segunda-feira, 26 de março de 2012

A educação estadual e nosso querido maior jornal

Estando os professores estaduais em greve e sendo o Rio Grande do Sul o recordista em pior salário do Brasil, não foi ingenuamente que a Zero Hora publicou no final de semana que o estado é também o recordista em reprovação no Ensino Médio. É claro que o problema começa a se montar no Fundamental, mas estoura mesmo no Médio, responsabilidade central do estado, não dos municípios.

Foi, no entanto, com ingenuidade que a matéria foi escrita - ou estou subestimando o pessoal? Vejamos.

Dizia o jornal, "A cada ano, perto de 300 mil alunos são afetados por um dos mais graves problemas da educação gaúcha: o alto índice de reprovação."

O fraseamento não é feliz, pois identifica aquilo que serve justamente ao governo à custa da população, colocar a reprovação como problema grave, não a falta de educação que apenas em parte está referida pelo índice de repetência.

 Em primeiro lugar, muita gente passa sem saber metade do que seria satisfatório. Reprovação não é igual a falta de conhecimento, portanto. Além disso, outras questões, como faltas excessivas (pelos mais diversos motivos), provocam igualmente repetência. O mal social

Em segundo, o problema da repetência é, como indica bem a matéria, também um problema de "investimento" vazado, pois o dinheiro que o aluno custa ao estado até acabar abandonando a escola (resultado comum da repetência endêmica) é indiretamente dinheiro do povo, mas não é isso que preocupa a população. É o governo que vê as contas. A população em geral está mais preocupada com o efeito social da coisa que com a economia do governo, ainda que se possa criticar isso na opinião pública.

O crucial, no entanto, é que as medidas para mascarar a falta de educação (algumas já postas em prática) dão conta de diminuir a porcentagem da repetência sem que os alunos aprendam mais. Se o problema são números e estatísticas, subterfúgios dão conta. Se o problema central for a falta de educação do povo, a tragédia é bem mais embaixo e muito mais complicada de ser resolvida.

Além desse infeliz lead da matéria, quem a escreveu resolver dar voz a bobagens de quem está no governo e acabou não enquadrando o problema da greve, o que necessariamente faz pensar que o implícito que vimos no início estava errado e que também em relação a isso os jornalistas sofreram de ingenuidade ou má-fé. Adivinhem para qual destas estou apontando? Mas, leiam o resto se querem saber os indícios:

Eles deram voz, por exemplo, ao secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo. Este afirma que a reforma do Ensino Médio, resistida por professores, mirava a solução desse problema. Faltou apenas verificar que essa reforma foi imposta goela abaixo de qualquer jeito, sem qualquer planejamento ou preparação adequados. Seria interessante lembrar também que não foram apenas os professores que se opuseram à reforma, que mais pareceu um plano para enfraquecer a educação do estado do que para fortalecê-la. O governo não foi capaz de informar satisfatoriamente a população interessada se esta estava redondamente enganada como o secretário acredita. Perdidos do que aconteceria no dia seguinte, os professores estaduais entraram nas escolas neste ano despreparados para encarar uma mudança estrutural confusa e de valor duvidoso. Era essa a forma para ajudar a resolver o problema da repetência?

Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos pela Educação, comenta a cultura de "rigidez" que teria sobrevivido no Rio Grande do Sul, diferente dos outros estados. Aqui, como afirmam (a matéria não deixa claro quem), os professores ainda usariam a repetência como ferramenta pedagógica. Apenas um detalhe: essa informação é verdadeira também para professores de outros estados (não para uma minoria deles), e - para pisar nesta tecla - também sobreviveu só no Rio Grande um salário ínfimo para a educação estadual. Posso provar essa diferença de salário. Alguém prova nossa cultura tão diferente? Os jornalistas realmente tratam como se fosse a única possibilidade de explicar o índice. Que gente sem imaginação... e sem conhecimento sobre o problema.

Também veio com a questão de problema "cultural" a ex-secretária da Educação Mariza Abreu, afirmando que "A implantação dos ciclos em Porto Alegre não teve bons resultados, então ficou no inconsciente coletivo a impressão de que reprovar é melhor do que a aprovação automática." Além do uso bastante infeliz de "inconsciente coletivo", seria interessante ouvir a secretária falando sobre os benefícios da aprovação automática, sistema pelo qual os alunos não aprendem, não respeitam professores e escola, mas também não rodam. Ótimo! Muito melhor.

Por fim, fala-se que a repetência não ajuda em nada a nota do aluno. Seguindo no texto, no entanto, temos a sensação de que o "nada" é forçado, e os dados de base são bem engraçados. A conclusão vem de uma comparação a respeito de notas em matemática. Ou seja, uma entre tantas matérias do currículo, sendo que a separação entre matérias que rodam e as que não rodam não serve há já algum tempo, ao menos não para caracterizar o quadro todo. Justamente porque governo algum quer números "feios", um conjunto pesado de professores precisa rodar um aluno para que ele realmente fique no mesmo ano. Portanto, é bem possível que um aluno rode sendo bom em matemática, ou sendo ruim em todas as matérias, inclusive matemática, o que seria resultado de inúmeras dificuldades imagináveis, não necessariamente uma dificuldade com a matéria - por exemplo, completo desinteresse na educação formal, falta absoluta de estudo. 

Além disso, os números indicam que 1/4 dos alunos rodados se saem bem em matemática ("conforme os padrões esperados pelo estudo", não se animem). Por que eles foram bem? Que variáveis foram observadas? Todos os outros tinham problemas de aprendizagem em matemática? Não se sabe. Na retórica desses jornalistas, a porcetagem cai de 25% para "nada", e o que cada um dos "valores" representa sobre a realidade dos fatos não fica claro.

A matéria, enfim, é uma possibilidade para o pessoal do governo falar sobre a incompetência do próprio governo jogando a culpa nos professores: "nós fomos responsáveis pela educação no estado, que está uma merda, e isso é porque eles estão errados... ah, a gente manda neles, mas não tem culpa mesmo assim".

E onde os professores erraram mesmo? Não apoiaram a reforma quista pelo governo (não explicada na matéria), são culturalmente fracos em sua pedagogia, vítimas de um senso comum que os queridos secretários ainda não conseguiram iluminar e, implicitamente, sem moral para reclamar de salário. Afinal, não se acredita que a greve realmente não seja contexto para a matéria, não é? Acontece que a Zero não aproveitou para reclamar do vexame nacional do RS. Aproveitou, sim, para reforçar que essa gente não merece receber bem ou parar para reclamar disso: "os burrinhos ainda acham que repetência educa".

Pelo menos o governo do estado não está sozinho: nosso principal jornal também não dá a mínima para educação pública.

Matéria aqui.

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