segunda-feira, 18 de julho de 2011

Menos uma letra nos EUA

Os Estados Unidos da América começaram de vez seu processo de desaparecer com a letra cursiva. Os primeiros estados já a estão retirando do ensino, primeiro com um "não precisa ensinar", mas caminhando com segurança para o "não ensina!" Apesar de ser uma questão de legislação estadual, nesse caso os estados estão mesmo unidos. Parece-me irônico, mas eles concordam mais com a abolição da letra cursiva do que a respeito de o ser humano ter evoluído de outras raças ou Deus tê-lo criado "perfeitinho" do jeito que é.

Os argumentos são, obviamente, de trabalho. Vão aproveitar o tempo ensinando "coisas mais importantes", como... digitar rápido - como se crianças expostas a computadores todo o tempo e se divertindo por eles precisassem de grandes treinos de digitação... O que é irônico é que não se está abandonando a escrita à mão, mas propriamente a cursiva. Essa letra foi inventada para que se escrevesse mais rápido, e agora querem que a letra de forma seja a treinada em escolas, além da tal digitação. Ou seja, nesse mundo acelerado, escolheu-se a letra do computador e a que tecnicamente não pode atingir a maior velocidade à mão. É claro que nem todo o mundo escreve mais rápido só por escrever emendado, mas isso porque geralmente não temos efetivo treino. Escolhemos uma letra e praticamos (usamos) apenas aquela, tornando-nos pessoalmente mais rápidos nela. A lógica subjacente à cursiva, no entanto, foi esquecida, até pelos políticos de educação.

Dizem por aqui também que letra cursiva treina coordenação motora fina da criança, aliás. Their loss... O que me chamou mesmo a atenção, no entanto, foi a importância que deram para a questão e o fato de que é um corte, não uma liberdade, digamos, entre se ensinar ou não. 

Cortes são feitos em geral para que algo seja uniformizado nacionalmente, e é bem o que está acontecendo aí, de forma proposital. Mas todas as uniformizações recentes no ensino dos EUA têm recebido resistência marcante de professores e alunos (digamos, os mais envolvidos com educação, né?). Depois que erguemos, por esse hemisfério, uma cultura tão individualista, os potenciais individuais viraram uma mania muito comum, e eles são particularmente atraentes para professores, que precisam interessar seus alunos, e para estes, que querem aprender sobre o que acham interessante, não sobre o que os adultos lhes dizem que é válido. Bem, o contrário desse individualismo é a padronização. Mesmo assim, desde o No Child Left Behind Act, de Bush (mas com lógica geral mantida no governo do Obama, sendo política acordada pelos dois partidos), a padronização é a ordem do universo educacional, e aquela padronização típica, que corta conhecimentos gerais, referências amplas e, claro, as artes. História Antiga e música são menos importantes para todos os seres humanos, sem exceção, ou pelo menos esse é o resultado do programa NCLB.

Os EUA vêm, portanto, há 10 anos numa política de cortes na educaçao que afunila todo e qualquer sujeito meramente para passar nos testes que devem dizer que há qualidade no ensino. Como nosso Ensino Médio era cada vez mais um treino para o Vestibular (até o Enem desafogar um pouco o funil), assim a Educação por lá vem se reformando desde o jardim de infância (sério). Não faltou gente para dizer que habilidade para passar em testes não é exatamente habilidade para fazer qualquer outra coisa, como trabalhar, criar ou inovar, mas nós sabemos bem como governos democráticos são ineptos para a polifonia.

Então, agora, a educação da língua (parte obviamente favorecida nessa política até aqui) sofre também o seu primeiro corte (que eu saiba): não precisa treinar um tipo de letra. Como se todo o mundo fosse igual, como isso fosse atrapalhar todo e qualquer aluno. Até nesse detalhe subjaz a lógica que não apresenta diversas técnicas e caminhos para que o aluno descubra o que melhor, individualmente, lhe serve. E o raciocínio é interessante: as letrinhas estão prontas no computador, vamos seguir o padrão dele.

Não é uma grande derrota, acho, no ensino de escrita, mas não deixa de ser curioso e, claro, bitola um pouco. Com o devido tempo, o acesso dos alunos ao código de documentos relativamente recentes já vai começar a complicar. Não esqueçamos a preguiça de nossa raça para ir atrás de suas próprias soluções, ainda mais de um povo bem padronizado. Agora, por que não largam contas também? Todo computador ou celular tem calculadora... Por que não param de estudar narrativa? Não se tocaram que todos os filmes e livros vêm prontos? Bom, quem sabe essas leis estão prontas no forno?

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