terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Homens são iguais às mulheres, salvo quando diferentes, e vice-versa, bem como o contrário também

Das notícias sobre o horário de verão (início e fim), sobre a corrupção no governo, sobre as escolas que agora fazem certo e acharam a solução para a educação, sobre a piora do ensino, sobre as "novas oportunidades" de emprego no período de férias, sobre aquecimento e esfriamento da economia, sobre o fim do mundo, sobre o Ano Novo ter chegado no Japão, e também na China, e também na Alemanha, e também na França, e também nos EUA, até as cotidianas notícias de que o pretóleo subiu, de que a última vítima da violência urbana era jovem e classe média demais para tal e (das minhas prediletas) de que o dia ontem teve o clima que ontem experimentamos, poucas notícias sazonais são tão repetitivas quanto a de que "agora as mulheres estão ocupando mais cargos e chefiando mais famílias, mas ainda recebem menos". Não duvido de que haja um catálogo com notícias repetidas todo ano que permitiriam uma revista da periodicidade de Época, Veja e Isto É nunca ter de escrever nada novo.

Mesmo assim, agora tão perto do Carnaval, por algum motivo a Época querer vir com essa, bem na capa, chamou minha atenção. Não sei se esperava esse tipo de repeteco mais para maio. Na verdade, faz sentido quererem dar uma respirada de progressismo antes dos blocos de Carnaval e do final do Big Brother. Fui enganado, no entanto, pela chamada da matéria: "Elas estão ganhando mais, ficaram mais independentes e mais poderosas. Uma pesquisa exclusiva mostra que estão fazendo tudo diferente dos homens - ainda bem." Mulheres salvarão a Terra. Mais do mesmo, não? Não! Porque o "ainda bem" do final da frase é falso. A matéria realmente indica a diferença de homens e mulheres (mexendo com dinheiro e aplicação, não se pense que falam sobre mulheres na política, na educação, nos hospitais - pelo jeito tão ineficientes quantos os cuecas), mas nem tudo são qualidades na relação das mulheres com o dinheiro (sim, o consumismo, particularmente ligado à moda, está entre seus pontos fracos).

Na verdade, a matéria, como não poderia deixar de ser, não traz grande novidade. E a representação de mulher que ali se encontra, exatamente porque lidam com o recorte "homem x mulher", redunda muito naquelas características antigas: mulheres cuidam mais da família e buscam mais estabilidade, homens são mais agressivos ("geneticamente, blablablá") e tanto ganham quanto perdem mais (algum gaúcho pensou Terra-Cambará?). Mulheres se contêm em grupos mistos mais do que quando estão apenas entre elas, o que também se reflete no trabalho. E é claro que tudo isso pode ser debatido conforme se compara os resultados da Época com outros estudos que recortam os investidores não por gênero, mas por cultura, faixa etária etc. O interessante, porém, é que essas questões foram colocadas na matéria. Em vez de encontrarmos os típicos reducionismos midiáticos, alguma ponderação e algum debate acadêmico entrou para o tema, e os próprios jornalistas (um homem e uma mulher) que escreveram a matéria tentam evitar extremismos. É engraçado encontrar expressões como "Um estudo publicado em 2007 pela respeitada Universidade de Cambrigde", como se dissessem "não estamos tirando de qualquer lugar nem de nossa cabeça, viu?", cacoete de ponderações acadêmicas quando se sabe que se pisa em ovos.

As características das mulheres resumem-se numa lista curiosamente antiquada: conservadorismo, expectativa de relações duradouras, prioridades flexíveis, equilíbrio (de interesses dentro e fora da empresa), apego aos detalhes, tendência gregária e consistência temporal; tudo isso com suas consequências ruins, além das boas. Surpresa: mulheres e homens são diferentes (agora com discurso genético por cima), e o "ainda bem" do subtítulo da capa revela-se extremamente relativo.

Sobre tudo isso há aquela ambígua sombra da cultura. Por mais geneticista que se seja, nenhum estudo científico sério parece subestimar o efeito da sociedade em tudo que fazemos, de modo que as mulheres tomarem novos cargos e mudarem seu comportamento também poderia distanciá-las desse papel "genético" ocidental: mãe (no sentido moral, o resumo de muitos neologismos e eufemismos da "mulher de negócios" que se encontra no texto). E se ela saísse desse papel, muitos de seus defeitos e qualidades mudariam e elas seriam "mais homens", com nossos defeitos e nossas qualidades? É justamente o medo das estudiosas do womenomics, que enfrentam o velho desafio do feminismo de incluir mulheres em posições tradicionalmente masculinas sem vesti-las de George Sand.

No fim, a matéria é surpreendentemente bem mais equilibrada e séria do que se encontra nas notícias sazonais, sejam de clima, economia ou "da mulher". De tal forma, devo dizer que me questionei se não encontrei aqui uma forma rara, uma matéria realmente sobre mulheres do mundo financeiro, e não a re-edição da boa e velha "agora-as-mulheres-estão-ocupando-mais-cargos-e-chefiando-mais-famílias,-mas-ainda-recebem-menos". Aliás, por que elas recebem menos, segundo essa matéria? Machismo? Não: lógica de mercado. Deixe os cargos de risco para os homens (que tomam riscos)! Além disso, os empregradores "tenderiam a dar a elas cargos menos estratégicos e desafiadores, já prevendo seu eventual afastamento para cuidar dos filhos", especialmente se elas não são reconhecidas como as melhores para correr riscos com seu dinheiro ou com o de outrem.

Particularmente, não acredito que genes não tenham nada a dizer, apesar de supor que sua palavra de ordem é antes "adaptabilidade" que "apego a tradições de gênero", mas é interessante que o papel de mãe seja moralmente ainda tão valorizado que a própria emancipação feminina (dessa linha ideológica, digamos) não tenha interesse em sair muito dele, mesmo que isso represente naturalizar um papel social. Bom, Finanças é resultado da sociedade burguesa (aqui referida sem cuidado epistemológico, mas não como nefasta em si), e se é possível juntar família burguesa e lucro, quem é o empregador que vai reclamar? E a empregadora? Reclamaria?

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