sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A verdade dói

"If you were always right, then you wouldn't have just been wrong."
House (algumas pessoas só respeitam críticas vindas da ficção).

"O menor insulto, o termo mais leve, a coisa mais... assim... para dar um exemplo suave, o menor insulto que usaram foi dizerem que nossos alunos são semi-analfabetos!"

Constatar a verdade constitui insulto? É mentira que basta evitar os termos politicamente corretos para não se cair nesse modus operandi. A postura politicamente correta não existe só em sua expressão mais clara, mas denota geralmente medo frente à realidade, dificuldade de se lidar com os fatos. Tanto que a pessoa que produziu essa frase acusou o golpe: desmereceu as críticas recebidas para imediatamente tomar medidas que tinham as mesmas críticas como base. 

Se uma parte significativa dos alunos que encontrei no fim do ano passado não eram semi-analfabetos, então nenhuma política nem postura minha a respeito seriam necessárias, e seria possível partir para desenvolvimentos mais arrojados da língua portuguesa. Mas a realidade não permite. Ninguém teria coragem de ignorar uma realidade tão poderosa, porque, pasmem, o "alfabeto" faz falta! Poucas pessoas, porém, têm coragem de assumir a realidade, qualquer realidade, verbalmente. Essa resistência vem de gente que está trabalhando com os mesmos alunos há muito mais tempo que eu, claro, e que não quer assumir grandes erros, ou mesmo que deixaram de trabalhar bem uma capacidade por estarem trabalhando outras (como combatendo a evasão ou o tráfico).

Não é possível assumir erros publicamente, porque a competição vem antes de qualquer responsabilidade. A imagem é tudo em empresas, e tudo no Estado é um ato político-partidário. Cada erro conta na hora de serem publicados superficialmente e sem contexto para a briga por votos, bem como para serem distorcidos, aumentados ou só servirem de base em que se inspirarão mentiras deslavadas. É a mentira mais repetida entre TODOS os profissionais da educação que o aluno seja a primeira responsabilidade, o primeiro motivo de se trabalhar, o grande foco a que todos os esforços convergem. O primeiro alvo da educação é o mesmo de todas as outras profissões, o próprio profissional, o próprio umbigo, a própria vaidade. E que as pessoas saibam mentir bem para si próprias, assumindo os sacrifícios e não assumindo que estes são feitos para se atingir um prazer vaidoso muito maior depois ou para se manter uma boa imagem no emprego é uma postura politicamente correta tão mentirosa quanto as outras. Quando essas vaidades estão sob controle, ou seja, quando lidamos com adultos suficientemente maduros, não há problema, não mais do que se tem por exemplo entre garis, secretários e bombeiros. Nada disso torna os professores piores que os outros seres humanos, e é triste que esse medo mesmo exista entre eles. Mas quando essa vaidade bem alimentada garante contratos ou vantagens partidárias, aí a coisa complica, e professores passam a lembrar não profissionais, mas políticos ou palestrantes de auto-ajuda administrativa.

Esse problema é ainda maior, porque os profissionais da educação, talvez sem se tocarem, já saíram do jardim de infância. Viver num mundo em que as pessoas não mentem para si e não têm a própria vaidade como grande motivador pode ser uma agradável fantasia, mas afasta da realidade. E é possível lidar com a realidade sempre se fugindo dela? Bem, algo se faz. Nada, no entanto, que dependa de se admitir os próprios erros. Os erros crassos, os erros que são cometidos pela maioria, e pelos quais a maioria apedrejaria quem os admitisse. A postura politicamente correta, como sempre, denota um tabu.

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