domingo, 24 de abril de 2011

Rebeldia implica autoridade

Sempre que novos casos de violência contra professores, supervisores ou diretores ganham as notícias, é comum que alguns lamentem a falta de autoridade do "professor" atual, ou o fato de que os alunos não reconheçam mais tal autoridade. Eu não conheço grandes estudos específicos a esse respeito, mas a impressão que tenho é bem diversa. Os alunos reconhecem professores como figuras de autoridade, o que acontece é que esses alunos que atacam os profissionais da escola têm uma enorme revolta contra o poder que reconhecem manifesto ou simbolizado no professor, identificado exatamente como "autoridade". Ou seja, sua resposta violenta não surge porque não veem autoridade no professor, muito pelo contrário: é exatamente por a enxergarem que são violentos.

Essa revolta não é a importante manifestação de um "espírito crítico voltado contra o sistema", nem pode ser chamado ainda de uma crítica ingênua. Não vou enveredar pelo caminho dos que acham que isso é bom, porque creem que toda revolta seja boa. Claro que não: se fundamentadas em ilusões ou se desprovidas de causa, críticas são simplesmente asneiras destrutivas. Mas é preciso reconhecer a rebeldia desses alunos, em vez de subestimá-la como ignorância, ausência, fruto de uma simples não-educação. 

Eles não precisam aprender uma cultura submissa para ver autoridade nos profissionais do colégio. Eles conseguem chegar a essa conclusão sozinhos, ainda que muitos possam ter dificuldades para expressá-la verbalmente. Um dos grandes problemas, aliás, é que aprendam isso sozinhos, porque então reconhecem no professor o único tipo de autoridade que geralmente conseguimos enxergar quando somos jovens: a autoridade da violência. Não por acaso, já que autoridades são pais, policiais, professores... ou seja, unicamente pessoas que têm poder de sanção sobre nosso poder de ir e vir. Mais ainda, todos estão numa mesma cadeia de autoridade. Por exemplo, os professores, sem saída diplomática, chamam os pais (o que pode levar a surras em casa ou, no mínimo, castigos). Se os pais não resolvem o problema, a questão será tratada com Conselho Tutelar, na visão deles uma antecâmara para o problema ser levado à polícia. Tanto pais quanto policiais, se afrontados por uma revolta inflexível, tendem a apelar para a violência, e o discurso positivo ou interessado de alguns professores não podem esconder que, no quadro geral pragmático, são figuras de negociação que tentam resolver a crise antes que uma das outras autoridades tenha de ser chamada para, se quiserem, usar de violência. Além de tudo isso, professores tendem a não ser fisicamente violentos, a não ser com seu domínio sobre portas da escola ou com gritos, mas a possibilidade de um ataque físico nunca pode ser totalmente descartada, tanto que a televisão comprova que alguns se passam.

Os alunos entendem, portanto, que professores estão numa determinda posição de autoridade, e isso quer dizer que usam formas mitigadas de violência e podem apelar para pessoas que não têm as mesmas restrições, independente do que diz a lei (geralmente desconhecida dos alunos). A possibilidade de autoridades serem de outro tipo, como a intelectual, é basicamente alienígena para nossa cultura. Mesmo as pessoas que a reconhecem costumam fazê-lo depois (às vezes bem depois) dos 20 anos de idade, e muitas vezes ela é de fato apenas uma máscara para idolatria simples. O que poderia ser reconhecimento de autoridade moral também tende mais para a tietagem e submissão dogmática.

Nesse quadro geral, a posição entre violências (ou de violência mitigada) ocupada pelo professor coloca-o, para a percepção do aluno, como uma espécie de elo fraco da corrente. Ali há mais espaço de negociação do que com pais ou policiais, assim como a possibilidade de resposta direta do professor é mais fraca e lenta. De forma um tanto amadora, mas com suficiente clareza, a maioria dos alunos reconhece que é com o professor que seus estouros podem se dar de forma mais clara e aberta, ou que o número de "perdões" na escola supera imensamente o número que poderia receber de quaisquer outras autoridades.

Se vamos nos revoltar contra alguma autoridade, costumamos investir contra a mais fraca e menos violenta delas, lógico! O problema não é ensinar aos alunos brasileiros que professores são autoridades, mas ensinar uma relação completamente diferente com a autoridade em si, para muito além da escola. Isso exige, pelo outro lado, que nossas autoridades mudem. E alguém acha que uma mudança de postura das autoridades (pais, policiais, legisladores, conselheiros...) será atacada por projetos de educação (exceto leis que decretam novas formas de comportamento e que, por isso, não têm eficiência)? Ora, pense-se no irracionalismo da resposta dos governantes aos tiros em Realengo e se terá uma medida do tipo de raciocínio que assola nossas políticas públicas. 

Esses casos de violência são preocupantes de fato porque o problema das escolas é bem mais profundo do que temos coragem de questionar politicamente. Ele é, no mínimo, três vezes maior do que cabe no atualmente restrito conceito de "Educação". Se permissividade não é um caminho plausível, pesar mais ainda a mão, procurar simplesmente novas formas de repressão e supor que se precise reinjetar autoridade num professor supostamente esvaziado é só botar mais lenha na fogueira, ignorar que o comportamento do aluno é uma rebeldia.

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