quarta-feira, 6 de abril de 2011

Os pescadores e as políticas públicas

Numa frase que é mais complexa do que aparenta, eu devo dizer que há dois tipos de professores: os bons e os ruins. Isso é mais complexo porque "bom" e "ruim" não são aqui variações num mesmo espectro. Eles são mesmo denominações de seres que têm natureza diversa.

Os professores ruins são os que impedem o desenvolvimento dos alunos. Ofertam exercícios ou práticas emburrecedoras, cortam a criatividade e a curiosidade deles, tratam-nos mal, seja de forma desrespeitosa ou diretamente violenta. Os bons professores não tornam seus alunos inteligentes, nem desenvolvem neles criticidade, ainda que os tratem bem. Essas coisas podem ser provocadas pelos professores apenas de forma figurada. Os bons professores, para usar outra figura, são pescadores. Eles lançam a rede e ajudam os alunos a sair do mar primordial da ingenuidade (em relação a conhecimento, lógica e horizonte) para a existência adulta. É claro que isso é feito aos poucos, e nenhum professor ajuda no processo todo; cada um dá um empurrão, mas é nessa direção que o sujeito vai. Por isso professores bons e ruins são de natureza diferente. Os ruins constroem e reforçam barreiras, os bons desenvolvem e lançam redes. Quanto pior o professor, mais forte, mais opaca e mais alta a barreira. Quanto melhor, maior a rede e mais longe ele a lança. - Apesar da diferença de "natureza", a maioria dos professores não é sempre bom nem sempre ruim, me parece.

O aparente bucolismo da imagem de um professor lançando redes pelo mar da vida não está aqui para embelezar o trabalho dos professores, apenas para criticar uma precaução da pedagogia moderna. Trata-se atualmente como se o professor educasse e o aluno aprendesse, indicando-se com isso que os dois movimentos são diversos, nenhum implica necessariamente o outro, ainda que ambos sejam necessários na escola. Um professor "educar" não significa necessariamente que um aluno "aprenda". A coisa toda deve ocorrer de maneira mais dialógica do que se pensava a.P. (antes de Paulo [Freire]).

Isso não é suficiente. Pela imagem do pescador quero dizer mesmo que o professor nunca "educa". Ele pode ajudar peixes a sair do mar, não pode gerar bons peixes no mar. Pode permitir que uns sofram metamorfose, mas não pode fazer essa metamorfose por eles nem indicar realmente o valor dela, a não ser em situações raras demais para embasarem nossa crença ou espera por um futuro melhor. O professor não pode, também, aumentar o número de bons peixes onde eles são raros.

Ora, que preconceito da minha parte! O que seria um "bom" peixe? Aquele mais adequado à minha bitolada visão de mundo? 

Sim. Minha bitolada visão de mundo diz que as pessoas deveriam aprender a andar com os próprios pés, julgar a vida de acordo com boas e significativas experiências, bem como pela lógica e pelo mais vasto conhecimento de mundo que conseguirem arrecadar de livros, internet, amigos, conhecidos, desconhecidos e, especialmente, experiências. O "mau" peixe, para mim, é aquele que não quer sair do mar, o que, correndo o risco de soar um pouco freudiano, quer dizer aqui "sair da barriga da mãe". É claro que por isso eu não quero dizer sair da barra da mãe, porque só as mães de certos grupos particulares são protetoras e carinhosas. "Mãe" tem necessariamente sentido muito amplo e metafórico aqui. Indica basicamente tudo aquilo que nos protege e nos mantém numa redoma. Que curte que fiquemos nessa redoma. Pode ser o Grande Irmão, o Grande Pai, o Grande Pastor, o Grande Partido, a Grande Igreja, a Grande Lei, a Grande Bolsa, ou, quem sabe, a Grande Mãe mesmo (para clérigas de religiões matriarcais). Qualquer coisa que nos proteja a custo de nosso desenvolvimento.

Apenas ofertam conhecimento e questionamentos, os bons pelo menos. As pessoas educadas ou propensas a aproveitar aproveitam, saem do mar porque querem (mesmo que não saibam dessa vontade). O grande mérito que o professor pode puxar para si é o orgulho de não ter levantado barreiras (o que é bem mais complexo do que deve aparentar sendo posto assim).

Não conheço muitas coisas que educam. Políticas públicas, porém, eu decididamente colocaria nessa lista. Essas políticas educam. Basta dar dinheiro para um pessoa ir para a escola e o sujeito não apenas passa a ir como aprende que merece dinheiro por isso. Que, sem salário, não deveria ir na escola. Familiares também educam, porque são capazes de ensinar para alguns que, apesar da bolsa, não é por ela que se deve ir à escola, mas por alguma outra coisa que o professor lhes irá ofertar. Mas familiares estão no mundo conforme a educação que seus próprios familiares deram, enquanto as políticas são pensadas e planejadas por profissionais com um objetivo uno e claro.

Políticas públicas educam, e têm conseguido maravilhosos resultados. Uma massa de pessoas hoje em dia, por exemplo, por mais que não se gostem, que não se deem valor, que se considerem o esterco da humanidade, que se esforcem só até conseguir sexo, comida e música, querem com muita força receber auxílio. Querem ser ajudadas, mas porque sofreram, ou sofrem; porque têm dificuldades e boas intenções (ou só porque dizem ter). Elas esperam uma mão amiga. E isso sem se darem nenhum valor e sem acreditarem que, por esforço próprio, chegariam a algum lugar.

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