terça-feira, 14 de setembro de 2010

Políticos são confiáveis (só não muito sigilosos...)

Quebra de sigilo seria assunto pedestre não fossem as eleições. Não estou querendo diminuir os recentes ocorridos, estou apenas lamentando o quadro maior desses acontecimentos. Já foram acessadas informações sigilosas de Serra, FHC, Lula, além de, é bem possível, as minhas e as tuas, eventual leitor. A própria filha do Serra foi acusada, em 2001, de disponibilizar, ilegal e publicamente, os dados confidenciais de dezenas de milhões de brasileiros (afora ser responsabilizada por licitações ilegais e suborno, pelo que seu irmão apenas foi efetivamente condenado). A Receita Federal, na atual investigação, considerar a quebra de sigilo dos tucanos como uma ocorrência de "crime comum" quer dizer exatamente isto: "Ah, acontece todo dia, uma hora ia acontecer com os amigos do Serra". Esse "acontece todo dia", porém, não se restringe nem ao governo do Lula nem meramente ao século XXI. E a universidade ainda me enche o saco há anos para mudar de senha sempre, "para a minha segurança"...

Enfim, seja porque iam desencavar o que não deviam, seja porque não deu resultado, o Serra parece ter diminuído rápido o seu discurso ultrajado a respeito do "abuso" feito com sua filha. Como será que alguém tão revoltado moralmente pode se acalmar assim, apenas porque um escândalo não lhe trouxe votos significativos? Enfim, o caráter superior de um político, sem dúvida! O que me interessa mesmo comentar é a explicação dessa refreada pelo "desinteresse do público brasileiro por táticas eleitorais de ataque".

Estranho! Desacreditar o adversário foi moeda corrente de retórica política desde antes de a política ter nome... Seremos comprovadamente o país do futuro, resistentes contra uma estratégia que funciona em todos os nossos bares, em todas as nossas escolas, em todas as casas e em todos os programas de televisão?! Bom, eu realmente não curto muito esse tipo de coisa, mas simplesmente porque não confio em nenhum dos lados. Não parece que, nisso, eu seja muito diferente de meus conterrâneos. Lembro sempre de uma turma de alunos adultos para quem propus um debate sobre preconceito (ok, eu não tive essa ideia "genial", mas tive de levar adiante, e levei do meu jeito...). Em determinado momento, quando a discussão parecia que ia morrer, eu joguei um problema: "Todo político é ladrão?" Notório "Sim!" "E isso é preconceito?" Violento "Não!" O papo avançou por todos os lados, mas sempre caiu na certeza absoluta de que todo santo político profissional é ladrão. E esse termo, claro, é mais amplo que o Atlântico quando aplicado a políticos. Parece-me que o problema de Serra não é ter feito algo de que os brasileiros não gostam". Sua campanha está é cega, e latiu, por pelo menos uma semana, para um poste. Ora, existem pessoas que veem problemas morais e legais graves na quebra de sigilo bancário de alguém? É claro que sim! Mas estes representam quantos por cento do eleitorado?

Aqueles que consideram que a notícia, mesmo que fosse ligada à campanha de Dilma (o que AINDA não fizeram), não seria novidade alguma, porque "político é tudo ladrão", simplesmente não acham que essas acusações mereçam uma repensada no próprio voto. Mais que isso, existe muita gente, pode parecer estranho para alguns, que realmente gosta do governo do Lula, e que simplesmente não se abalaria com alguma corrupção ("político é tudo ladrão"). Além do mais, grande parte das noções de intimidade, segurança e sigilo que podem ser evocadas (como o carinha do programa do Serra, "é como se alguém entrasse na sua casa, vasculhasse suas coisas...") de fato não são entendidas por uma enormidade de brasileiros como aquele ator do programa eleitoral os entende. Um número bastante assustador de brasileiros ri se confrontado com palavras como "dignidade", e olha que eu estou falando por experiência num estado considerado rico no Brasil. A lógica de quem recebe duas ou mais bolsas do governo é outra, não só por causa das bolsas, mas por todas as experiências de vida que o tornam elegíveis a tais bolsas. E se alguns desses programas foram criados, de alguma forma, pela atual oposição, que importa? Não importa nem ter sido o Lula ou não quem ampliou esses programas, ou quem aumentou seu número. O que importa é que sua imagem está associada (mesmo para o eleitorado de diferentes classes) a todos esses benefícios e a tantos outros programas, bem como a incentivos (bons ou ruins) ao ensino e a concursos em diversas áreas.

Capas e capas sobre políticos corruptos (PT, PP, DEM, PSDB, PMDB, PV, PSol, PQP...) têm o mesmo efeito sobre o grosso do público, aparentemente, que outras tantas capas sobre traficantes violentos. Que eles são criminosos, está todo mundo sabendo há décadas. What else is new?

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