domingo, 6 de dezembro de 2009

Filosofando Fernanda Young

Neste mundo "sem fronteiras" de estudos culturais, pós-modernismo, pós-colonialismo, liquidez e propagandas surreais de celular, volta e meia surgem extremos que indicam a sobrevivência de nossas tradições culturais mais antigas, como o do dualismo entre corpo e alma. Na hora do vamovê, suas fronteiras podem ser bem claras (por exemplo, a prostituição seria uma realidade ancestral que acharíamos difícil de entender se não diferenciássemos com muita facilidade corpo e personalidade ou "intimidade").

A Playboy da Fernanda Young estampada numa banca teve esse efeito pra mim. Não sei se não teve um análogo para outros caras. Ele partiu de uma sensação de vazio ao olhar para ela como coelhinha da Playboy. Ou ela é "Fernanda Young", e sua nudez é então meio um ato político, meio um ato de arte, ou ela é só uma coelhinha (ainda que de capa), e não se justifica que ela pose nua nessa revista a menos que seja como a "Fernanda Young", ainda que a "Fernanda Young" pousando na Playboy seja esse contrassenso que estou tentando explicitar aqui.

Ela é uma das poucas celebridades que temos erguida sobre seu próprio cérebro. É o que este faz consigo mesmo e com o corpo que ele governa que faz dela a "Fernanda Young", quer as pessoas gostem do resultado ou não. Essa celebridade não é imagética, mesmo que algumas pessoas possam achá-la gostosíssima, linda ou intrigante, por mais que ela seja tatuada e trabalhe muito com o corpo simplesmente por ser atriz. Ela pode, portanto, agir pousando nua, o que subverte a revista, como disse, num ato de arte ou política, mesmo que despretensioso (ou até de simples marketing para seu recente livro, que seja!). Mas a revista não pode subvertê-la numa "celebridade gostosa". Depois de Scheilas, Ninjas, Mulheres Frutas e Porta-Bandeiras (ou tudo isso ao mesmo tempo), a revista é assumidamente sobre celebridades peladas, duplamente sobre imagem, não sobre artigos e piadas como aprendemos a dizer na puberdade, ou seja, não sobre conteúdo. Por favor: a matéria indicada na capa diretamente abaixo do nome da Fernanda fala de 800 casais "no maior swing do mundo" ("e a Playboy esteve lá" - e azar o de vcs ora!).

Enfim, nada poderia ser menos "pós-moderno" e (estranhamente) mais falso do que essa revista exposta nas bancas sem alarde ou propaganda especial alguma, como se fosse igual a todos os números que a precederam. Não é o corpo da Fernanda Young o que mais interessa nela, e isso a tal ponto (para uma mulher saudável e com um corpo tranquilamente comercializável no mercado sexual softcore conhecido como "TV") que chega a soar bizarro em pleno século XXI: é impossível fotografar a Fernanda Young.

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