quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ditadura na nossa cara

Conforme a lenda, e a impressão de algumas pessoas que conheço e que estiveram por lá, a Alemanha passou por uma espécie de ressaca do Holocausto. Exposta a barbárie e derrubado o governo, dizem que eles não souberam o que fazer com aquele naco de sua história até recentemente. A campanha que mantém a memória do Holocausto viva ficou forte em outros países, principalmente nos EUA, claro. Enfim, a história foi ficando distante e, supostamente, memória e acusação foram saindo do silêncio autóctone. Ao mesmo tempo, claro, o neonazismo foi recuperando visibilidade.

A ditadura militar brasileira curiosamente fez um percurso que parece inverso, mas acho que está terminando na mesma porcaria. Em primeiro lugar, não precisamos nos chocar com o pior que fizeram, porque muito do que fizeram não é bem conhecido ainda. A maioria dos documentos escabrosos parecem ter ficado fechados (ou foram queimados) em vez de serem expostos por nações estrangeiras e inspirarem julgamentos internacionais e filmes americanos. Além disso, a derrubada de nossa ditadura teve grande propulsão interna, de modo que a galera que venceu tinha todos os motivos para, em vez de silêncio, fazer algazarra na ressaca.

Então por alguns anos foi óbvio odiar a ditadura. Eles eram demônios, terríveis, odiáveis, traidores, corruptos e, para piorar, uma galera deles seguiu no poder... Por outro lado, a falta ou destruição de documentos manteve o regime sob um silêncio prático. Se ideologicamente havia clichês à mão para detestar a didatura, o que mais se quisesse falar e estudar a respeito com algum embasamento andava sob fortes restrições.

As pequenas tentativas que foram feitas para nos recuperar desse silêncio parecem ter andado de par (como na Alemanha) com uma mania de se defender a ditadura, a ponto de militares andarem ostensivamente valorizando o golpe, inclusive fazendo com isso frente à presidente. 

Só que, mesmo que a VAR Palmares tivesse torturado filhos de militares, nada justificaria o regime que se sustentou no Brasil de 64 a 85. É absolutamente ridículo que se honre quaisquer datas relacionadas a uma ditadura que, com o pouco que se sabe objetivamente, com certeza matou e torturou inimigos políticos (categoria, como se sabe, incrivelmente ampla) além de manter a democracia brasileira trancafiada por todos esses anos. Além da violência direta, imediata e óbvia, quantos outros resultados esse tempo de ditadura deixou no Brasil, seja na educação, na cultura ou no habitus político do país?

A Comissão da Verdade pode ter os problemas que tiver, isso nunca vai ser argumento pró-ditadura de 64! Que coisa mais mentecapta de se pensar política nacional como briguinha de crianças. Um lado não ter razão NÃO é prova de que o outro tenha! Nem mesmo a Lei da Anistia permite que se fale bem da ditadura. Ela diz respeito a esquecer (judicialmente) o feito por dois lados, e é só isso que ela permite. Não é, no entanto, porque não se é exigido publicamente por seus atos que esses mesmos atos tornam-se moral e historicamente neutros, menos ainda louváveis! Não é porque alguém não é punido judicialmente que sua culpa deixa de existir. Que aconteceria se a Dilma se vangloriasse de atos terroristas, mesmo que contra uma ditadura, fossem diretos ou indiretos? Por que se aceita que militares se vangloriem por uma ditadura, ou que tentem tratá-la como uma evento aceitável e compreensível de nossa História? Por que têm podido valorizar a merda que impuseram a todo o país?

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