quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Brasil sem leis

O Brasil não tem lei para políticos nem para os não-políticos, também conhecido como "povo". A diferença está na forma como a lei não existe para cada grupo. 

Como ela não existe para políticos é um tanto mais literal, mas a especificidade dessa falha está em não afetar o ganha-pão, a atividade profissional. Ou seja, mesmo que a atividade policial atinja um político, sua função, no sentido amplo, sua vida política, não sofrerá com isso, apenas seu salário será um pouco mais fraco e incerto por, no máximo, 2 anos.

Já para o povo a questão é um pouco diferente. A lei pode nascer esquizofrênica ou tornar-se assim. Explico: as proibições contra as drogas têm nuances estranhas, não previstas no código, e, conforme se discute a lei sobre alguma droga, mais nuances se criam, de modo que maconha, crack, extrasy e heroína são ilícitas, mas nenhuma delas recebe o mesmo tratamento de mídia, público-consumidor, polícia e política. Se o cerco aumenta contra a maconha, a tranquilidade dos usuários para falarem do consumo e usarem na frente de qualquer um só fazem aumentar. Se o cerco contra o crack aumenta, a campanha atinge todas as escolas do país, sem deixar, é claro, de ser criticada, porque levada adiante por meios de comunicação. Estes, como se diz, interessados no combate a essa droga porque filhos da classe mais alta estão sendo muito afetados, justificam certo cinismo de todo sujeito com "espírito crítico", ou seja, aquela pessoa que não pode aceitar nada que seja apoiado pela "PIG".

No caso do povo, no entanto, é de se entender. Falta à ilegalidade da maconha suficiente apoio popular. Não estou dizendo que a maioria dos brasileiros seja a favor de sua legalidade (não sei), mas não é realmente algo que atraia a atenção de tanta gente, e quem quer sua legalização o quer com muita vontade. Poucos (proporcionalmente) são tão entusiastas de que a lei fique como está. Talvez não seja uma questão que atraia tanto seu interesse, talvez drogas mais pesadas sejam reconhecidas como ameaças mais graves à saúde, talvez o tráfico cause tanto dano que qualquer suposta cura para o problema seja preferível. "Se a cachaça faz o mal que faz, mas não provoca a violência cotidiana na vizinhança e nas escolas, por que não colocar a maconha no mesmo saco do álcool?"

Por um motivo ou outro, as leis da nossa sociedade não a representam, não a defendem, como que não vêm dela, verdadeiramente. Os políticos no Brasil são, para a experiência de gente demais, uma casta, à qual até se pode ascender, mas que torna qualquer pessoa (palhaço, jogador de futebol ou celebridade em geral) tão inatingível e desconectado do "mundo real" quanto qualquer "doutor".

A maconha é um caso progressivo. Outras leis são esquizofrênicas de nascimento, como a proibição de que se bata em filhos. É verdade que a obrigatoriedade do cinto de segurança e a proibição de fumo em lugar fechado nasceram para "criar uma realidade", como que para "impor uma educação". Ambas vingaram, me parece, mas poucos brasileiros reconheciam "não usar cintos" ou "fumar em espaço público fechado" como afirmações de valor e identidade. A educação dos filhos é diferente. Bater, de alguma forma, com alguma força, é reconhecido como valor, parece-me que pela maioria da população. Existem, novamente, matizes. Tem gente que espanca "porque pode" (quando está bêbado, por exemplo), gente que dá surra "para o filho aprender" e gente que acha que uma palmada aqui ou ali pode ser fundamental, desde que algo isolado, para casos extremos.

De qualquer forma, pouca gente parece considerar que deva se controlar em seus "princípios" de educação infantil porque um fulano rico e corrupto (supõe-se, imediatamente) assinou uma folha em Brasília. O que a casta distante dos políticos tem a ver com a educação do seu filho? Virá o Estado lhe dar o apoio, a educação, a saúde, a segurança de que sua criança precisa? Irá o fulaninho instrumentalizar o posto de saúde e trazer médicos e enfermeiros? De onde agora essa história de que políticos se importam com as crianças do Brasil?

E a coisa toda acaba no velho problema: como eles vão saber? Conselho tutelar? Este não dá conta dos problemas que lhe chegam já agora e mesmo assim não deixa de perder pessoal e alcance. A lei servirá para quê? Punir os extremos? Separar crianças que já viviam isoladas e mal tratadas a ponto de chegar no seletivo conselho? Será uma lei com nuances não ditas, que atacará a surra absurda sem ver a violência, como se ataca (algum) tráfico ignorando o consumo? Uma lei desacreditada pelo povo, sem sustentação pública? Para quê? Para quem?

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