segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E uma mulher engrossa as fileiras

Há um hábito bastante irritante se espalhando em Porto Alegre há um tempo, é o de pessoas escutarem músicas nos ônibus sem usar fones de ouvido. Tenho certeza de que não é um problema unicamente daqui, mas nunca tinha ouvido falar a respeito antes de testemunhá-lo. A música é geralmente ruim, mas qualquer música fica ruim saindo de um celular qualquer, sabe-se lá com que qualidade de arquivo (para começar). 

Na verdade, por algum motivo, esse é um costume exclusivo de quem ouve funk aqui. Comprovando isso muitas e muitas vezes, supus diretamente que fosse uma questão cultural de quem escuta esse tipo de música mesmo. Não digo apenas quem a dança (não que ache uma música dançável), mas aquelas pessoas que conseguem colocar funk como o fundo musical de uma conversa, ou algo para se distrair parado dentro de um carro. Funk parece ser fortemente acompanhado por uma cultura de auto-afirmação, pelo quase grito constante de "Eu escuto funk sim, e daí, burguesinho?!" Fazia sentido que considerassem natural, necessário ou dogmático forçar outras pessoas a ouvir sua música predileta também.

Mas não era apenas isso, todas as pessoas fone-deficientes que eu via eram também homens. Nunca via uma mulher incomodando o resto do ônibus. Cético e pessimista, supus que fosse questão de tempo, e estava certo... Mas, entre conhecer o comportamento irritante e encontrar uma mulher que o absorvesse, passaram-se alguns anos. Mesmo prevendo isso, porém, fiquei na hora um pouco incomodado.

Se só vejo homens fazendo alguma coisa, em geral suponho que haja um motivo para isso, mesmo que eu não consiga supor qual. Minha observação tende a ser suficiente para que eu suponha que seja algo característico desse gênero, ainda que momentaneamente. E eu acho sempre triste quando um gênero imita o que o outro tem de pior... Não importa que seja uma exceção, que a pessoa curta, que a pessoa queira usufruir de seu "direito de ser babaca" (também conhecido nos EUA como "Argumento Republicano de Primeira Ordem"). Devo acrescentar que ela não ouvia funk, mas o que provavelmente se chama algo como "Melô do Abracinho".

Por quê? Por que aproveitar a oportunidade de fazer uma bobagem? Ainda que as barreiras de gênero sejam relativamente flexíveis no Brasil, ou no RS, ou talvez em POA, isso significa que uma mulher não pode se questionar sobre um comportamento só reprisado por homens na sua volta e pensar que, talvez, nenhuma mulher os esteja imitando porque é uma babaquice? Pior do que isso, uma mulher, nesse caso, fazendo algo que só homens fazem é uma anuência poderosíssima. Em primeiro lugar, indica que o comportamento vai sobreviver por ainda mais tempo, pois mesmo uma pessoa do sexo oposto não o considera mais imbecil. Em segundo, indica o quanto uma mulher curte esse comportamento, de modo que os homens vão sentir que sua vida sexual estará pouco ameaçada se continuarem assim, ou até estimulada. "Vai saber, aquela não deve ser a única."

Pode ser preconceituoso da minha parte, mas eu tendo a torcer contra indiferenciações de papeis sociais que só possam se dar por uma queda de qualidade, comportamental ou intelectual. Torço para que as mulheres acordem para a estupidez do Serviço Militar, torço para que os metrossexuais contemplem a astronômica economia anual dos "retrossexuais", torço para os homens voltarem a ter a exclusividade da fone-deficiência, até que mulheres falem tanto que nunca dão para caras desse tipo que a estigma finalmente mate o comportamento e voltemos a escutar nossos pensamentos, nossas leituras, os motores, os fones ou vozes no ônibus.

12 comentários:

Las disse...

Antigamente, fumar era coisa de homem, depois fumar na rua era coisa de homem. Agora fumar é "brega".
Quando os, então chamados, headfones surgiram eram coisa de homem, depois se tornou normal ver todo mundo usando (ok, sempre vi resistência a eles entre os mais velhos de ambos os sexos).
A tecnologia evoluiu, os headfones de hoje são celulares e defendes (e eu concordo!) que as mulheres não imitem os homens deixando de usar seus fones.

O mundo dá voltas e acaba no mesmo lugar. =D

Tigre disse...

Gracias.
Bem lembrada a questão do fumo. Tem de entrar na minha lista de exemplos dos comportamentos que podiam não ter pulado barreiras culturais.

Las disse...

Eu colocaria também homens (heteros) usando saia - a menos que seja um kilt.

E abaixo os espatilhos masculinos! Tanquinho sim, cintura fina não! =P
(Pelo menos não são mais como os do sec. 19)

Leo disse...

minha experiência me diz que mulheres ouvem música sem fone em ambientes públicos, como ônibus, tanto ou mais do que os homens. desde sempre.

tem coisa que não é questão de gênero. é questão de educação, mesmo.

Tigre disse...

Eu sei, mas minha questão é barreira de gênero aos comportamentos mal-educados. No teu caso, seria o contrário, os homens podem ter evitado imitar mulheres. Mas "desde sempre"? Em POA via isso? Na Assis Brasil? Na Protásio??

Las disse...

Em POA, na Protásio, eu nunca vi. Nos ônibus pra Cachoeirinha também não.
Em outros caminhos não sei, não ando. =)

Mas pra falar a verdade, também nunca vi homens...

Tigre disse...

Nunca viu homens sem fones?! Ou com?

Leo disse...

mas é esse o meu ponto: não é uma questão de gênero! é uma questão de educação, polidez, respeito ao próximo, etc.

eu já vi muitas mulheres (e homens) sem fone em Porto Alegre, em Florianópolis, em São Paulo... devo ter visto em outros lugares também, mas não lembro. e olha que em São Paulo tem uma plaquinha em cada ônibus, avisando que o uso de aparelhos sonoros é crime.

Tigre disse...

Lá bom. Lá se vai minha esperança de que essa porcaria se contenha em alguma barreira simples, clara e significativa.

:(

Las disse...

Nunca vi mulheres ou homens sem fone.

Pelo que vcs falam, é a volta do famigerado radinho de pilha, só falta colocarem junto da orelha... ou colocam?

Tigre disse...

Não, fica bem longe do ouvido. É em volume que todo mundo ouve MESMO. Muito pior que o radinho de pilha.

Leo disse...

a barreira, na verdade, É simples: ser educado não é difícil e não requer doutorado em física quântica. ter noção também não. hehehehe.

é, é muito pior que radinho de pilha. é celular com rádio, ou com mp3, usado sem fones no último volume.