sábado, 20 de março de 2010

Melhor que ser professor!

Alguns amigos meus costumam se autodenominar mestres ou doutores, não professores (ainda que quase não tenham vida acadêmica e tirem o ganha-pão de cursinhos), bem como tendem a me chamar estranhamente por esse tipo de título. Não havia percebido até pouco o padrão de que eles se dedicam mais a dar aula que a participar da vida acadêmica e, em geral, descartava o fato como bobagem, romantismo ou ironia. Só recentemente fui perceber o óbvio: que isso se baseia numa contradição que se desdobra sobre outras, no cruzamento entre as nomenclaturas acadêmicas e o senso comum.

A profissão de professor, isolada e teoricamente abordada, é em geral respeitada pelas pessoas não envolvidas diretamente no dia-a-dia da sala de aula; diria até que é irritantemente respeitada. O que irrita nisso é a total ingenuidade com que pessoas se enganam acreditando piamente que elas respeitam os professores. Ora, existem poucas profissões tão desrespeitadas na história, especialmente se se pensar apenas naquelas institucionalizadas, com direitos e postos legalmente assegurados, e esse desrespeito não é exercido apenas pelo Estado, mas pelo próprio senso comum.

Como professor de português, posso dizer com toda a certeza que essa especialização é alvo de um respeito que seria absolutamente hipócrita, se fosse consciente a contradição entre se valorizar esse professor e se odiar aulas de português, o ato de escrever ou ler (à exceção daqueles livros que todos imaginam que professores de português desrespeitem), a gramática (normativa, a única conhecida popularmente)... O "respeito" por professores de minha área é, quase que infalivelmente, apenas parte de um discurso que serve para ridicularizar socialmente pessoas que falam de forma diferente, seja porque são estrangeiros, de outros estados e, particularmente, simbolicamente mais pobres. Ou seja, quando se impor socialmente interessa, usa-se o discursinho clássico e totalmente falido a respeito da importância dos professores de português. No resto do tempo, mantém-se tudo que se imagina relacionado à mesma profissão o mais longe possível. Boa parte dessas reações, tanto o respeito quanto o desrespeito, baseia-se em imagens sobre a gramática que assustam, às vezes, pela completa ignorância daquilo sobre o que se fala, sendo que professores de português (grande parte deles, assim como eu) não dão nem o peso nem o valor para a gramática que se imagina por aí.

Ao mesmo tempo, em grande parte pela importância da Medicina, mas, no caso do curso de Letras, muito por empréstimo do Direito (da época do país dos bacharéis e tal), os títulos de Mestre e, muito mais, de Doutor têm um peso social inacreditável e desproporcional para um país que respeita o estudo (como fim ou meio) cada vez menos. Muitas pessoas tratam outras imediatamente com extremo respeito por saberem ou suspeitarem que estas têm um título a tiracolo (bem, alguém de terno e gravata, às vezes tratado, por isso, como Dr., intimida muitas vezes mendigos, que nem conseguem insistir por uma esmola).

Curiosamente, o título, seja de Mestre ou Doutor, cai do céu, pois se fazer mestrado ou doutorado é o mesmo que sentar de pernas para cima a assistir TV aberta na segunda de tarde, para o tal senso comum. Tanta força tem essa imagem, na verdade, que ela afeta os próprios acadêmicos. Assim como muitos alunos de pós-graduação falam baixo ou não mencionam essa parte gigante de suas existências quando parentes perguntam que andam fazendo da vida, seus colegas tendem a lhes olhar como quem enxerga um sortudo de vida de mansa na sua frente. O aluno de graduação que trabalha, então... Para o aluno do pós, melhor dizer "professor" que "mestrando". Ganhar bolsa para isso, mesmo com a infinidade de bolsas-auxílio que adubam o Brasil, é uma bênção e um estigma.

Mas os anos correm, a dissertação ou a tese enfim é defendida, e o abençoado (e legalmente super-relevante) diploma de pós é impresso, a burocracia é vencida, uma boa quantia de dinheiro é gasta com impressão, uma quantia de tempo, com a entrega em bibliotecas... e tem-se um título. Melhor que ser professor!

Um comentário:

Carla M. disse...

Sempre achei que não há síntese quando se apresenta alguém como "Prof. Doutor Fulano de Tal"...