domingo, 6 de novembro de 2011

O mito da utilidade do conhecimento

- Eu nunca vou usar isso na vida, certo?

Questionado por uma aluna assim, eu respondi que ia, sim, e demonstrei como. Mesmo assim, minha resposta estava errada. Não porque eu estivesse mentindo, mas porque a própria pergunta era errada. O problema do interesse na educação nunca é (na escola, NUNCA, não importa o que digam os mais numerosos pedagogos) se determinado conhecimento é útil para o aluno ou não. Nem mesmo se o conhecimento é PERCEBIDO como útil pelo aluno, o que seria uma forma aparentemente mais verdadeira de pôr a questão.

O problema da educação é se o que está sendo apresentado ou trabalhado pelo aluno é apelativo para ele ou não, se o assunto interessa por si mesmo, não em relação a um futuro mais ou menos distante, útil para a vida profissional ou afetiva de dali a alguns anos.

Para quem acha que o conhecimento precisa ser entendido como útil para interessar, proponho a seguinte questão: acreditas realmente que, depois de eu demonstrar que aquele conhecimento era útil para a vida, a aluna que me pôs a questão passou a trabalhar com motivação e engajamento, ou, sendo menos exigente, que ela pelo menos trabalhou naquilo sem novas resistências?

O grande problema da ideia de que o aluno tem que achar que determinado conhecimento lhe será útil é que isso pressupõe imaginar seres humanos envolvidos mais com o próprio futuro do que com o presente imediato e com o prazer sensível. A maioria das pessoas não é capaz de sensivelmente supor o futuro até o fim da adolescência, e mesmo aqueles (adolescentes ou adultos) que conseguem têm enorme dificuldade de sacrificar o prazer imediato pelo ganho futuro, mesmo que esse ganho seja comparativamente maior. É o que nos demonstra, para ser grosseiro no exemplo, o enorme apelo que tem a pornografia: um dos cúmulos do prazer imediato inútil (ou seja, do prazer pelo prazer).

Não podemos dizer o que um aluno vai verdadeiramente usar na vida, a não ser nos temas mais básicos do ensino. Não podemos dizer nem ao menos se a pessoa vai chegar a tal futuro, ou se vai morrer bem antes. Não podemos indicar para um aluno que o futuro lhe guarda possibilidades melhores se ele não é capaz de perceber esse futuro de uma forma minimamente madura, o que apenas uma minoria consegue - minoria que só se torna digna de nota, sem deixar de ser minoria, perto do vestibular ou na faculdade. 

Mesmo assim, os próprios alunos controem esse discurso de "se não é útil não quero aprender". Ora, acontece que esse sujeito nitidamente não quer aprender, não aquilo, não naquele momento, e é apenas por isso que ele ou ela parou para achar uma desculpa para largar a atividade e fazer o que realmente lhe está chamando a atenção (atualizar o orkut, jogar uma bolinha de papel, roubar a caneta da colega gostosa...). Agora, por que achar que os alunos estão colocando uma questão filosoficamente válida, se ela é totalmente gerada pelo desinteresse? Ou alguém acha que adolescentes sabem tanto da vida e de si próprios para colocar questões pedagógicas maduras? 

Algumas de suas críticas são válidas, mas de forma indireta. É preciso analisar o que eles dizem e utilizar isso para pensar no apelo de cada aula, mas eles não são capazes, em geral, de colocar o verdadeiro problema. O que eles falam não é a essência do que um professor precisa resolver, mas o sintoma que esse professor precisa analisar a fim de realmente entender o que está acontecendo e mudar suas aulas, se assim julgar adequado.

Para que alguém se atraia por aprender, a questão não é serventia ou utilidade "para a vida". Qual a utilidade de aprender a jogar um jogo além de, simplesmente, jogar o jogo? E por quê? Porque é divertido, porque é interessante, porque o jogo apela esteticamente àquele sujeito. O ponto da questão, portanto, não é que sejamos seres utilitários. O ponto é que somos seres estéticos.

O utilitarismo vem com a maturidade, para alguns. Por mais que conheçamos adultos imaturos, não vamos acreditar que adolescentes e adultos realmente sejam criaturas iguais. Não são. Tanto que a maioria dos adultos, ao ouvir por terceiros as reclamações de algum adolescente, ri com desdém. A questão de "para que eu vou usar isso?", por mais que revele desinteresse a ser enfrentado por um professor, deveria receber, muito mais, uma resposta com o mesmo riso, em vez de reforçar esse senso comum pedagógico que quer explicar para que serve aquilo que o aluno não entende em relação a um futuro que ele não enxerga.

2 comentários:

Lastannë disse...

Me fizeste lembrar das discussões com a professora de matemática que a maioria dos meus colegas (e eu) tinha.
Fórmula de Bhaskara e sua aplicação na vida... "vocês vão usar na faculdade de engenharia" e blá bá blá, dizia a professora, e nós respondíamos "mas vou fazer humanas, professora, quero medicina/veterinária/etc" respondíamos nós. "pq não deixam pra ensinar essa coisa na hora em for necessária?"

No fim a gente aprendia (ou não, se ferrando na prova). E o que pode ser útil no dia a dia, como regra de 3 e do 9, não foi ensinado.

Se eu usei a bendita fórmula depois de sair do colégio? Nunca. Até tive que googlar pra escrever o nome dela certo. =)

Tigre disse...

Hehehe. Eu, só por diversão, tentava lembrar da fórmula de cabeça, do nada, por uns anos, só pra testar se ainda lembrava. Espécie de teste aleatório de memória.

Esqueci quase completamente lá pelo meio da faculdade... rs