segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Business as usual in POA

Fernanda Melchionna (PSOL) - Eu queria pedir que o presidente da mesa pedisse aos seguranças respeito às pessoas lá atrás, que estão apenas se manifestando.

Nelcir Tessaro (PTB) - Justamente, a vereadora Fernanda Melchionna pede que as pessoas lá atrás tenham respeito pelos presentes e parem com as manifestações.

Microfone da Fernanda fica mudo.

Adoraria poder postar as palavras perfeitas aqui, mas reproduzo de cabeça. De qualquer forma, a inversão acima ocorreu e pareceu resumir como se levou a tarde de hoje na Câmara Municipal de Porto Alegre. Havia interesse hoje que fosse votado, após alguns séculos de pedidos de professores, que o IPE também beneficiasse os professores municipais. Isso atraiu mais gente à Câmara, bem como o pedido de uma CPI que enfim saía, depois de se ter conseguido arrastar sua verificação ao longo de todo o 2010. 

A votação do IPE ficou atrelada a uma proposta de fundação pública de direito privado na Saúde. O que se disputa, nesse caso, como sempre, é se isso não viola o dever do Estado de cuidar da saúde de seus cidadãos. A CPI tinha por objetivo investigar desvios na Secretaria de Saúde. Vê-se bem que tudo se cruzava. Complicando o pedido de CPI, surgiu uma picuinha, trazida por um "à parte" (não lembro bem de quem do PSDB), mas logo defendida por João Dib (PP), sobre uma assinatura. Tudo isso ainda que nada pudesse ser feito, pois, como informou logo de início Mauro Pinheiro (PT), que recebeu o pedido de CPI, a Câmara só podia pegar e encaminhar o processo para ser julgado em instância adequada. Mesmo assim o pessoal curtiu gastar tempo debatendo se uma das doze assinaturas era válida, o que de fato era, conforme os motivos levantados logo na primeira vez em que incomodaram com isso, tudo agravado pela discussão ser inútil, já que, como de início se informara, nada poderia ser usado para anular o pedido naquele momento: só estava sendo encaminhado...

Para piorar os ânimos, Reginaldo Pujol (DEM) encarnou a mais ancestral demagogia, falando de seu interesse em votar pela vantagem do cidadão, mas indicando que a votação favorável ao IPE destruiria o Hospital Porto Alegre, responsável por cuidar da saúde dos funcionários municipais (ainda que seja incapaz de fazê-lo e todo mundo saiba disso - ah! e além de isso não ser a consequência necessária). Seu discurso conseguiu (o que em si é triste, pois denota a burrice geral nessas lutas por interesses diretos) virar parte dos servidores municipais contra outros.

Pujol foi vaiado e ouviu de tudo num pronunciamento que deveria durar 15 min, mas passou dos 30 com certeza. Isso porque o relógio precisava ser parado de tempos em tempos por gritos e protestos. O que acontece é que, desde que a questão da saúde fora primeiro levantada, 6 pessoas se manifestavam no fundo da "plateia" da Câmara. Os seguranças iam e vinham e houve todo tipo de discurso sobre democracia e liberdade. Conforme as questões acima se desenrolavam com discursos animados e distorções retóricas "vazias", a manifestação dos seis já era a de toda uma ala do salão. Basicamente, todo mundo foi sentindo pra onde a merda ia, e começou a vaiar ou criticar quem colocava em termos IPE vs. HPOA ou quem defendia que a iniciativa privada faria maravilhas pela saúde da população carente. É bem verdade que Pujol também piorou a situação se fazendo de santo e de sensível em seu pronunciamento (no sentido literal dos termos).

Entre os pronunciamentos dos vereadores, foram ganhando mais e mais apoiadores os gritos contra a terceirização de serviços da Fundação, a favor da CPI e em defesa do IPE, até que o lugar virou um senado romano: todo o mundo sentado à esquerda de quem entra na sala gritava contra certos vereadores e determinadas medidas, todo o mundo sentado à direita (majoritariamente servidores do Hospital Porto Alegre) gritava contra quem estava à esquerda. As diferentes propostas se agregaram em duas posição que rejeitavam ou apoiavam um bloco de medidas.

No fim, não aconteceu nada de muito terrível, e a votação sobre a Fundação ficou para quarta-feira, ou quinta (o site informa diferente do que foi dito na hora). A CPI estava encaminhada e o próximo passo no drama do IPE é um mistério.

Foi com isso que se acalmaram os ânimos gerais. Quando foram para lá, os vereadores de oposição pretendiam conseguir que se passasse "IPE e Fundação" para 2011, ou seja, que se permitisse que tais projetos fossem debatidos publicamente e não resolvidos às pressas como estavam sendo encaminhados, correndo durante as Festividades de Ano Novo, como é tradicional na política. A Câmara jogou isso para outro dia (quarta/quinta), esquivando-se assim dos manifestantes (exigindo que o pessoal - ou mais gente - se mobilize ainda na outra tarde ou, de preferência, nem "venha encher o saco e desrespeitar a casa"). O problema, enfim, não foi resolvido pelos seguranças.

Enfim, foi durante o vai-não-vai da segurança que Fernanda pediu o respeito aos manifestantes (no sentido de que eles não fossem movidos à força, não que não se pedisse silêncio), e o presidente da mesa, presidente da Câmara de Porto Alegre, inverteu as palavras dela e não permitiu que ela novamente se manifestasse. 

Estamos bem em Porto Alegre.

6 comentários:

Clark disse...

O que significaria exatamente “violar um dever”? É uma pergunta sincera (sobre o trecho “violar o dever do Estado”). Fiquei pensando sobre “violar um direito”, que tem um sentido (aparentemente) mais claro para mim.

Tigre disse...

Foi imprecisão minha, por pressa em digitar. Quis dizer que o argumento é de que isso implicava descumprir o dever do Estado de garantir Saúde.

Não lembro bem o termo que usaram na hora.

Clark disse...

É, eu imaginei que o objetivo fosse dizer isso. Mas mesmo assim a expressão me parece estranha. Alguém usou o verbo “violar” mesmo (independente do tempo)? Ou foi uma escolha vocabular sua, nesta narração?

Tigre disse...

Hmmmm... É possível que tenham usado, se não na hora, em alguma descrição do site da Câmara onde fui conferir a grafia de alguns nomes que citei.

Pensando em passar a ideia de um post a respeito dessa escolha de palavras para o Rerisson?

Clark disse...

hehehehe Eu ainda nem consegui entender direito o meu estranhamento...

Tigre disse...

Acho que é possível o Estado violar um dever: ele desrespeita, não agindo, sua obrigação auto-imposta de agir em determinada questão. Talvez a questão de ser auto-imposta tenha algo a ver com isso. Já que o dever do Estado é determinado pelo próprio Estado, mesmo que por meio de entidades diferentes. Ou simplesmente é uma metonímia: viola a lei que determina o dever = viola o dever.

Só chutando, aqui...