quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Evolução retórica

Comprovei hoje um traço de personalidade curioso de um colega. O sujeito sempre imagina que quem conversa com ele está concordando com suas opiniões. Não chega à esquizofrenia de pensar que uma pessoa contra quem ELE abriu uma discussão esteja diretamente de acordo com tudo o que diz, mas é preciso negar sua opinião 3 vezes para que perceba que estamos, na verdade, discordando, 5 vezes para que acredite que não temos opinião contrária apenas na superfície e 7 vezes para que se consiga pôr sua opinião total em questão, no sentido de que realmente duvidamos daquilo que ele disse já há 15 minutos. Ele é inteligente, apenas muito apaixonado em determinados assuntos, o que significa que em geral está com um pé atrás, questionando e interessado na opinião alheia, mas quando sua opinião finalmente vem à superfície, sai da frente.

O que me ocorreu no meio da conversa hoje, por algum motivo, foi que isso é uma característica evolutiva curiosa. Quero dizer, pessoas que se acreditam confirmadas em suas crenças por qualquer pessoa que abra a boca nitidamente conseguiram sobreviver e reproduzir. E obviamente duas pessoas desse tipo se dariam muito bem juntas, terminariam na cama em pouco tempo concordando em tudo, mesmo que discordassem sobre absolutamente qualquer coisa. A chave é, obviamente, a autoestima dessa gente, porque ser confirmado em sua autodepreciação dificilmente teria resultado em herdeiros. Pity-sex depende da aceitação de que a outra pessoa discorda que mereçamos a miséria que acreditamos viver... ouvi dizer.

Na verdade, essa tática evolutiva criou seguidores ao longo dos séculos. Parece que muita gente simplesmente se porta assim, imitando a natureza desses eternos confirmados, simplesmente para viver bem. Pelo menos nesse aspecto, pessoas assim até independem de diplomatas. Não seria essa a grande lição civilizatória? Obviamente concordamos com o horário de verão, com a censura por idade, com a urna eletrônica, com o voto de analfabetos, com a depredação de terras, com os salários, com as medidas sobre o pré-sal, com as cotas, com a exploração/venda/empréstimo/tráfico na Amazônia, com drogas lícitas e ilícitas, com tudo, enfim.

Bem, se não concordamos, discordamos do quê? Ora, não importa, conforme o governo federal, quem discorda dele são os "empresários". Mas quem são estes? Apenas aqueles que ele assim nomeia quando ELE puxa a discussão. Pelo que afirma nosso governo, todo o povo brasileiro (quem é povo mesmo, brasileiro mesmo) concorda, enfim, com o governo federal. E isso foi, pelo que dizem, uma evolução.

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