quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O foucaultiano do meio de campo

Existe um meio de campo entre o modernismo e o pós-modernismo. Ele é formado por pessoas das Humanas ou, se de outras áreas, que trabalhem com o ensino de crianças e adolescentes. Nunca conheci nem vi representantes que não fizessem parte de um desses grupos, mas me corrijam se estiver errado. 

Esses indivíduos não são "modernos" porque não aceitam as grandes narrativas, tudo que já foi tachado de eurocêntrico e grande parte do pensamento ultrametódico a respeito do ser humano; gostam daquela visada geral que tenta agregar problemas supercomplexos em pequenas contradições filosóficas. Foucault é uma leitura obrigatória, mas podem agregar a ele (ou lhe contrabalançar) autores diversos, como Deleuze, Valéry, Barthes, Heidegger, Freud, Guy Debord e, mesmo que não aceitem ou não tenham lido Derrida (como disse, não chegam ao pós-modernismo propriamente, aproveitando pouca coisa do Barthes velho além de masturbação mental ou estética), não resistem a um certo relativismo. A diferença dessa zona pré-pós-moderna é que seu relativismo não chega a igualar tudo sob o mesmo valor. Por influência do senso comum gerado pela obra de Foucault, pensa-se que toda a realidade é construída pelo discurso, mas não se afirma que qualquer cultura seja igualmente aceitável, por mais que se busque entender sempre o olhar daquele eternamente denominado pelo famigerado termo "Outro". Essa negação de que tudo tenha o mesmo valor, no entanto, tende a ser mais teórica que prática.

A maioria desses limites estranhos entre respeito a toda cultura e valorização desigual, entendimento do mundo como discurso e pânico a respeito do sofrimento que as diferentes situações sociais ou culturais provocam (que não podem ser resolvidas pelo simples discurso, indicando que há um mundo lá fora) gera uma grande contradição na fala e na vida dessas pessoas. A familiaridade com o pós-modernismo torna essas contradições ossos do ofício, problemas aceitáveis para alguém que busca encontrar uma teoria-prática que não está pronta, que não pode nunca estar pronta antes da prática, que existe apenas no fazer (nota-se, acertadamente, um Paulo Freire passando por aqui). Ou seja, a contradição não provoca uma reação racional que busque resolvê-la, ela gera prazer.

Talvez esse gozo pela contradição explique um comportamento que tenho presenciado demais entre pessoas desse campo. Por um lado, há a fuga ostensiva e paranoica de todo tipo de critério comum. Quer-se um tratamento tão focado nas diferenças e qualidades de cada um que o termo individualismo talvez seja fraco demais para caracterizar. O que se quer mesmo é que cada um viva sua vida de acordo com todas as suas idiossincrasias, livres para a expressão máxima de si, o que só pode levar a uma utopia, pelo que creem. Por outro lado, uma incapacidade de entender que adultos podem discordar, ter vontades diferentes, não estar interessados, portanto, em seguir cegamente as visões desse grupo de intelectuais. Por isso mesmo, a busca da "felicidade de todos" pode gerar uma resposta autoritária dos mesmos intelectuais, que assumem que toda discórdia a eles é ignorância (mesmo se for verdade, jamais diga que não leste Foucault ou pisarão por cima de qualquer raciocínio teu sem te ouvirem). Estranham ainda que, se impõem sua visão, por caminhos autoritários, geram revolta ou obediência inquieta e desanimada, fraca, ressentida. Ou seja, o "outro" deve ser um sujeito pleno como só uma ficção filosófica pode ser, enquanto aquele que está bem na nossa frente precisa colaborar, concordar ou ser forçado a agir como essa teoria de meio de campo dita. 

Não acho particularmente que a democracia seja a melhor forma de organizar absolutamente todo grupo de trabalho. Pode gerar alguns problemas bem complicados, por exemplo, numa mesa de cirurgia. No entanto, o que estranho nessa postura pró-discurso, libertária, pseudorrelativista e autoritária (!) é que nem é capaz de reconhecer a vontade democrática quando ela cai de maduro na frente de todo o mundo. Na prática com esse pessoal, nem mesmo a colaboração pode nascer da autonomia. A colaboração só ocorre sob o signo unitário da concórdia absoluta. Como nunca se atinge isso, qualquer resultado que surja gera também o nítido mal-estar desse intelectual sincretista. Ou ele sofre com a ação conjunta ou todos os outros sofrem para que ele vença. Não há troca entre indivíduos com vontade própria se se está discordando do senso comum na volta de Foucault.

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