segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Nada de novo depois dos gregos

Em todas as fotos da Yeda, ela parece culpada. Primeiro achei que fosse questão de luz, cores e ângulos. Não imagino que a maioria dos fotógrafos jornalísticos gaúchos tenha algum carinho por ela, nem acredite que ela seja inocente. Mas não parece ser só isso, então me dei ao trabalho de ler a argumentação do Medina, advogado contratado para defendê-la. E, realmente, não é mera má-vontade dos fotógrafos nem mesmo a sugestão já no meu olhar dos ataques feitos contra ela que a deixam assim.

Quase tudo que envolve advogados e que chega à mídia parece ser embasado na mesma argumentação, em si muito antiga. É como no caso em que um motorista acerta em cheio outro carro, matando todo mundo dentro. Está claro, por uma série de indícios, que esse motorista causou o acidente, e portanto as mortes. O carro que foi atingido no entanto, tinha alguma irregularidade. Digamos algum problema com o IPVA, ou a carteira do motorista morto estava vencida havia um mês. Legalmente o carro das vítimas não poderia estar na rua, e assim o argumento da família dos mortos é invalidada por uma questão legal que passa totalmente ao largo do que interessa para a população não-advogada do mundo, de modo que o causador do acidente sai impune - não sei se é bom um argumento legal, apenas que a argumentação sempre oferecida ao público segue quase invariavelmente esse princípio. Pela pomposa expressão "respeito à lei", o que nos interessa deixa de ser julgado com base em alguma irregularidade legal discutível (como toda irregularidade legal, claro), comprovando, implicitamente, nossa opinião de que a pessoa seja culpada sem que a lei possa tocar nela.

O Medina fez o mesmo. Quer invalidar tudo a ver com a Yeda em cima de umas críticas muito discutíveis a processos legais paralelos ao que realmente preocupa qualquer um que não seja advogado, além das ferramentas mais manjadas para desmoralizar o MPF. Esses processos, formalmente, são importantes para a justiça constitucional, mas nunca dizem respeito ao crime que efetivamente está sendo discutido. Até mesmo o pessoal da imprensa que defende a Yeda bate forte que as informações divulgadas vieram a público muito cedo (por pouco, mas cedo...), quase e às vezes efetivamente deixando de mencionar o conteúdo de relevância prática. Os argumentos paralelos também são idiotas em geral. Medina reclama, por exemplo, que afastá-la do cargo seria um exagero descabido, sendo ela acusada de usar sua posição para coação. Hmmm. "Descabido" não é bem o que vem em mente. E ainda que tenha acusado o MPF de falar antes de legalmente ter a liberdade de fazê-lo, o advogado junta à balela, claro, argumentos mais que precipitados para alguém que ainda não teve acesso aos documentos da acusação - já usei a palavra "manjada" neste post?

É claro que o processo ainda não foi julgado, de modo que ninguém poderia dizer se ela é culpada ou não, mas a defesa na verdade nem tenta ir tão longe ("culpada", "inocente"). A fraude é implicitamente aceita (incluindo o envolvimento do marido da governadora) e a possibilidade de que Yeda estivesse envolvida não é negada frontalmente - no máximo, diz-se que as provas são insuficientes ou dúbias. Qual a base da defesa? O trâmite legal não foi, talvez, seguido à risca.

Enfim, cada andamento da novela repete passos bem conhecidos de uma retórica antiga e vazia já no berço. É engraçado, mas acaba sendo uma forma de comprovar que reagimos a estruturas, mesmo quando não temos consciência delas: o processo todo anda como sempre acontece, e ainda que apresente nomes diferentes, ou cargos diferentes, reconhecemos até sem querer, já na superfície, uma estrutura bem familiar, tendo-se a impressão de que até as fotos antecipam a conclusão.

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