sexta-feira, 18 de maio de 2012

Uma Linda Mulher no Brasil - campo fértil para as contradições

Os restaurantes e bares daqui seguem acertando ao deixar suas televisões ligadas em novelas da Globo. Não falo isso apenas porque agora elas têm uma qualidade de imagem injustificável de tão trabalhada, ou porque as novelas dos outros canais seguem sendo imitações muito ruins ou variantes infantiloides (seja de novelas da Globo ou das mexicanas). 

Digo, sim, porque a Globo segue com o perfeito esquema para acalmar a mente do público e dos seus roteiristas: revisitando os mesmíssimos temas, particularmente se eles foram, primeiramente, trabalhados por Hollywood. Inúmeras vezes vistos em horários de filmes da TV aberta e, provavelmente, em uma que outra novela, esses esquemas são das ferramentas mais eficazes para olhar a tela e não pensar. 

No caso de Amor, Eterno Amor, a cena que acabo de presenciar num restaurante perto de você foi um primor. Uma linda mulher revisited! Escolha particularmente eficaz porque, sendo o filme de 1990 (22 anos atrás!!!!), muita gente pode ter perdido a milionésima reprise e realmente suspeitar alguma inteligência no roteiro. Particularmente, claro, uma pessoa com menos de 12 anos.

A cena era a da Julia Roberts menosprezada numa loja e, depois (vingança das vinganças fúteis), em sua volta triunfal com o bilionário que a permite desfrutar de um banho de loja ostensivo, colocando a "mera empregadinha de loja de roupa de rico" no seu lugar. Ou seja, em certo sentido, cometendo o mesmo erro que parece acusar ao pisar na vaidade da vendedora. Supra-sumo do sonho pequeno-burguês, tem um apelo fenomenal ainda hoje. E os roteiristas da novela parecem concordar. 

Menciono o aspecto "pequeno-burguês" da cena, porque arriscaria dizer que é a forma dos escritores de atacar o mercado mais desejado do momento: a famosa classe C... Vejamos a adaptação ao Brasil:

Em vez da prostituta, a irmãzinha ingênua. Em vez de um magnata que despedaça empresas falidas para lucrar com os pedaços, uma figuraça imponente no campo (o bom, velho e amável "campesino rico" que a Globo adora). Em vez de ambos irem sozinhos, cuidando de suas vidas como bons individualistas capitalistas, um guarda-costas.

Guarda-costas? Sim, uma guarda-costas negro, o que é importante mencionar, em primeiro lugar, pois ele quase sofre o seu preconceito também, mas o responde cheio de pompa para a vendedora, pois trabalha para o maior nome da construção do Brasil! O que em Machado de Assis, numa cena muito parecida de orgulho serviçal, é uma crítica às vaidades submissas do ser humano, que colabora com a própria exploração, na novela é apenas adendo à cena de Richard Gere. O guarda-costas está ali para felicidade do pobre, vingado (do preconceito que a personagem sofreu) pelo ato do irmão rico jogar na cara das vendedoras um maço polpudo de dinheiro (em que Brasil se anda com dinheiro assim?)...

O mais divertido, nessa cena "contra-preconceituosa" e de consumismo feliz, era o mesmo guarda-costas negro saindo atrás do casal de irmãos ricos, brancos e do campo carregando compras deles. Pelo jeito, faltou Richard Gere comentar outros preconceitos além do de classe...

Nenhum comentário: