terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Educação pela palavra #fail

Campanhas que começam com "todo X deveria ler isso" realmente me preocupam. Eu fico assustado com o fato de que as pessoas ainda acham que as palavras são o melhor meio de educação, e que ler um texto contrário à ideologia de alguém vai fazer a pessoa repensar suas crenças e suas práticas. É claro que isso é possível, na rara exceção de pessoas que já estão se questionando e, portanto, procurando respostas novas para ocupar o lugar das velhas, prontas a serem aposentadas.

Porém, a probabilidade de uma pessoa assim encontrar um texto desses justo sobre o tema em que está se questionando são suficientemente baixas para eu questionar a utilidade de se publicar isso tanto. 

Tenho visto mais e mais comprovações de que um problema ético não pode ser resolvido assim por palavras, e a palavra "ético" justamente indica o porquê. Bem se sabe que ela vem de ethos, que está ligada à ideia de um comportamento, idealmente bom para a maioria da comunidade. Muitas vezes é traduzida como "caráter" ou até "harmonia", mas isso é porque os gregos entendiam que o caráter se demonstrava no comportamento das pessoas - o que era visível em seu comportamento, cá fora, era a melhor expressão do que elas carregavam dentro (sim, eles tinham aquelas outras associações tão famosas entre aparência e verdade que tantas outras sociedades primitivas mantinham, mas pelo menos a ideia de ethos guarda uma boa tirada).

Enfim, isso é interessante se conjugado a outra ideia grega: a mímese. Esta é mais famosa pela arte, pois se discutiu por séculos qual a relação entre a arte e o mundo real com base na ideia de que o artista olha para o mundo e o copia de certa forma especial. Acontece que a mímese era base para muito mais que a arte, para os gregos. Eles observaram (e alguns, como Aristóteles, registraram essa linha de pensamento) que o ser humano tanto tinha prazer em imitar quanto aprendia muito por imitação, assim como outros animais que guardavam semelhanças conosco. Com o parco conhecimento que tinham do mundo que nos cerca (estou cruelmente comparando os gregos com a ciência atual, sem nenhuma mediação de propósito), eles podiam atribuir, por exemplo, as crianças andarem, usarem roupas ou falarem grego igualmente ao fato de que imitariam os adultos. Alguns adultos, por sua vez, viveriam do prazer dessa imitação que nos é natural, fazendo arte para as outras pessoas, que gostavam de ver a imitação do mundo sendo feita com particular... habilidade artística.

Bom, eles erraram em alguns exemplos, mas de fato a gente aprende coisas demais imitando, e outras tantas simplesmente fazendo (errando e tentando de novo). O comportamento é um elemento fundamental de nosso aprendizado - desde escrever até saber mexer na TV - e a participação do logos nesse processo, em todos os sentidos, não deveria nos fazer esquecer o quanto a mimesis é importante para o nosso ethos - comportamento, caráter...

Alguns didatos populares ainda hoje guardam indícios disso, como "diga-me com quem andas e eu te direi quem és" ou o irônico "faça o que eu falo, não faça o que eu faço".

É claro que tem gente que tem mais estômago que eu para essas grandes causas semi-impossíveis, de modo que a possibilidade de que um em dez milhões de leitores de um texto politicamente correto se questione e melhore sua conduta já é considerada um grande ganho. Então pouco importa que a melhor forma de educar alguém seja (1) dar o exemplo e (2) achar modos práticos de motivar e possibilitar uma mudança de comportamento de um sujeito; se ALGUÉM puder ser mudado pelo verbo, essas pessoas seguirão com as campanhas por textos auto-condescentes e megalomaníacos, de premissa tão errada, obtusa ou utópica. 

Por isso mesmo eu estou comentando isso no blog. Eu não saberia como dizer para essa gente que sua pressuposição inicial sobre pedagogia e ser humano é muito estranha ou restrita. E eu estou cansado de respostas utópicas e absolutamente prepotentes de todo e qualquer militante. Mas creio que posso comentar isso aqui, com os íntimos. Talvez vocês tenham uma boa resposta para o problema, ou possam começar a espalhar "a Palavra" contra a militância verbal, se tiverem estômago e senso de ironia. Mais ainda, talvez vocês saibam onde está o problema da minha visão das coisas e se sintam tentados a criticá-la. Qualquer uma dessas possibilidades me parece ótima e justifica gastar um tempinho escrevendo aqui ;)

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