é sensível numa comunicação, não passam da pura reação à forma superficial de qualquer uso de linguagem. No momento em que o estímulo sensível da linguagem foi computado, vai-se além, para outra coisa ou para a própria expressão de sua reação, sem que quase ninguém se atenha para ler efetivamente com atenção, para pensar a respeito do que a pessoa que escreveu ou falou podia estar realmente tentanto comunicar. A linguagem, mesmo num texto, interessa como puro estímulo sensível e ponto. Fiz este blog por valorizar a retórica, coisa que me parece muito esquecida, mas sorrateiramente ela reina suprema, e aquele post era apenas a conclusão lógica de que seu domínio hoje em dia é ainda maior (e agora assustador) do que eu supunha de início.

Isso pode vir de costume, cultura ou sei lá, mas merece ser chamado de analfabetismo funcional, porque ainda é uma variação de recitar a letrinha sem entender a frase. Pior: o simples fato de a maioria das pessoas lerem assim faz com que quem escreve ou fala esteja sempre tentado falar ou escrever no mesmo sentido, ou seja, priorizando frases de efeito e termos-chave em vez de raciocínios e problematizações. O domínio da interpretação superficial converte a cada dia gente para se tornar em produtores de superficialidade.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Horizonte para nossos debates na última década

"There used to be seven oil companies, there are now three, there will soon be two. The things that matter in this country have been reduced in choice: there are two political parties, there are a handful insurance companies, there are six or seven information centers... but if you want a bagel there are 23 flavors."

George Carlin

Continuando coleta para meu dicionário

Nota é dinheiro. Moeda é paliativo para a má-distribuição de renda.

Para não esquecer o que vende jornais.

"Veja galeria de fotos que mostram o medo e a violência no Rio"

Link da Zero, talhado para o sadismo condescendente do leitor.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Reescrevendo morais

ou "Vivendo e aprendendo".

Dizem que um erro não justifica o outro. Mas (com esse ditado) também dizem, para aquela pessoa que responde um erro com outro, que ela "perdeu a razão". A consequência disso é que a pessoa que errou primeiro não é punida ou, pelo menos, a pessoa que errou depois será punida da mesma forma decidida para a primeira. Portanto, o segundo erro isenta o primeiro agressor de sua punição, seja plenamente, seja por ela não ser diferenciada da punição prevista para o último. Muitas vezes, porém, como a justiça feita com as próprias mãos tende a aumentar a cada revide, apenas quem respondeu violência com violência é punido, porque seu erro ofusca proporcionalmente o erro do primeiro.

Por isso, deveríamos trocar o "um erro não justifica o outro" por "um primeiro erro não justifica um segundo, mas o contrário não é verdadeiro".

O analfabetismo funcional nosso de cada dia

Comentário prévio: este post está errado e incompleto, como tudo que escrevo neste blog, mas resolvi pensar escrevendo por não poder trocar ideias ao vivo e de forma casual no momento. Quem encontrar críticas lógicas, teóricas ou de corpus ao que eu escrever abaixo está convidado a comentar (numa boa).

Considero que, por lógica, a crença que separa coisas no mundo em "forma" e "conteúdo" leva apenas a paradoxos, mas acho que essa diferença é uma boa metáfora para uma série de coisas, e sei que é assim que se percebe o mundo cotidianamente. Não estou dizendo que o clássico "forma é conteúdo" seja a verdade, a não ser num sentido bastante restrito e também metafórico. Mas o fato de nem tudo de nosso "eu" ser fisicamente experimentado ou coincidir com nosso corpo leva a concordarmos, por exemplo, que exista um "dentro" de nós, portanto também um continente nosso dessa coisa que fica dentro, continente que também somos. Por analogia, se um texto tem um aspecto visível e experimentamos algo que, intuitivamente, dá-nos a impressão de ser invisível, pensamos que o texto também tem algo dentro e algo que contém esse dentro, conteúdo e forma. Pouco nos preocupa então a complicação em que se entra se pensamos na água e tentamos dizer o que nela é forma e o que conteúdo (sem apelar para um recipiente outro), ou a dificuldade de separar a sério um texto entre dentro e fora. E tudo isso está bom, porque metáfora, metonímia, catacrese e elipse são bases bem mais constantes de nosso comportamento que lógica, silogismo, verdade e dialética.

Pois bem, dada a dificuldade das pessoas de perceberem sutilezas retóricas, sejam em quais linguagens quisermos, temos a tendência, novamente intuitiva, de dizer que qualquer um pode chegar no conteúdo, mas é a atenção e o cuidado com a forma que representa uma capacidade mais refinada de leitura (ou interpretação). Muita gente consegue entender que um poema fale sobre amor, mas poucos observarão que a rima interna e a cadência das sílabas reforçam a melancolia de tais versos. Os segundos recebem muito mais aplausos e servem de comprovação para a ideia de que a forma é para poucos, o conteúdo é para todo Zé Mané. No entanto, todos os sujeitos considerados acima tiveram algums reações à "forma" ANTES de chegarem no "conteúdo": reconhecer um poema como poema faz com que o interpretemos de determinada forma, pois nos predispomos a receber o "conteúdo" com certa postura. Por que essa reação formal inicial é ignorada? Será que suas consequências são tão insignificantes mesmo? 

Saiamos do desconsiderado mundo das Letras e vamos para o falsamente valorizado mundo da educação. Se alunos do fundamental assistem a quatro aulas expositivas seguidas, com regras de comportamento relativamente semelhantes em todas elas, parecem experimentar que todas foram iguais, ainda que cada uma tenha sido ministrada por um professor diferente e que elas tenho sido a respeito de História, Física, Português e Artes. Não é força de expressão nem metáfora involuntária, nesse caso: eles (ou os piores "leitores" ali) dizem que literalmente estão fazendo a mesma coisa desde o primeiro período. Estou considerando que não é só o gosto por certos jogos que faz com que os mesmos alunos não esperem de Educação Física nenhum conteúdo ou avaliação. Sua forma é diferente demais para que ela possa ter conteúdo de mesma natureza. Infelizmente não posso testar, mas adoraria dar aulas com o formato mais parecido possível em duas turmas, apenas falando de gramática em uma e de interpretação e produção de texto na outra. Duvido mais e mais que as reações nas duas fossem muito diferentes. 

Enfim, isso tudo era meu feeling, até que vi uma propaganda da Marina colada numa lata de lixo, um adesivo que sobreviveu à eleição. Achei uma boa associação (o lixo tinha a mensagem de reciclagem), mas lembrei-me imediatamente do exagero retórico que a política sempre envolve. Todo político faz bobagens. Seus opositores, em vez de aproveitarem isso para opor uma visão coerente, sensata e atraente, exageram no tom e levam sua crítica ao extremo, perdendo a razão. No caso da "bolinha de papel" acertada no Serra, por exemplo, temos a tomografia de um lado e o discurso ridicularizante do Lula de outro, ambos exageros desnecessários  logicamente falhos, que só fizeram sentido para quem já ia votar em cada lado mesmo. Importava o que PSDB ou PT diziam a respeito? Não. O que importava era que a ação do PSDB era uma crítica ao PT, e vice-versa, e isso se percebia formalmente, ou seja, não era uma interpretação séria ou cuidada do que era dito, era uma aproximação que se fazia só de se "bater o olho no texto". 

A oposição (seja de quem for) falou algo errado? "Mentira"! Mesmo que não se esteja discutindo a verdade do que foi dito, mas a interpretação que se dá a alguma coisa. Por exemplo, digamos que prédios públicos não possam ser usados em campanha. Se alguém critica que os outros façam isso, quem critica não está "mentindo". Por outro lado, se a questão é discutível, se existir previsão legal para determinada conduta que supere a proibição genérica, então nenhum lado está "mentindo". Podem é todos estarem errados, pois ambos os lados referem apenas metade da questão, mas nenhum está dizendo algo que não seja verdade, tecnicamente. Dizer que a gravidade atrai tudo para a Terra não é falso só porque um balão de hélio sobe. Mas a subida do balão também não "desmente" a afirmação de que existe gravidade. O conflito é outro, que fica esquecido porque é mais importante brigar que discutir.

Ainda assim, "mentira", "ladrão", "capitalista", "burguês", "totalitário", "racista", "machista", "brega", "guerrilheira", "terrorista", "playboy", "corrupto", "ignorante" são termos que salvam muito tempo de vida no Brasil, pois qualquer um, numa olhada, sabe se o texto (ou discurso) é contra ou a favor daquilo de que a pessoa gosta. O cidadão pode imediatamente reagir, apoiar e exagerar o ponto de vista superficialmente reconhecido (geralmente levando-o ao absurdo e perdendo totalmente a razão) sem ter de ler e pensar a respeito. Sem precisar conhecer conteúdo nenhum, muitas vezes. Tanto que as palavras mais gastas são tão imediatamente associadas a certas ideias que levam, por exemplo, pessoas a interpretar o contrário do que está escrito. Acha-se que um texto é anti-machista, sendo ele exatamente o contrário, apenas por ser escrito por uma mulher e por falar sobre as clássicas reclamações femininas.

Prejulgar é instintivo em nós. E a aparência, na língua, também é a chamada "forma". Quantas pessoas realmente conseguem superar a forma para pensar sobre o conteúdo, para entender o conteúdo que for? Nem pensemos tanto em quantas dão a volta final e retornam à forma para interpretá-la à luz do conteúdo. Menos do que parecem chegam mesmo ao "conteúdo", e isso é um problema mais premente.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Enfim tiro mais proveito do facebook

Postado por  João Paulo Cyrino:

"Critério importante para identificar uma falcatrua. No texto do edital de qualquer coisa acadêmica conter o seguinte item: 'O desenvolvimento de uma consciência crítica quanto às reflexões envolvidas em cada uma das áreas a serem desenvolvidas no Projeto'".

Ontem, às 13:32

domingo, 21 de novembro de 2010

Provocação para criar um videolog

Os 27 anos da Rádio Ipanema foram comemorados hoje no Anfiteatro Pôr-do-Sol, um lugar para shows abertos, na beira do Guaíba.

Nisso, como queria ter filmado um morador de rua, com seu carrinho de compras vazio na frente, dançando Dívida, do Ultramen, superanimado e soltando o gogó em "Aquela dívida de uns anos atrás está bem viva", além do cachorro que vinha com ele e que parou pacientemente enquanto o cara dançava.

PS: A grande entrada do Leopoldina na música brasileira.

sábado, 20 de novembro de 2010

Sonhando com um mundo melhor

Se Freud tivesse escrito algo sobre buzinas e recalque sexual, nossas cidades seriam tão mais quietas...

É claro que haveria, em alguns momentos, manifestações de buzinaço identitário ou revolucionário, e artistas pós-modernos aqueceriam (em alguns momentos) a indústria automobilística.

No entanto, de lá pra cá não mudou

DEPRAVAÇÕES DO GOSTO

Empoleiro-me numa lanchonete. Peço iogurte.

- Iogurte limão?

- Não!

- Ah, tem iogurte morango.

- Mas não tem iogurte puro?

Pura é a inocência minha. Pois tudo o que preferem agora é com gosto de outra coisa e não da própria coisa.

Peço um mineral. Oferecem-me mineral limão, mineral laranja etc. Procuro uma barra de chocolate. Vejo que é "flavorizado", como lá diz no invólucro.

É quase impossível hoje em dia encontrar chocolate com gosto de chocolate, iogurte com gosto de iogurte, ou uma democracia apenas democrática.

Mário Quintana - há umas décadas atrás.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Falando em casos mal resolvidos...

E hoje o caso da Yeda foi reaberto. Dessa vez o caminho correto de encaminhamento está sendo feito, o que significa que o dinheiro desviado vai novamente ser procurado, bem como seus responsáveis. O STJ mal anunciou a decisão e o advogado da governadora imediatamente avisou que vai pedir que a mesma seja revista, o que não deve dar em nada além do prosseguimento da eterna postura de ganhar tempo e adiar, as grandes ferramentas políticas desde o início dos tempos.

A Zero Hora não deixou de ironizar a medalha da BM que Yeda recebeu no mesmo dia em que o caso foi reaberto, colocando a foto da cerimônia no meio da matéria que mencionava, inclusive, que a investigação do desvio de dinheiro podia ter virado seu Impeachment. E não é que a "governadora" teve a cara de pau de escrever no twitter "Ao povo que lê jornal: esqueçam das manchetes de capa e olhem a medalha que recebi: Zilda Arns, pelo PPV e seus resultados. (...) Analisem que a foto de ZH é a medalha, e a manchete ré pelo Detran. Prá quê, Zero Hora? Qual Detran? O meu novo Detran público só elogios?" Coitadinha. Faz de conta que não entendeu. "Faz de conta" necessário, pois "não entender" é postura política obrigatória muitas vezes...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Polícia - ainda o problema da educação

O caso do Bruno vai seguir um caminho conhecido: será contestado por conduta inadequada na investigação. George Sanguinetti, assistente técnico da defesa, vai levantar uma série de problemas técnico-burocráticos. O que me faz pensar: uma grande vantagem de melhorar a educação no Brasil será tornar bem mais comum que possoas que se responsabilizam por encontrar culpados sejam tão minuciosas, obsessivas, dedicadas e irritantemente profissionais quanto o pessoal que busca defender acusados. Então, nos casos realmente polêmicos e complicados, finalmente será possível confrontar provas e versões e não ficar discutindo se o delegado devia ou não ter pedido desculpa por ter espirrado antes de fazer tal pergunta. 

Não é que as contrariedades que o Dr. George vai levar sejam picuinhas, mas é extremamente cansativo essa coisa de toda pessoa rica, famosa e acusada de crime hediondo (técnica ou popularmente), seja violência física ou política (corrupção, formação de quadrilha, espionagem, censura), seja inocentada porque as condutas técnicas e legais não foram seguidas de forma adequada. Para traduzir em termos que no Brasil importam: imagine-se que gols fossem perdidos por juízes cometendo infração técnica. Goleiro e atacante, bola e rede fazendo seu serviço, anula tudo porque o juiz estava com chuteira ilegal.

Compare-se com o caso da família Nardoni, também contestado pelo mesmo George. Acabou em punição à revelia das críticas do médico, mas justamente foi uma situação em que ele questionou a ciência criminal. Ele discutiu Física, não procedimento de investigação. Aí ele (ou seu argumento) perdeu. Não só isso, claro, a família não tinha ninguém famoso, e as dúvidas de Sanguinetti eram sobre o autor específico do crime, a forma como a criança seria lançada... coisas que deixavam margem demais para outras interpretações. Veremos o que acontece com o Bruno. E se, capaz de duvidar da culpa, ele será capaz de provar inocência (desnecessário pela nossa lei, mas seria um avanço sobre os argumentos burocráticos e poderia pelo menos convencer de que não estão soltando um assassino violentíssimo).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Marx, o Conselheiro Amoroso Pessimista

"The cure for the working man" não passou como slogan vendável, então Will viu que era melhor não escalar nenhum barbudo e estrelar o filme ele mesmo.
Marx teve grandes efeitos na História, mas o eco mais cotidianamente sentido não se compara a revoluções, mudanças de discursos e paradigmas nem nada do tipo. É apenas a criação do marxista de universidade. Ou seja, aquela pessoa que se torna marxista muito mais por ambiente que por teoria e que, mesmo que saia da universidade um dia, não perde o ranço nem ganha profundidade teórica. Esse tipo de marxismo se organiza muito semelhantemente ao cristianismo cotidiano, ou seja, há uma figura central, Cristo, digamos, que se destacou da média dos mortais pelos motivos que sejam. Esses atos geraram seguidores e continuadores. Alguns destes ficaram tão conhecidos e foram tão relevantes que pareciam a continuação perfeita da teoria do pai fundador. A autoridade sacra do primeiro passou então a infectar os continuadores. Na equação final, o autor mais moderno entra com a atualização da teoria, e o pai fundador entra com o status de verdade para a mesma atualização. Hobsbawn, assim, seria São Paulo.

Acontece que o marxista de universidade, como o cristão cotidiano, não se aprofunda necessariamente em ler textos nem em conhecer teoria. Apenas segue o espírito da coisa, ou o que imagina sê-lo, por ambiente, como dito.  O sujeito exposto tempo demais a esse ambiente não se recupera quando sai dele. Pelo contrário, sem o convívio cotidiano com os pares (digamos que o cara tenha inventado de trabalhar), sua imaginação e sua memória tornam-se as únicas referências teóricas à disposição, e a Verdade dita "por Marx" apenas se dilata, dominando o mundo.

Num belo dia, a pobre pessoa é capaz de dizer que a separação amorosa é inescapável, porque o desgaste é inexorável, como demonstra o marxismo (n.b.: a pessoa indica isso com base "na teoria"; não é o desgaste do marxismo que está sendo considerado, pois isso, obviamente, a pessoa acha que nunca aconteceu)! Contemplam? O sujeito não sofre a separação, não é algo que acontece com ele. Muito menos, tem alguma responsabilidade no ocorrido. Não! A separação apenas é. E ela é porque se trata de uma Verdade estabelecida, por Marx! O ex-casal não deve sofrer. Não deve resistir nem se questionar. Não deve fazer diferente nem pensar a respeito. A dialética materialista levou o relacionamento embora, como uma camada do pneu que simplesmente ficou na pista. Adeus, romance; adeus responsabilidade pessoal... "Marx" disse, está dito!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Excluído do clima

Ontem meu computador marcava temporais e tempestades, mas minha janela só mostrava sol. Fui olhar um site de previsão de tempo e lá também estavam estampadas as fortes trovoadas que assolariam minha cara cidade. Pior do que isso, o site mostrava comentários de facebook de meus conterrâneos comentando a chuva e reclamando do clima. Hoje, quando choveu aqui, o computador indicava sol, e agora que a tarde se põe com esparsas nuvens eu supostamente deveria estar abaixo de chuviscos. Assim não pode, assim não dá. Isso explica aquela friaca descomunal por que passei quando todo mundo falava em aquecimento global.

domingo, 14 de novembro de 2010

Senso comum, bom senso, vox populi ou as más línguas


Acabo de assistir a este filme, velho, parado, silencioso, voltado a uma mulher sem horizontes e ao homem que a conhece (não como numa comédia romântica) no dia em que Hitler visitava a Itália para firmar comum apoio. Chama-se Una giornata particolare, com Sophia Loren (propositalmente enfeiada e envelhecida) e Marcello Mastroianni (também envelhecido e, dizem autoridades maiores, enfeiado). Como o filme é italiano, ainda de 1977, de uma estética bem particular, não o recomendo, pois gostaria que vissem apenas por própria conta e risco: tenho a forte consciência de que, hoje, ele pode agradar bem poucos. Porém achei o filme muito interessante em vários sentidos.

Um dos que me pareceu mais importante é o problema da aclamação popular. O filme trata como dado o nazi-fascismo ser aceito e intimamente defendido por uma parcela absolutamente dominadora da população italiana. Não é que eles digam que absolutamente nenhum italiano era contra, pelo contrário, mas com certeza Mussollni, ou mesmo Hitler, ganhariam uma eleição por esmagadora maioria, na Itália que o filme apresenta.

O que eu acho legal nessa problemática é que ela sempre leva a um parodoxo, do meu ponto de vista. Se a voz do povo não pode ser a voz de Deus, e a voz de um Deus, na política, sempre se revelou a voz de um ditador, como conciliar a defesa de determinados valores fundamentais (contra a massa) sem cair num discurso que mal oculta ser simplesmente a expressão sublimada de interesses bastante restritos de uma classe ou grupo - e como defender a soberania da democracia baseada na vontade popular quando bem se sabe as merdas que um "povo" pode fazer? O surpreendente homem que surge a essa mulher de forma acidental não faz parte do povo? Com certeza não é significativo, não representa uma camada que, mesmo "em outra situação", seria a maioria... Ainda assim é aquele que defende ideais similares (não os mesmos, de forma alguma) que "intelectuais", de esquerda ou direita, dizem defender hoje, só que os grandes grupos de defensores ideológicos de hoje, ainda que incluam intelectuais, continuam parecendo com aqueles que o confrontam no filme. 

Isso não é discutido frontalmente pelo filme. Na verdade, a forma quase documental como o filme apresenta esse problema, logo no início, é mais forte que um questionamento ideológico assim explícito, mas ressalvo aqui para que quem se anime a procurar o filme não espere um documentário político. É uma peça introvertida. Nele não há grupos, por assim dizer. Ainda que aparentem um bloco só, inteligentemente se mostra a individualidade daqueles que cruzam a tela para se confundir na massa assanhada da adoração inquestionada. Ou daqueles que descobrem, de relance, que a realidade pode ser mais complicada que "Sim ou Não".

sábado, 13 de novembro de 2010

Enem vi essa

A citação já está um pouco passada, mas não tinha visto a frase em lugar nenhum. Pelo contexto da segunda, gostei o suficiente para postar mesmo atrasado:

"Esses erros de impressão, de montagem e de aplicação das provas do Enem foram todos admitidos pelo Inep, o qual se manifestou sobre isso de forma pífia" - a juíza federal Karla de Almeida Miranda Maia, do Ceará, no que escreveu sobre aceitar a ação de suspensão do Enem (ainda que eu ache certo que ele não tenha sido suspenso de vez).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Educando para ler a lei

"Eles só deram uma maqueada no nome aqui..."

Foi a coisa mais curiosa ouvir um ex-morador de rua (atualmente responsável regional do Conselho Tutelar) usando essa expressão inúmeras vezes para destrinchar, para uma turma de adolescentes repetentes, os meios legais por que suas vidas podiam ser destruídas (termo dele) se seguissem se achando o máximo por fazer rebeldia sem causa. No caso, eram as instituições e medidas do governo que estavam "maqueadas", ou seja, ele desnudava o politicamente correto que cobria os referentes de cada lei ou o nome de antigas instituições que tinham mudado "apenas no nome". Educativo. Aprendi muito. Parece que os alunos também.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Trato é trato" disse o demônio. Justo demônio.

Numa significativa tradição europeia, apesar de não me parecer ser exclusiva deles a ideia, demônios contentam-se com os pactos. Assim que o pacto acaba, como previsto ou não, a relação recebe um fim. Sem ressentimentos. Mefistófoles não atazanaria o bisneto de Fausto só porque este se saiu bem do que parecia a armadilha perfeita. Em parte essa crendice parece reeditada em diversas épocas e talvez tenha relação com o fato de que soaria absolutamente alienígena que Satã se cobrasse de herdeiros de Jó, ainda que Javé punisse por gerações naquela época. Se o pacto é levado a contento, é claro que os demônios não têm do que reclamar, e se regozijam do sucesso como bruxas com seus escravos em alguns contos populares muito antigos. Mas, mesmo que a oportunidade de vingança esteja caindo de madura, eles não se vingam daqueles humanos que driblaram os traiçoeiros quesitos armados por eles próprios. Se a assinatura do pacto é um selo aparentemente infalível, demônios não parecem se ressentir daqueles que superam tal aparência, já que regras são regras.

Que regras não sejam regras parece uma lei específica de humanos, assim como a vingança. Que digo? Que numa cultura pouco letrada o contrato parece algo tão poderoso quanto demoníaco? Sim, mas também que a vingança, em particular a gerada pelo ressentimento infundado, é tão reconhecidamente humana que, no caso dela, mesmo culturas mágicas prescindiram do direito divino de culpar o demônio.

Bolsa Isonomia no Enem

Novo projeto do governo:

O governo deve resgatar horas e horas de exclusão social. Se você tem entre 16 e 104 anos de idade, prestou Enem em território nacional ou indígena, tem 75% de presença na prova e inscreveu-se após a recriação da CPMF, tem direito a dois salários mínimos por mês até conseguir trabalho digno, segundo sua própria opinião. A prova deve ter sido realizada pela maior e mais súper híper ultra especial gráfica, que é perfeita mesmo que erre feio sempre e às vezes perca umas provas na estrada. Se o fiscal não avisou sobre as pegadinhas do Caderno Amarelo, da Numeração Azul e do Ladrilho Rosa, segundo testemunho isento e oral de você mesmo, o próprio concorrente-reclamante, também pode requerir 13o, a ser pago até que, jovem, adulto ou vivente da melhor idade, exija o término da Bolsa.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TOP opiniões políticas no cotidiano

"Imagina se eu ia votar na Dilma, que se veste daquela forma brega"- entre os dois turnos, numa fila na Renner.

"Eu não gosto dessa mulher [Yeda, descendo do carro oficial a 5m], acho ela muito antipática" - transeunte na Feira do Livro de Porto Alegre.

"Político é que nem comida, cada um tem um gosto (e não se discute)" - jornaleiro no Centro.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Boa estima para dar e vender

"O meu marido tem uma camisa idêntica à tua. O que indica obviamente que és uma pessoa de bom gosto, pois eu obviamente só poderia estar casada com uma pessoa de bom gosto."

domingo, 7 de novembro de 2010

Uma amadora politicamente correta

O egocentrismo nem sempre é um fator cultural negativo. Nem que seja indiretamente, ele guarda um potencial de renovação social, pois, não importa a que grupo de "excluídos" pertençamos, pensar com tanta força que somos o centro do mundo, no mínimo ao longo da juventude, faz com que todo o resto do mundo seja um Outro. E então, mesmo que se suponha que a pessoa já introjetou "exclusões sociais gravadas na linguagem cotidiana", ela ainda pode produzir frases dizendo que o esporte nos "ajuda a se manter inteira(o)".

sábado, 6 de novembro de 2010

Enem - melhor que o último (se serve de consolo)

"Tudo ocorreu de forma tranquila e a realização do exame foi um sucesso", conforme José Joaquim S. Neto, presidente do Inep (mais que uma sigla, um trocadilho de bandeja).

Sua opinião, no entanto, foi feita após a confirmação da inversão de cabeçalhos e antes de se saber se o problema de perguntas repetidas pode ser evitado para as provas seguintes. Além dos problemas, ele obviamente não tem como saber o resultado geral dos alunos, ou seja, o nível de rendimento dos enemandos. Mas, fora isso tudo, sim, grande sucesso.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mobilidade social

Imaginem quantas pessoas teriam de mudar de profissão se seguíssemos à risca esta dica de Umberto Eco:

"Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez. Não sabendo defini-lo, evite-o. Se for um dos termos principais de sua tese e não conseguir defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de tese (ou de profissão)."

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sensível verão

Assumimos que o verão chegou quando sentimos na pele que esquecemos de mudar a estação do chuveiro.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Arte-luxo-lixo

Na Feira do Livro de Porto Alegre:

"Escuta, quem é que organiza essa feira, hein? Eu preciso perguntar: porto-alegrense vive de quê? De historinha?! Eu estou procurando em toda a Feira livros de Engenharia e nada. Como é que tu me explica isso?"

Alunos em manutenção

Eu não sabia: nas escolas municipais de Porto Alegre, os alunos não são reprovados, nem retidos, nem rodam. Eles são... mantidos. Além do óbvio envolvimento do espírito politicamente correto, no passado, existe agora uma questão técnica para o termo. Há algum tempo, a Secretaria Municipal seguia o sistema de Ciclos. Como parte disso, a reprovação foi extirpada das escolas. No entanto, o resultado foi desastroso e acabou-se chegando a uma meio-termo que está muito mais para o sistema seriado hardcore que para uma versão dos Ciclos. De qualquer forma, por herança terminológica dessas alterações, ninguém podia reter alunos quando a forma quase seriada de Ciclos foi escolhida, a não ser uma escola, que previa isso em seu estatuto. Então essa escola retém alunos e as outras, sem previsão legal para reter, reprovar ou rodar, "mantém" os alunos.

Existe pelo menos uma outra consequência importante dessas transformações: como ainda se diz que as escolas funcionam em Ciclos, a repetição não voltou apenas com outro nome, ela tem uma importante restrição, a de que o aluno só pode ser mantido uma vez a cada ciclo. Ou seja, no caso de matérias específicas, como a minha, entre os 7a e 9a anos, só se pode "manter" um aluno uma vez. Isso obviamente exclui a ideia de se defender a manutenção de um aluno no 9a ano, pois é considerado criminoso rodar alguém no último ano (ou seja, só pode ser aplicado a alunos criminosos) e a pessoa não poderia ter sido mantida nenhuma outra vez no terceiro ciclo (o que é raro entre criminosos). Portanto, é necessário prever o futuro do aluno para se decidir se é mesmo a hora de "mantê-lo", com a finalidade de "proporcionar novamente um crescimento do qual ele não soube tirar proveito". Lindo.

PS: A nomenclatura escolhida talvez também seja um reforço contra o medo da evasão escolar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

100% desaprovado

Parece-me muito estranho que certos produtos queiram se vender indicando que não têm mercado. Volta e meia, particularmente entre o pessoal de higiene bucal, criam uma propaganda que indica que tantos por cento da população tem determinado problema e não faz nada a respeito. Ora, quem tem um probleminha médico e "não faz nada a respeito" justamente consegue conviver com ele numa boa, não acha que isso é motivo para se incomodar e gastar mais, até porque sempre temos alguns probleminhas médicos leves com os quais convivemos no dia-a-dia. Não é à toa que quem se entope de remédio é mal visto, este não é o comportamento usual do grupo considerado saudável da população. Pois bem, os outros tantos por cento, os que fazem algo a respeito, já "fazem algo a respeito"! Não precisam de um novo produto porque deram um jeito! Ou seja, quem deveria se atrair pelo produto mesmo?

Mas lógica e consumo não têm a ver, é claro. Tanto que a tática é sempre reciclada, o que indica, espero, que tenha resultado. Por outro lado, é também triste que essas propagandas funcionem...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Mijando na América

Hugo Chávez é realmente um chefe de Estado. Sua primeira reação à eleição de nossa futura presidente foi tentar marcar território mandando "um beijo para a minha querida Dilma"... Mais um a subestimar a nova "mulher no poder" ou um seguidor de "a tenteada é livre"?

O mês perdido

Eu me lembro de ouvir muito sobre a enorme perda de tempo de um segundo turno quando ele redunda no mesmo resultado que o primeiro. Nesta eleição, em que não ouvi comentários do tipo, foi mais o que senti. Mas não como mera perda de tempo, perda de perspectiva. Ainda que o primeiro turno tenha herdado coisas ruins que deram certo na reeleição do Lula, como a mitificação de sua história e de sua pessoa ou a fuga de debates quando as intenções de voto indicam gigantesca vantagem, prefiro que herdemos, para a próxima eleição, as táticas do primeiro turno que as do segundo. As coisas continuarão mais ou menos onde estavam em termos eleitorais se a vitória da Dilma no segundo por menor diferença faça com que os marketeiros confiem mais nas táticas do primeiro turno, o que considero uma das vantagens de ela ter, enfim, ganho a eleição. Ou seja, se seu governo não for mesmo o Governo do Mal, como queria o Serra, pelo menos não regredimos no que diz respeito à campanha eleitoral, o que não é pouco, como pode parecer. 

Quando Lula ganhou a reeleição, o que os votos disseram, no mínimo, era que ele tinha carta branca para sapatear nos brasileiros, se quisesse, pois um cara que está saindo de um escândalo como o Mensalão (sendo suspeito de diferentes formas) e é aceito com aquela margem de votos só pode escutar das urnas uma voz lhe confirmando o ser mítico que seu marketing afirma. Para nossa sorte ele não era o bebum desmiolado que chegou a se pintar.

O que o segundo turno desta eleição diria (e a vitória do Serra o diria com mais força do que um resultado que acabou pior para a Dilma que o do primeiro turno)? Que Bem e Mal são descrições políticas apuradas? Que os evangélicos não são uma força politica relevante, mas sim decisiva, foco central de uma campanha? Principalmente: que discutir impostos, previdência, trabalho, educação, segurança pública, reforma política é totalmente irrelevante em oposição a se decidir se o que acertou um candidato era mesmo uma bolinha de papel. Não é que se deva atacar presidenciáveis, mas que, no mínimo, a coisa era pra menos.

Para mim, o resultado desse segundo turno foi piorar as propostas dos dois lados. A Dilma sai pior dele que do primeiro, pois só o que ela parece ter feito foi ajudar a regredir o debate sobre o aborto (e sua trajetória nas últimas décadas) para o não-debate, a posição proibitiva de debate que Serra e Dilma tomaram no fim da eleição, em que eles nem podiam mais falar a palavra aborto, e a competição era a de quem valorizava mais a "Vida". Se Serra comprou os termos que o PT dava para a campanha, nisso, pelo menos, foiram os marketeiros do PSDB (ou vários eleitores do PV) que conseguiram dar as cartas. Grande vantagem! A religião, tão poderosa e importante Religião, que se queria fundamental para os nossos valorosos governantes, deixa-nos este grande saldo: enquanto ela virou ferramenta de marketing, suprimiu qualquer discussão minimamente esforçada sobre outra coisa que não ela própria. Afinal, além de promessas numéricas, o que se falou sobre trabalho, saúde e educação, ou até mesmo sobre MST e infraestrutura? E de onde surgiu a ideia de que só é possível ter valores se se tem religião?

Fim da campanha, os carros já sendo desligados, e os programas de governo, prometidos para antes da campanha, são lançados silenciosamente, num momento em que ninguém mais queria ler, já que a grande consequência desses "debates" acima foi que não só os PSDBistas tinham medo do PT, dessa vez também os PTistas (não só os militantes) estavam com medo do "Brasil com Serra". Surpresa, surpresa: tivemos a prévia do que seria o bipartidarismo no Brasil, duas trincheiras de gente com medo que não aturam uma palavra do outro lado e, como todo animal acuado, atacam com pedras aquilo que temem e não entendem.

PS: Um ponto positivo do segundo turno foi ver os "analistas" da BAND argumentando que a Dilma tinha ganho por influência das pesquisas incompetentes e mal feitas que previam 12% de vantagem apenas para ver o resultado final ser exatamente este!

sábado, 30 de outubro de 2010

Desenvolvimento nacional

É sinal de maturação política quando os temas se tornam supra-partidários. A censura hoje, por exemplo, não tem dono.

:(

Dividir o serviço dispersa a culpa

Depois de derrubar um monte de caixas de leite, uma das quais estourou no chão do supermercado, a mulher foi ajudada por um casal que passava. Conforme não tinha muito que eles pudessem fazer mais além de deixar para o pessoal com material de limpeza, o casal foi seguindo seu caminho, no que a ajudada aproveitou para agradecer:

- Obrigada... pelo apoio moral.

Porque fazer coisas erradas não é nada, desde que se relaxe a consciência com o reforço de que "acidentes acontecem", e poucas coisas têm tanto esse efeito quanto alguém vir dividir a limpeza da bagunça com a gente.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Trabalho em grupo sincero

- Mas uns não vieram, e o Fulano e o Ciclano não ajudaram nada [verdade].
- [Cansado] Faz o seguinte, coloca o nome de quem te ajudar no trabalho depois.
- Tá legal. "Minha mãe. Meu pai"...

Intolerância estética

Desde que mudei o design do blog eu pensava em ciclar um pouco pelos visuais de que mais gostei. Nunca tinha feito isso até hoje, em que mexi um tanto testando uma possibilidade, outra, e correndo a página... Até que me decidi por um determinado formato e apliquei. Entre as mexidas e a aplicação, perdi um seguidor! Ficou na formatação antiga?

Limpando a roupa com tradição

Muita gente falou mal do Novo Acordo Ortográfico, muitos resistiram e reclamaram da perda do trema, em especial, mas poucas pessoas tiveram a coragem e a ousadia de levar essa rebeldia para além até mesmo do português. Raro, diria até ignorado, resiste brava e arrojadamente o dono da Lavagem Qüeen.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Suprimindo os candidatos

Existem pessoas que anulam o voto para se esquivar da difícil arte de decorar números ou de levar cola para a eleição. Existem outras, que me parecem mais numerosas, que anulam o voto para ter o orgulho de dizer aos quatro ventos que o fizeram, como uma marca de que os políticos não as infectaram, que elas estão limpas dessa sujeira toda. Desconsidero o primeiro caso considero o segundo público demais, focado efetivamente num interesse social imediato de suas relações mais do que num interesse político amplo.

Os motivos políticos que conheço para alguém votar nulo são basicamente o romântico boicote que realmente espera que número suficiente de eleitores anulem o voto e comprem, com isso, uma nova campanha política (qual seria a vantagem?) ou a sincera opinião de que nenhum dos concorrentes merece seu voto, e nenhum é melhor que o outro. 

Agora, como esses dois redundam um no outro, e nenhum deles leva a lugar nenhum, pois ou um dos concorrentes ganha de qualquer forma ou se revisa algo que não será tão diferente assim quando estiver novamente estruturado, parece-me que, na verdade, a única solução e o sentido íntimo de se anular um voto não é anular a si, mas aos candidatos. O que quem anula quer, na verdade, é suprimi-los, acabar com sua existência como candidatos (o que, em geral, dependeria de se anular a própria vida dos concorrentes). Tenho a impressão, por isso, que quem vota nulo faz o exato oposto do que secretamente quer. Em vez de sumir com o político filho da puta que tanto odeia, some consigo. Não estou dizendo, de forma alguma, que não seja uma opção válida, já que sumir consigo é democrático e sumir com o candidato só é efetivo se for assassinato ou revolução (o que envolve alguns assassinatos), e pessoas que anulam o voto não parecem acreditar muito em nenhum dos dois, menos ainda no segundo que no primeiro.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Conquistador barato

Hoje minha namorada chegou no ap segurando uma folha que encontrara na caixa de correios. Nela, uma notícia mal xerocada e sem referência de fonte falava simplesmente que o Serra tinha recebido apoio de apoiadores e cumprimentara eleitores ao lado de Ana Amélia (Bleh!). Agora, na base da folha havia um texto (ou aquilo que os piores alunos de uma quinta-série assim chamariam), escrito à mão, tentando expressar indignação contra PT, Dilma, Lula e toda aquela coisa de campanha. Bom, no fim do "texto" chegava-se às qualidades do Serra: 

"Limpinho há 52 anos. Bem-casado. Experiente." 

Em primeiro lugar achei que o recado continuaria com "procura amante de 25 que saiba cozinhar - é ótimo na cama ('experiente')", mas em seguida me toquei que a falta desse complemento não era o pior. O ruim mesmo era esse cara com tamanhas qualidades entregando recadinhos na caixa de correios de minha namorada! Como assim, Cara-pálida?! Assim não dá pra levar voto a sério, o sujeito oferecendo todo esse charme, e só por um voto...

Profissão Perigo

"Eu respeito muito o trabalho de vocês [professores]. Eu era professora de pequenos e simplesmente não aguentei. Prefiro hoje ganhar menos para limpar a escola e não me incomodar."
Faxineira da escola

Twittado e replicado

"Não brique com seu amigo por política. Depois da eleição, os políticos se entendem e você perdeu o amigo."

Alon Feuerwerker, jornalista - @AlonFe

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Outro post roubado

Eu ia falar sobre essa coisa de desculpar os candidatos de uma eleição por santinhos "apócrifos" (como se houvesse uma pá de brasileiros superpolitizados, temendo botar a cara a tapa por medo de algum coronel em plena São Paulo ou outra metrópole e sempre com uma gráfica nos fundos), mas a Polícia Federal foi lá e coletou provas, a Isto É passou à minha frente estampando na capa, e o post morre apenas neste registro de intenção... Ah, a matéria é interessante, se não deram uma olhada!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Tu é meu empregado!"

A pregação constante de que tudo, material ou imaterial, pode ser comprado pelo dinheiro causa uma ilusão que, parando para pensar, seria mais de se esperar numa sociedade que vivesse do escambo: a imagem de que tudo é intercambiável, ou seja, de que dois produtos comprados pelo mesmo preço podem, em algum sentido, equivaler um ao outro. Ainda que a compra de um celular possa custar o mesmo que um cacho de bananas, parece-me que o primeiro não alimenta e o segundo não pode mudar de operadora. 

Como o preço de nada brota de alguma característica intrínseca da coisa, mas sim das relações que o produto tem com o mercado, acho bastante natural que o Marx estranhasse tanto que pessoas acreditassem que o preço fosse mesmo o "valor" (de uso) de um objeto, a ponto de ele ficar encafifado o suficiente para escrever um texto do tamanho d'O Capital, mas não me parece natural que a mesma ilusão siga tão importante hoje que permaneça indo além do problema da compra e se estenda às relações humanas. Não que, em outros sentidos, estas sejam um exemplo de racionalidade e proporção, mas não é bizarra a leitura que se faz dos empregos em geral, em que se supõe um possível nível de igualamento transcendente?

Que digo? Que as comparações usuais entre profissões ("se fosse eu, no meu emprego, não podia fazer isso e aquilo que o Fulano - de outra profissão - está fazendo comigo) pressupõem que elas sejam, em algum sentido, intercambiáveis. A comparação pode ser meramente didática e encontrar pontos em comum, mas às vezes se segue a intuição de que, como a banana poderia equivaler ao celular, dois pediatras fazem um otorrino (supondo que o salário dos primeiros seja metade do segundo). O que acho realmente estranho é que, em geral, não apenas o serviço prestado, mas uma infinidade de relações da própria profissão diferenciam-na tanto das outras que seria de se supor que qualquer adulto empregado enxergasse o quanto o seu trabalho é diferente dos outros. Se meu emprego me rende certos riscos de vida, não teria por que pensar que o trabalho de outra pessoa, que não envolve risco específico algum, não gere outro tipo de ética, outro tipo mesmo de profissionalismo. E ainda que seja louvável pensar que todo o mundo deveria ser preciso como um (bom) neurocirurgião, pontual como um (bom) motorista público alemão e responsável como um (bom) piloto espacial, pouco do que aprendemos sobre nossa raça poderia levar a tamanha ingenuidade. 

Às vezes eu costumo dizer que seria bom se análise literária tivesse de manter um prédio em pé, para cortar uma série de babaquices infantis que viram trabalhos acadêmicos, mas uma coisa é desabafar algo do tipo e outra coisa é achar que a possibilidade de se ser um aventureiro irresponsável na filosofia da arte (tecnicamente, de uma responsabilidade diferente) não renda lucros a essa área que efetivamente fariam falta se prédios dependessem de nossas teorizações para resistir ao vento. É bom falar coisa com coisa, mas estudar Letras e Engenharia não se equivalem em medidas realistas. Dois professores de Literatura Latina Antiga não equivalem a um engenheiro civil e meio, em nenhum sentido, e cada uma das necessidades dessas áreas trazem vantagens e desvantagens a elas, e por isso mesmo éticas profissionais diferentes.

De tudo isso, porém, o pior é a imagem de empregador que se expressa diariamente quando se usa a frase "Tu é meu empregado" contra profissionais públicos (ou professores privados). Em primeiro lugar, o sujeito acha que todos os empregos são iguais, pois ser "empregado" é usado aí em sentido absolutamente universal. Em segundo, tem-se em mente o "emprego fundamental", infinitamente da base de todos os empregos, pois se tenta tratar, com essa frase, qualquer um como um escravo (um "fundo" das profissões, 1 escravo = carvoeiro, 2 escravos = Bolsa-Família - digamos). Em terceríssimo lugar, confunde-se relação de emprego público com (uma bem abusiva) de emprego privado, pois se pensa que quem trabalha para o Estado é o servo particular de todo mundo (sim, a antítese foi proposital). A mesma confusão se dá, aliás, com propriedade pública, pois se posso quebrar o meu celular (já que é MEU, só MEU), por que não poderia quebrar o desta repartição pública (já que o dinheiro dos MEUS impostos "está pagando por aquele telefone")? Ora, o "capitalista" que essa gente imagina dispõe de seu empregado como bem quiser, e só porque paga o salário do cara. Bem, se "meu imposto paga o salário do cara"... 

Tal clichê social nunca parece encontrar alguma frase-irmã que lembrasse às pessoas que seus impostos dependem da colaboração de todos os outros cidadãos e da mediação de profissionais públicos competentes para que algum Estado funcione. Mais alienígena ainda seria lembrá-los de que ser cidadão envolve não apenas direitos, mas deveres, de modo que um funcionário público poderia sim, muito bem, ter de incomodá-los insistindo com determinadas exigências se isso for fundamental para o seu trabalho, o qual tem por fim o bem comum dos cidadãos, o que não é dizer o mesmo que "o bem de cada cidadão, em especial o do que está na minha frente". Pode-se apelar até para o exemplo do professor público, que é contratado pelo Estado para fazer coisas que desagradam não apenas aos alunos, mas, muitas vezes, até aos pais desses alunos. E, contrariando a relação público = privado, o gari não é o faxineiro de ninguém. Além de tudo isso, nem toda variação ética entre a profissão do esparrento cidadão e a do servidor público justifica que este seja desrespeitado, ainda que não se deva aceitar falta de profissionalismo (específico) de ninguém - como disse antes, não estou desconsiderando que certa analogia seja impossível, em determinadas questões, e sei que experiências prévias com funcionários públicos podem nos indispor a priori.

Enfim, a frase-mote deste post envolve alguns preconceitos e algumas confusões preocupantes que, pior ainda, acumulam-se sinergicamente, de forma que acho difícil encontrar o pior aspecto da coisa, mas o problema da confusão do público com uma espécie de privado me parece bem grave, pois tanto indica a dificuldade geral de se pensar o Estado quanto abre portas para que a ilusão do valor de mercado se aplique ao humano, permitindo que se passe diariamente da banana ao otorrino... e a outras confusões desastrosas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A mágica desconexão entre campanha e mundo real

"A minha tia trabalha fazendo campanha para o Serra, mas ela vai mesmo é votar na Dilma. Ela diz que ela pega o dinheiro dele, trabalhando na campanha, mas que quer é que a Dilma ganhe, por isso vai votar nela."