quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Carnaval: por que foi bom ignorar

Eu nunca tive muito interesse pelo Carnaval, mas o valor de nosso salário (ou o fato de ganharmos algum) determina muito o quanto podemos nos esquivar de um fenômeno socialmente importante. Foi há poucos anos, portanto, que minha distância do Carnaval passou a ser digna de nota. A recente onda terrível de calor, no entanto, me excluiu de tal forma do mundo que essa distância atingiu o nível absoluto nos últimos dias. 

Ainda a contragosto, quando o tempo voltou a ser suportável, vi algumas manchetes online a respeito do assunto, e as inevitáveis fotos de madrinhas da bateria. Acredito que essa crescente falta de contato, no entanto, deu um sabor de novidade, ou de surpresa, à triste e previsível constatação de que o Carnaval seguiu piorando.

Bom, a questão é que estou surpreso com o peso de silicone, plásticas e músculos que fazem uma "mulher" no Carnaval. As poucas que ainda parecem bonitas são de uma geração anterior às que brilham no centro do mercado. As "mais velhas", em geral, estão mais cobertas, ou por toneladas de lantejoulas e armações que não revelam, realmente, nada que uma roupa normal esconderia; ou por roupas de fato normais, como saias e camisas. Até a semi-nudez está restrita às obras faraônicas da cirurgia. Não barateiem minha crítica imaginando que falo isso para exigir mulheres bonitas peladas pela rua. O Brasil em nada depende do Carnaval para isso. Apenas essa restrição da semi-nudez me parece ser uma indicação bastante clara de que o corpo feminino como objeto puramente sintético não é apenas um mas o único objeto de mercado que se tem em mente para todo o filão que o Carnaval promove (é verdade, muito se alimentando, ou retro-alimentando, o mercado do funk, de seus antecessores e dos derivados).

A Ellen Roche, na verdade, é a mais jovem, a última, portanto, que ainda dança profissionalmente no Carnaval e lembra a forma feminina que eu tenho mais ou menos em mente quando a palavra "mulher" me é mencionada. Ok, ela não é uma boa representação da média, mas ela LEMBRA a média do corpo feminino, o que hoje em dia é muito! Para dar uma ideia, nessa indústria obviamente da juventude, Ellen Roche já tem 32 anos! Seu estouro redundante foi na Playboy de 2001 (cf. Wikipedia, pessoal, não se assustem)! Lá se vão 11 anos. (Perspectiva nerd: quando ela posou para a Playboy, Senhor dos Aneis ainda não tinha estreado no cinema.)

Eu não acho que o Carnaval brasileiro tenha grandes razões defensáveis para existir, moralmente falando. Aceito, caso queiram, a acusação (é a palavra) de que este post tem uma motivação moral. Mas o fiz mesmo por um motivo bastante egoísta. Toda vez que um determinado nicho de mercado se define por um padrão aberrante de beleza, ele vira argumento para mulheres que não conseguem emagrecer acusarem os homens de só quererem aquele padrão de beleza que tal nicho vende, como se ele fosse representação real e universal do gosto masculino e não o resultado de uma superespecialização de determinado tipo de tesão exagerado a níveis montruosos. O efeito colateral que acompanha este, claro, é o de gerar propagandas que dizem defender uma beleza "natural" contra esse padrão que supostamente vem dos homens.

Bom, eu tenho a dizer apenas que os músculos siliconados e repuxados que vi nas fotos deste Carnaval em nada me lembram não apenas mulheres bonitas, mas "mulheres" pura e simplesmente. Não há corpo ou rosto ao menos aceitáveis para o adjetivo "bonito" naquelas avenidas. E tais fotos apenas reafirmam que ignorar totalmente o Carnaval foi uma opção de estranha sabedoria, pois só mesmo um caso extremo como esse para me fazer acatar, mesmo que de forma ultralocalizada, o ditado "ignorance is bliss".

PS: A quem achar este texto machista (imagino que alguém que desconheça o blog e esbarre acidentalmente, daqui a alguns anos, neste texto), minhas desculpas, mas há espaço para comentar e explicar o porquê. Apenas aviso que as mulheres aqui são tratadas quase que só pela beleza física porque esta é a proposta do Carnaval tal como o sofremos midiaticamente, e não há sentido pedir teses interessantes sobre física quântica de mulheres que se propuseram inicialmente a serem medidas unicamente pela habilidade de dançar peladas movendo menos carne e pele que as rivais.

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