terça-feira, 5 de abril de 2011

Brasil e Bolsonaro, feitos um para o outro

Este post pressupõe forte desrespeito pelo ser humano. Sinto se ficares insultado.

Eu costumava pensar que o feminismo e o politicamentecorretismo mais chatos eram aqueles que não permitiam que se fizesse nem piada no bar sobre qualquer coisa. Mais: o cara podia estar bêbado, entre amigos e em contexto plenamente favorável a ser bem compreendido: falou "judiar", queima!

Continuo contrário à conclusão de que alguém ser queimado seja solução para problemas sociais, mas estou sinceramente repensando meus julgamentos a respeito das obsessões desses "chatos". E o que tem feito isso é um assunto que eu pretendia ignorar no blog, mas não consegui: o (novo) caso Bolsonaro.

Superficialmente eu diria que é errado policiar o que as pessoas pensam, mas eu não posso dizer isso com a cara séria por alguns motivos, especialmente porque o que as pessoas pensam realmente não incomoda ninguém, é o que elas dizem ou fazem em cima disso que incomoda. O que o "vilão" pensa aterroriza apenas por indicar que a pessoa pode repetir a ofensa que disse ou fez. Assassinato é oficialmente repudiado pela maioria das pessoas, mas saber que alguém é um psicopata assusta muito mais, exatamente porque isso implica que o sujeito pode matar de novo. É por isso que eu uso como metáfora de exagero a ideia de que "se policia até aquilo que as pessoas dizem no bar". Sei lá, me dá uma impressão de ser o melhor exemplo de contexto relativo e relaxado onde se libertam às vezes ideias mais sinceras (e menos permitidas) entre ouvidos amigos e em pretensa inconsequência. 

Além disso, é meio engraçado dizer que é errado policiar o que outros pensam quando todo o mundo quer saber o que pensamos e quer nos julgar por isso mesmo. Está longe de ser exclusividade de governos e ONGs. Então a crítica à "censura do pensamento" é literalmente à punição financeira ou física ao indivíduo pelo que ele expressa em qualquer situação. Censura ao pensamento não pode ser literalmente combatida porque é ainda vontade geral da nação: nenhum grupo social está livre de perder boa parte de seu tempo tentando "corrigir" os outros (a menos que não tenha nenhum respeito ou interesse no outro grupo - o que implica ser mais poderoso que esse outro em relação a seus próprios interesses). Essa "correção" nem sempre é, mas cai facilmente em censura, ainda que uns escorreguem e caiam nessa postura volta e meia enquanto outros armem a barraca por lá.

No entanto, ingenuamente eu fico pensando que (no alegórico bar) é possível deixar escapar coisas as quais, numa situação bem pensada, não seguiríamos, que é possível dizer uma coisa ao léu e não agir conforme aquela bobagem. Pode até ser uma piada; quem sabe a pessoa tem senso de humor?! Enfim, imagino sempre uma refração entre o pensamento espontâneo ou descuidado e a prática social séria de um mesmo indivíduo. Eu sei que dito assim a coisa parece ingênua demais, mas isso me vem da seguinte situação: muita gente diz que gostaria que outra morresse. Isso acontece a todo momento, milhões e milhões de vezes. Pelo que me consta, chacinas são coisas que acontecem em situações sociais bem específicas e não nascem desses comentários nem de todos os ódios que existem na Terra. Quantas pessoas nesse momento acham que querem transar, mas na hora H fugiriam da raia? Quantos querem esmurrar aquele atendente, mas não vão?

É claro que essa refração é pequena. Não acho que uma pessoa que defenda machismo à la anos 1950 não seja machista, mesmo que o diga num bar, mas também não acho que ele pratique todo o machismo que professa. Enfim, o que quero dizer é que há uma margem de erro entre o que se diz e o que se faz, assim como entre reações momentâneas ou emocionadas e a postura social que sustentamos.

Quer dizer, isso é o que eu achava. 

O não-problemático para essa teoria é o que Bolsonaro disse, já que espero imbecilidades de um imbecil. O problema é que as pessoas que diriam por reflexo "Tem que matar esse cara" realmente o disseram da maneira mais pública que encontraram. E não apenas o fizeram como sustentaram a reação emocional, burra, ignorante e absolutamente animalesca a sério. O Bolsonaro é idiota de achar que o que ele sente e o que ele pensa são a mesma coisa e, por isso, a soma de suas reações ao que acontece no mundo formaria uma bola racional e coerente que merece ser defendida publicamente. Não bastasse isso, seus sentimentos são violentos e suas ideias são infundadas. A mistura dos dois lados forma um amálgama difícil de se encontrar fora de grupos militantes universitários (de qualquer partido).

Ou seja, refração zero nesse cara aí. Só que quem respondeu a ele fez a mesma coisa. Transformou a primeira reação que teve em "bandeira moralista", defendendo uma resposta sentimental animal (nem tente se dizer que boa parte de nosso contemporâneo autopoliciamento politicamente correto não é adestramento do tipo estímulo-resposta) como bastião da razão, do respeito e da democracia. Ora, o que é moralista deve existir em relação a uma moral. Nossa reação instintiva de suprimir aquilo de que discordamos no mundo NÃO É uma moral. (Muitos diriam até que é o contrário de uma moral, que envolve sempre algum, se não completo, sacrifício de nosso interesse subjetivo.)

Talvez a ocasião faça mesmo o ladrão, e o poder de refração, que implica certa responsabilidade pelo que dizemos ou fazemos quando não estamos jogando conversa fora, seja mesmo algo inexistente, mais uma ingenuidade que descubro em minha mente pretensamente cética e pessimista. De repente, eu sinto dizer que o ultrapoliciamento de feministas e qualquercoisa-chatos tenha sim sentido, razão de ser: se a opinião de bar é a postura social moral das pessoas, então é melhor pegar o problema quando ainda não saiu do bar. Afinal, tanta gente acha, seriamente, que um Bolsonaro deve ser "corrigido" na porrada, exatamente como ele quer "corrigir" o homossexualismo em filhos alheios. A infantilização que as políticas públicas costumam praticar tem aí um bom argumento! Esses "cidadãos tão engajados" são sim um bando de crianças.

Este post, enfim, não conclui nada de muito novo. Talvez exista só para eu dizer para mim mesmo que, se um povo merece os políticos que tem, não há nada de se estranhar que os brasileiros tenham Bolsonaro, mesmo que, pelo partido dele, pudéssemos pensar que haja alguma oposição entre o sujeito e as pessoas que o criticaram. Partidos, bem se sabe, não querem dizer nada no Brasil. Considerando, então, a imbecilidade do Bolsonaro, quão assustadora é a conclusão "Brasileiros e Bolsonaros se merecem"?

A única resposta inteligente foi mesmo a do CQC, tanto comercial quanto democrática: chamaram o cara para conversar de novo. Sabem que conversar e concordar não são necessariamente sinônimos.

Um comentário:

Marcelo disse...

É a democracia mostrando os dentes e seu instinto de sobrevivencia.

Achei muito interessante nesse caso o questionamento sobre a censura dentro de um paradigma de liberdade de expressao, nao é um assunto novo no contexto atual mas tenho interesse em saber como essa censura vai ser consolidada.