sábado, 16 de abril de 2011

Quatro ateus e uma divina oportunidade

Encontrei hoje no youtube, bastante por acidente, uma conversa entre ateus militantes (aqui a primeira parte, depois é ir chamando as outras), no caso quatro dos que atravessaram a última década acumulando visibilidade (publicando livros polêmicos) enquanto suas campanhas intelectuais, começadas antes ou depois de 11 de setembro de 2001, ganharam reverberação com a Guerra contra o Terror e a teoria do Choque de Civilizações (Ocidente vs. Oriente) que embasou o primeiro discurso para aquela Guerra. Em resposta a esses ateus, religiosos e outros ateus responderam atacando-os e apresentando outros pontos de vista a respeito do problema ("God Debate"), o que gerou uma sinergia de lucro para ambos os lados e decidiu, de fato, pouca coisa, se compararmos tudo isso com movimentos políticos, decisões de EUA, União Europeia, ONU, governos árabes e grupos terroristas. De vez em quando alguma decisão judicial de apedrejamento por blasfêmia ganhou a mídia e toda essa discussão talvez tenha dado algum terreno mais fértil para se saber que decisões diplomáticas internacionais caem melhor para diferentes eleitores, assim como os debates sobre aborto com certeza ganharam nova cor até mesmo por aqui, mas a discussão entre Religião e Razão (como querem, simplificadamente, esses ateus militantes) ficou em grande parte restrita ao interesse de pessoas cujos cacoetes as impelem a problemas teóricos e éticos, como eu. Parece-me que, no Brasil ao menos, a gigantesca maioria da população nunca tenha mesmo lido seus nomes ou sabido do debate.

Os ateus no vídeo são Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens, todos convidados pelo primeiro, acredito. A vantagem de ter quatro ateus discutindo e nenhum religioso é justamente que enfim (o vídeo é velho, porém postado no fim do ano passado) se pode ver o que eles têm a dizer fora de uma situação de debate, mas, ao mesmo tempo, trocando ideias, questões, provocações e experiências. Eles concordam em várias coisas, mas se colocam problemas e propõem dúvidas que têm ou a que foram expostos em suas próprias carreiras. Estão, portanto, avançando numa conversa, mas lidam com uma boa fé que seria difícil despontar se estivessem numa situação de ataque-resposta. Ao mesmo tempo, eles podem entrar em detalhes de certos problemas ou dúvidas porque a conversa, em certo sentido, anda. Existem certos caminhos metafísicos que ateus e religiosos não podem trilhar juntos. Amarrados, uns puxam para um lado enquanto outros puxam para o outro e ninguém sai do lugar. A vantagem, portanto, de se ter certa concordância no geral, é que o vídeo permite que se explore mais detalhadamente as discordâncias entre eles próprios. Também, por algum motivo, não sei se esse, na conversa Hitchens está particularmente calmo e bem intencionado, o que não considero seu natural. Para mim, na verdade, é o pior dos quatro, apesar de fazer algumas boas participações nesse vídeo. Não esqueço, no entanto, que foi capaz, em outro debate sobre religião, de apoiar a guerra dos EUA no Oriente Médio com a seguinte frase: "I know a just war when I see one". Além de considerar a proposta cristã de amar o próximo como obscena e radicalmente contrária à moral (porque ela implicaria, para ele, apenas não se defender do mal e entregar os próprios entes queridos e modo de vida à morte).

Enfim, meu principal estranhamento em todo o tal God Debate era que as religiões do mundo (todas) fingem uma unidade que não têm. Quando o assunto é aborto, todos que querem defender determinado ponto de vista com base em Cristo de repente parecem concordar como "cristãos". Só que seus cristianismos são na verdade conflitantes em quase todas as afirmações sobre o universo, Deus, vida e moral. Mais do que isso, cada religião em si, para mim, finge sua unidade: um católico que reza para Santo Antônio mais do que para Nossa Senhora Aparecida, outro que reza sempre e unicamente para Santa Clara e um que se concentra em Jesus Cristo e não dá muita bola para santos tendem a discordar não apenas em seus alvos de preces, mas também em todas as questões que citei (universo, Deus...). Podem achar que creem no mesmo deus único, mas descobririam que não se tentassem descrevê-lo ao mesmo tempo. Alguém versado em teologia absolutamente não tem a mesma religião que um cidadão que nunca ouviu falar em São Tomás de Aquino por mais que ele vá sempre à igreja e observe todas as liturgias. 

Apesar de tudo isso, por causa desse fingimento de unidade, os ataques de ateus militantes a religiões podiam combinar formas e crenças religiosas quase aleatoriamente, atacando algo com base na teologia e outra coisa com base numa paróquia da Flórida, o que me parecia injusto. Por outro lado, as defesas das religiões podiam aproveitar a mesma confusão e defender a paróquia usando teologia e filosofia sutil, quando estas obviamente não representavam a prática daquela.

Ninguém estava, portanto, lutando no mesmo terreno, ainda que os tiros de uns e outros tenham proporcionado a aparição de informações, anedotas e erudições interessantes para alguém que os acompanhasse como certo hobby (moi). Pois bem, a conversa quase entre amigos presente nesse vídeo permite finalmente que eles entrem nesse problema da diversidade de cada crente e do fingimento de unidade (é apenas um pedacinho da conversa, mas valeu), de modo que fica claro porque e como o problema se apresenta para cada um, o que também permite certas acusações graves (verdadeiras) a respeito dessa confusão quando utilizada por filósofos e teólogos. Ao mesmo tempo, esclarecem quais deles atacam todo tipo de religião (e por quê) e quais seus argumentos contra a prática cotidiana e a filosofia dos teólogos.

Enfim, não sei se o vídeo pode interessar a alguém, mas resolvi apresentá-lo aqui, como pude, porque ele é mais de uma hora para que se escute um lado do debate com certa atenção e sem o espírito belicoso de um debate, algo raro que deveria caber dentro de um debate, mas raramente acontece na nossa forma de discutir ideias hoje. Não acho que o grupo fale muita besteira, apesar de não concordar com algumas coisas, especialmente com certas afirmações perto do fim, portanto achei a indicação aqui válida. Também devo dizer que o vídeo está inteiro no youtube ainda que tenha alguma variação de postagem, de modo que às vezes é preciso diretamente procurar a outra parte em vez de simplesmente a encontrar à mão na coluna à esquerda da tela.

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