segunda-feira, 21 de março de 2011

Hipócrita para o teu próprio bem

Nunca tinha visto Glee até hoje. O primeiro episódio a que assisti foi "Blame It on the Alcohol", um dos dois que me foram indicados numa discussão recente a respeito de escola. Bom, apesar de ter entendido o porquê da fama do seriado, o que me chamou a atenção é algo que dificilmente deve justificar a preferência da maioria de seus fãs: a relação entre a escola e o moralismo que geralmente se quer encarnar nela está particularmente bem representada. 

Parece que um encaixe mal feito entre escola e "sociedade" (situação que caracteriza a instituição, pelo jeito, no mínimo desde os anos 1970) cria uma pressão constante para que não apenas tratemos de assuntos morais com os alunos, mas que cheguemos ao extremo de sermos hipócritas. A maioria dos professores (que conheço) tenta resistir, mas o ataque ou a pressão para que atinjamos a hipocrisia na sala de aula é tão variada e vem de tantos lados que às vezes não vemos saída em determinadas conversas com alunos a não ser ceder e declarar um moralismo simplista e exagerado que não poderíamos, em sã consciência, aplicar a nós mesmos.

Na verdade, essa hipocrisia me parece herança antiga; o que se estabeleceu por aqui mais ou menos nos anos 1970, provavelmente só ganhando peso significativo no seu fim, foi nossa visão de escola aderir a uma verdade bastante difundida no resto da cultura brasileira: não existem posições de autoridade monolítica (nas instituições brasileiras) - o que eu acho bom, aliás. Mas isso faz com que mesmo o mais passivo ser humano seja um aluno com mínimo senso crítico (pelo menos) quando o assunto é "afirmações de professores". O que acontece é que essa nossa fraqueza momentânea, esse ceder à hipocrisia que nos é exigida, vem nos atazanar no futuro, quando descoberta pelo estudante (e, mais cedo ou mais tarde, será). - É possível também que ele ou ela nos largue de mão de vez e nem venha nos cobrar por nossas palavras, o que é pior ainda, claro.

Enfim, há uma coisa estranha entre valores que a sociedade prega sem praticar e as cobranças e fantasias do senso comum (que governa, é claro, muitos professores, pedagogos e diretores ou vices) a respeito de como acreditamos querer educar as "crianças". O episódio do Glee em questão pega o problema do álcool e cria a situação ridícula (no sentido de cômica, além de absolutamente veraz) de adultos (que bebem, dã) querendo que os alunos encontrem uma música (!) para assustar toda a escola a respeito do consumo de álcool, a ser apresentada numa assembleia da escola. É claro que as bobagens de pessoas alcoolizadas e as mentiras que se contam cotidianamente sobre ou para o "controle" do uso de drogas em escolas figuram no roteiro. A série pode ter um aspecto de ficção em todos os detalhes, mas a estrutura e o tema são incrivelmente relevantes e complexos, o que foi uma muito grata surpresa.

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