quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Lula (e Dilma) para os ricos de berço

Não me pretendo isento, mas, para que o internauta não leia este texto numa perspectiva completamente equivocada, devo dizer de início que não pretendo votar no Serra.

Li há poucos dias a entrevista de Hildegard Angel, que é apresentada geralmente como colunista social de O Globo e filha de Zuzu Angel, grande destaque de seu currículo, irmã, portanto, de um guerrilheiro (torturado e morto pelos militares). Ela está abertamente apoiando Dilma há algum tempo, e marca certas opiniões que ajudam um grupo social (ainda auto-percebidos como aristocratas) a votar ou pensar em votar em Dilma (se ela consegue isso ou não, é outra história, mas a tentativa aqui é o que interessa).

A parte de "filha da Zuzu Angel e irmã de guerrilheiro" parece ajudar que ela vá com a cara da Dilma, preferindo alguém que chegou ao extremo da resistência para combater a ditadura à parte da sociedade que ainda convive e aceita grande parte dos crimes cometidos no período pelos próprios militares. Mas não se trata apenas dessa questão. Ela atribui determinadas características a Lula e Dilma que os destacam da figura menos valorosa de Serra, bem como apresenta a elite brasileira (no sentido mais extremo do termo, ou seja, em que ter grau universitário e mais de um computador em casa representaria apenas uma certa parte da classe média mesmo) sendo rígida em seus preconceitos.

Agora, a categorização desses lados (elite vs. Lula) é muito curiosa. Ela diz, por exemplo, que a elite tem seus valores, seus princípios e acha muito difícil abrir mão de suas convicções. Ora, sem se caracterizar tais princípios, o que ela não faz nunca, não sabemos se isso afinal é bom ou ruim. Que um grupo ou pessoa tenha valores e defenda seus princípios é, em geral, muito louvável, e as "classes inferiores" fazem exatamente o mesmo, apenas sem expressá-los em eufemismos ou sublimações. Depois ela diz que é a elite não produtiva que tem preconceito com o Lula, mas ainda não define que valores eles defendem (mas, sim, supomos o pior). Ao mesmo tempo, diz que quem era da diplomacia brasileira e não está no atual governo não gosta do presidente também porque ele nega a erudição que caracterizava o Itamaraty. Isso pode vir até numa forma bem preconceituosa, mas também pode não ser o caso. A "negação da erudição" no governo Lula vai além de meramente derrubar uma retórica antiquada: sua retórica, pelo menos nos últimos 20 anos, baseia-se no direito divino de baratear qualquer discussão, qualquer debate político, e seus miquinhos amestrados são ainda piores que ele próprio.

Mas a definição mais estranha, para mim, vem na comparação de Lula e Serra. Este é o self-made man que aprendeu os códigos da elite, conquistando pelo estudo e pelo trabalho a linguagem de quem estava em cima, convertendo-se é claro, por esse processo, um tanto nesses de cima, introjetando sua visão de mundo e ideais. Trata-se portanto de alguém que não evoca a imagem de emergente, como Lula, não sofrendo, por isso, os mesmos preconceitos reservados ao presidente. Este não perdeu a penetração popular porque, em vez de se converter "pelo estudo, pela convivência com pessoas intelectualmente superiores",  não fez isso, mas "foi abrindo caminho na base da cotovelada". Pela escolha de palavras, vê-se que H. Angel também fala bem o dialeto de elite, além de nunca ter pego um ônibus, caso contrário repensaria alguém dar cotoveladas como caracterização de comportamento positivo e digno de ser apoiado. Não é só um trauma com o amassa-amassa que universitários e professores estão submetidos no dia-a-dia do transporte público, parece-me extremamente perigoso um político que leva essa lógica para o governo de um país. No entanto isso foi se manter "fiel à sua raça", conforme a colunista.

Enfim, foi a valorização mais bizarra que eu já li de Lula (Dilma entrou como alguém que sofria preconceito por empréstimo, bem como agora ganha votos por empréstimo), ainda que eu obviamente não fosse o leitor (ou ouvinte) que ela tivesse em mente. Percebo bem como sua fala pode ser atraente à elite, porém: essa caracterização detestável de alguém grosseiro, ignorante e desinteressado de discutir os valores que informam outros grupos (desconsiderando-os simplesmente, conforme Angel) fariam com que eu o desconsiderasse absolutamente para governar o Brasil, ou para apontar quem é o melhor candidato. Logo, deve ser perfeito para os (pelo jeito) superiores a mim.

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