domingo, 8 de novembro de 2009

Da consciência inquiridora dos artistas de rua

Pichado num dos muros laterais da Catedral Municipal de Porto Alegre:

"Freiras Mulheres Jamais Armadas"

Contemplem que pedaço de poesia contemporânea. Sim, contemplem...

Agora pensemos juntos a respeito.

Fossem as freiras "jamais amadas", tudo teria um sentido acessível; pelo menos seria coerente com o trinômio católico sexo/casamento/amor (mundano). Os pichadores, claro, pensariam na mundaneidade, são pessoas da rua, da cidade, do concreto, do moderno (pós-moderno, só o líquido)! Fossem elas, porém, "as mais armadas", seria um caso de choque por contraste. E o contraste é a ferramenta do cotidiano, da prosa e (por que não dizer?) do medíocre. Se freiras não devem andar armadas, então elas serem AS mais confrontaria o passante com o choque da acusação enfadonhamente gritante, aludindo, sem dúvida, à indústria armamentista e sorrindo de forma irônica contra os EUA, logo, contra o FMI (as pichações de Porto Alegre são muito apegadas aos clichês de suas próprias associações tradicionais).

Mas não! O poeta reforça o óbvio: elas estão "jamais armadas"! Nunca carregam armas essas mulheres que nunca carregam armas! E nisso o poeta desconstrói aquilo mesmo que afirma, pois ressignifica essa realidade tão curiosa, em si contraditória: por que essas mulheres de Cristo, noivas do Filho de Deus, jamais carregam armas nesse mundo de violência e pecado? Mais: será mesmo? Será que nunca? O leitor flutua (se não estiver muito cansado da íngreme subida da rua lateral da catedral) num desvairio de sentido que começa no significado mais cotidiano: as freiras jamais estão armadas...

E esse óbvio ululante, é claro, confirma que não lemos mal. Sim, são "freiras mulheres". Freiras não são sempre mulheres? Que quer aqui o poeta apontar? De que suspeitavam os pichadores de Porto Alegre? Que alegre querela levava-os a discutir o sexo das freiras? Intertextualidade com o sexo dos anjos? O sentido cabe, sabemos, ao leitor. É ele que signifca, ele é ativo na interpretação (é, enfim, um cidadão).

O porto-alegrense não é bairrista, ele apenas tem razão (está nos muros das catedrais (!), sustenta-os do lado de fora): esta é uma cidade de pura cultura!