sábado, 2 de junho de 2012

Elasticidade emocional: o caminho e a impossibilidade da educação

Há poucos dias entendi o conceito central da pedagogia que me escapa, que na verdade escapa a quase todos os professores, se questionados diretamente. Cunhei (que eu saiba sou o autor do termo) de "elasticidade emocional".

Trata-se da habilidade de lidar com um grupo não como um todo, mas como um agrupamento de indivíduos, sem se esquecer realmente do todo.

Aparentemente contrário ao que se fala sobre turmas e educação, a elasticidade emocional é a necessária conclusão do individualismo que marca toda a nossa sociedade tanto quanto subjaz às teorias pedagógicas mais aceitas por conservadores, progressistas, engajados de Facebook, neutros e curiosos. Não estou dizendo, no entanto, que ele me ocorreu por tentar balançar teorias. Esse conceito, para o gozo de qualquer paulo-freirista que leia este texto, nasceu da prática.

Os alunos têm suas necessidades, suas faltas, seus talentos, seus traumas, às vezes suas sequelas, tudo extremamente específico. Cada indivíduo na sala de aula, por mais clichê que seja (o malandro, a respondona, o revoltado sem causa, a cdf, o puxa-saco, a roqueira, o submisso...), é um abismo de idiossincrasia: quanto mais se conhece a pessoa, mais se vê o quanto suas necessidades para aprender são diferentes do resto da sala.

Toda essa especificidade envolve uma relação emocional diferente com o professor. Existe, para cada um, creio eu, um estado emocional ótimo, em que a relação na sala de aula e a aprendizagem funcionam muito bem. O problema é que o tratamento que um aluno recebe pode conflituar demais com o de que outros ali presentes precisam, e um mau dia de um aluno desses também pode contradizer demais o que está acontecendo na aula. Multiplique-se esse problema por mais ou menos 30 e vemos de onde nasce a ideia de elasticidade emocional.

Essa elasticidade é a capacidade de chamar a atenção de um aluno, responder a pergunta interessada de outro, procurar saber se uma outra está aprendendo, recolher o recadinho de uma outra ainda (decidindo como lidar com o tal recado, naquele momento), sempre lembrando que qualquer reação afeta a aula toda, pois o grupo todo está testemunhando cada uma dessas coisas, às vezes até outras que não estamos vendo... 

O pulo imediato entre irritação, bom humor, amizade, seriedade... e as armas de uma conversa em grupo (voz alta, reação estranha chamativa, piada adequada, lição de moral...), bem como a consciência da experiência total da sala de aula em conexão com o planejamento e o tempo restante são as grandes chaves, a meu ver, para realizar uma boa aula. A maioria dos professores, claro, dizem que não a têm, ou que é impossível ter tanta elasticidade assim, além de que cansa.

Parece-me realmente que é a maior fonte de cansaço da atividade, acho que é mesmo impossível tê-la perfeitamente (por isso todos os séculos foram marcados pela clara noção de que turmas pequeníssimas, até tutoria pessoal, são a marca da boa educação), mas também considero que todos os professores que conseguem algum resultado a têm em algum grau.

É, porém, uma habilidade para resolver um problema idealmente desnecessário. O professor de talento, por exemplo, não precisa necessariamente dessa habilidade, mas o talento é exceção em todas as áreas. Estou aqui falando sobre aula como um classicista falaria sobre arte, o que seria imediatamente desbancado ou reinventado por um gênio artístico, ou, no nosso assunto, um gênio pedagógico. Infelizmente um sistema de ensino obrigatório e público não sobrevive de gênios. A raridade de uma pessoa nascer com o talento concentrado numa área específica de trabalho é desanimadora, como bem se sabe. 

Da mesma forma, como disse antes, a impossibilidade de professores não geniais perfectibilizarem a elasticidade emocional é preocupante, portanto o sistema poderia sobreviver sem gênios apenas se abaixasse o número de alunos. Só que isso aumenta o custo da educação, e ninguém quer gastar com ela! A política de educação é sempre "menos". O dinheiro só pode fluir mais para programas voltados a apagar incêndio (em parte porque aí a verba pode ser mais facilmente desviada, aparentemente). Uma vez que outra se cria novas instituições, é verdade, mas elas nunca são montadas até o fim. O nome, talvez o prédio, ficam lá para serem contabilizados, mas a educação segue na mesma.

Se alguém precisa de uma desculpa para racionalizar seu abandono da profissão, portanto, pense nisso: como vai a sua elasticidade emocional?

Um comentário:

Nanda Vieira disse...

Relato a minha experiência como aluna, desde a infância. Comecei a estudar por volta do início dos anos 80. O Brasil ainda estava sob o Regime Militar, o presidente era Figueiredo.
A disciplina era rígida (eu estudava em escola pública).
Professores eram respeitados.
Baderneiros eram punidos. Ou excluídos.
Pode ser que eu esteja muito equivocada, mas um filme e uma música, que se tornou hino oficial dos estudantes na época, "The Wall" do Pink Floyd, levantou uma fúria entre nós, que começamos a nos revoltar contra o governo e contra os métodos de ensino.
Logo veio o movimento do Rock Nacional, revolta total contra tudo e contra todos. Fizemos muito barulho. Por que? Porque não nos ensinavam a pensar por conta própria. Toda informação era absoluta, não nos davam informações, e sim respostas prontas (acredito que nem os professores pensavam por conta própria, pelo visto).
A nossa mentalidade começou a se expandir, mas os métodos de ensino não acompanharam a evolução. E ainda nem havia tecnologia tão avançada quanto tem hoje.
Conseguimos a tal liberdade. Mas ainda não aprendemos a pensar por conta própria!
Os professores de verdade são provocadores da criatividade e do pensamento.
A estrutura do ensino tem que ser reestruturada, porque nossa juventude está presa novamente em respostas prontas.
Parabéns aos professores, mestres, educadores, que, ao invés de entubarem informações com respostas do tipo certo/errado, procuram instigar o pensamento crítico e formarem pensadores independentes, criaturas com "elasticidade emocional".
Que expressão interessante, diga-se de passagem...