domingo, 7 de março de 2010

Blog e docência no divã

Até onde entendo, na nomenclatura freudiana, eu seria um neurótico. Ou seja, uma pessoa como a média da população socialmente funcional, alguém que passou por Édipo de forma suficiente (aparentemente não há como ganhar A com estrelinhas nessa prova), com a quantidade devida de recalques e perversões (nomenclatura não tão grave quanto aparenta), enfim, com a formação de um superego forte (bem forte, no meu caso, dizem) - estou, é claro, sendo retórico, sim, aqui; se psicólogos se reviraram lendo, por favor, me digam o porquê, mas também peguem a ideia e sigam adiante com boa vontade.

Este blog, de um neurótico, não poderia deixar de ser neurótico também, ou seja, de sofrer os efeitos de um superego, conhecido nas mídias como "autocensura". O que no início foi crucial para sua formação (assim como foi na minha personalidade), exigência mesmo de forçar a mão no "retórico" para chegar ao efeito que queria sem necessariamente usar as palavras mais simples ou diretas, é agora um entrave. Pelo jeito, meu blog precisa de terapia.

Sempre ouvi muitas frases sem sentido ou raciocínios idiotas e engraçados por todos os lados, e foi, em parte, minha mania de debochar deles que fez com que algumas amigas insistissem que eu fizesse um blog, mas agora a maioria das idiotices que ouço são tão contextualmente imbricadas e tão ligadas a meus chefes ou contratantes diretos que tem ficado difícil transformá-las em posts sem desrespeitar minha autocensura.

Por algum motivo obscuro, eu, que dou muito menos valor a palavras que a ações (numa desproporção gigante se comparada a meus colegas de Letras em geral), sou menos constrangido em enfrentamentos práticos que em acusações verbais ao léu, de modo que os riscos que tomo na prática não aliviam o superego do blog. Provavelmente porque sei o quanto as pessoas gostam de se iludir com o poder das palavras, confundindo seu caráter "performativo" com as velhas palavras mágicas ("Cuidado, dizer aluno implica violentar a cultura do educando, e dizer o nome do Canhoto atrai!"). Se eu escrevesse algo grave aqui, as palavras poderiam ser evocadas em sentido desproporcional, eufemisticamente puxando a luta para frases soltas num blog, desviando a atenção de onde a crise realmente está. E isso é justamente uma das coisas que mais odeio nas discussões médias da humanidade, o que só consigo chamar de argumentação eufemística, fundamentalmente hipócrita: o que está em jogo fica esquecido para que se use todas as armas numa disputa verbal que seria vazia não fosse ela representar refratariamente a luta real. Como pessoas evocando a história de uma palavra para discuti-la num contexto em que o sentido dela é atual, outro, mascarando a verdadeira disputa e tentando usar dicionários filológicos como se fossem enxadas (pior, acreditando que ambos são a mesma coisa).

Em discussões, eu sou objetivo demais para isso. No blog, sou objetivo de menos. E relações de emprego envolvem demais justamente esse nível de disputa, com o abuso de poder, no meu emprego atual (mesmo que eu não seja ainda um dos mais prejudicados), aplicado particularmente para forçar que sigamos eufemísticos, com um leve relaxamento da hipocrisia para ameaças de demissão a cada reunião. Essa demonstração de poder francamente não me impressiona, e fico feliz de ver como também não impressiona grande número de meus colegas, de forma que a parca força retórica disso tudo me deixa ainda mais intrigado com o fato de que quem "manda" com tanto gosto, nesse caso, está realmente tão iludido quanto eu imaginava.

O caso ainda piora por um detalhe que já indiquei, mas que talvez tenha sido lido como redundância ou ênfase: mencionei "meus chefes ou contratantes" querendo dizer que o abuso vem de uns ou de outros, conforme o momento, ou seja, meus chefes e meus contratantes não são os mesmos, não na prática. Essa estrutura esquizofrênica obviamente não casa bem com minha estrutura neurótica, pois afinal a vantagem de estruturar a personalidade assim é justamente não sofrer fracionamentos. Alguns colegas meus, experientes professores do estado, conseguem apelar para a estrutura perversa: lidar com as regras mais ou menos como House (com ainda mais descaso). Outros abandonam o barco. Demitem-se cansados, irritados e ressentidos. Outros ainda procuram meios-termos, categoria em que me encaixo, ao que parece, mas da qual não sou ótimo representante, porque estou tentando forçar que os esquizofrênicos sejam neuróticos, ou seja, tentando unificar o discurso de chefes e contratantes, entre os quais, se eu fracassar, devo ter de escolher radicalmente um lado contra o outro ou me tornar um gênio da matemática hollywoodiano.

Mas como passar as besteiras que ouço para o blog respeitando sua forma, sem apelar para a repetição de críticas às asneiras sobre o sacerdócio do professor, discurso de que os próprios contratantes desistiram, e que mesmo assim um colega materializou com o uso direto da palavra, em nossa última reunião, evocando o exemplo de Madre Teresa de Calcutá (a psicologicamente violenta fundamentalista católica)? Felizmente, o papo empresarial de que nós (contratantes, contratados e chefes) somos uma família acabou.

2 comentários:

Gabi disse...

eu chamaria esse post de: "Vou comprar um gravador!"
não sei se resolveria os problemas, mas o blog tb não resolve...a não ser que tu enviasse pros contratantes...

Tigre disse...

Tá bom, tá bom. Me sentindo melhor com esse comentário de "não resolve nada"... rs