sábado, 18 de agosto de 2012

Olímpicos, orai por nós

Brasileiros por acaso: melhor equipe de vôlei feminino do mundo.
Nunca tinha dado bola para as Olimpíadas no século XXI. Até 2000, acompanhei, mas elas pareciam ter perdido o sentido desde então, o que já vinha acontecendo, é verdade. Dei uma olhada nas tecnologias da China, que era a terrível superpotência emergente que iria destruir o mundo ocidental pelo mercado, conforme os analistas de então, mas o fiz mais acompanhando fotos da cerimônia de abertura que realmente assisindo à transmissão. E deu.

Brasileiro por acaso: 3o maior judoca do mundo.
Estranhamente, quando as deste ano começaram, senti vontade de acompanhar tudo o que pudesse. Passei então a ver sempre que podia, na Record ou nas TVs por assinatura alheias.

Não foi difícil entender de onde meu interesse repentino nos jogos, depois desses anos todos. Já faz uns 4 ou 5 anos que eu vivo praticamente de dar aula, mais do que qualquer outra coisa. Não vinha mais praticando esporte e todo o meu esforço de pesquisar ou escrever virou um rodapé sem remuneração. Não que eu recebesse para estudar antes, mas as exigências de sala de aula são muito maiores do que as de qualquer ganha-pão que eu tivesse antes, de modo que o que eu faço de graça perdeu muito terreno.

E o que significa dar aula? Significa mirar quase sempre no médio, no mais ou menos, no aceitável. Não estou falando sobre políticas inclusivas, cotas ou qualquer outra bandeira. Para um aluno deficiente, por exemplo, atingir a média pode ser um gigantesco desafio. Acontece que o aluno típico também pode e só precisa render muito abaixo de seu potencial. Não importa muito a opinião do professor a respeito; ele é requisitado a fazê-lo por quem o contrata, pelo menos quando é professor público. Existem exceções a isso, mas só ocorrem por mérito de algumas diretoras, localizadas em contextos que as permitam manter uma escola atípica.

Brasileira por acaso: maior judoca do mundo.
Dar aula é ser exigido ao máximo para exigir o mínimo. Podem frasear de forma diferente se quiserem, duvido que achem um argumento para que não seja só eufemismo para isso.
As Olimpíadas só podiam então atrair minha atenção: uma cultura de exigência máxima, de dedicação extrema, de superação, de desejo de perfeição, além de uma forma absolutamente elegante e honrada de lidar com a competição, uma capacidade de pensar o "vale a pena é competir" e de aceitar os acidentes do caminho que só quem se dedica ao máximo a algo consegue compreender e executar. Entender a derrota, não humilhar nem a si nem ao próximo, é muito mais fácil para quem tenta com toda a dedicação, não para quem se satisfaz sempre com pouco.

Logo, tanta gente (inclusive grande parte de nossos jornalistas e opinadores) que vive da cultura do "até aqui tá bom", "ah, deixa assim que ninguém ia fazer mais mesmo" etc., toda essa gente cai no pau por qualquer medalha de prata e adora exigir resultados dessas pessoas que dão um duro inimaginável. Aliás, sempre que se fala em equipe "brasileira", já está se fazendo um abuso exatamente nesse sentido. O que o Brasil faz para supor que é representado por essas pessoas apaixonadas e esforçadas? Não digo só o governo. Todo brasileiro é quem para se orgulhar em nome do Zanetti, que ganhou ouro nas argolas, a custa de fazer os próprios aparelhos e treinar como era impossível no Brasil até ele próprio criar o jeito? Em que universo bizarro o Brasil se veria espelhado num sujeito desses, como nação? 

Brasileiro por acaso: 2o maior boxeador do mundo.
É óbvio que o governo comete a mesma pressuposição ridícula. A Dilma foi lá tirar foto com os medalhistas. Ora, quem lhe deu estatura de julgar que apenas os medalhistas mereceriam foto com a presidente? Por que os outros não estavam lá também, que chegaram às Olimpíadas apesar de todos os nossos presidentes, incluindo a própria Dilma? E o que eles teriam a agradecer ao governo, tirando, talvez, exceções como o futebol (que de fato se explica por outras vias para se destacar)?

Brasileiros por acaso: 5o maior equipe de basquete do mundo.
As Olimpíadas são o oposto da cultura brasileira. Em nada a nação explica sua equipe trazer qualquer medalha, ou mesmo competir. No entanto, todos querem legislar sobre os competidores, julgando comportamentos, falas, decisões, esforços, inclusive comemorações. 

Foi o que fez André Barcinski, um "crítico da Folha" e produtor de TV, que acusou a não mais poder a equipe brasileira do vôlei feminino por ter rezado ao ganhar. Pressupunha ele, como deixou claro no texto, que a equipe representava o Brasil, o que já é muito problemático pelos motivos que acabo de expôr. Partindo disso, declara que foi um ato de intolerância religiosa rezar. Por quê? Porque estavam representando (sic) um país laico que, ao mesmo tempo (supõe ele), não aceitaria manifestações de nenhuma outra crença que não a cristã. 

Brasileiras por acaso: semifinalistas mundiais do nado sincronizado.
Três problemas graves: acha que alguém, nem que seja a nação supostamente levada às quadras, pode legislar sobre a comemoração do time quando as atletas manifestam as suas crenças religosas de forma pacífica (aliás, ele imagina que algumas o tenham feito por pressão, para não ficar deslocadas, baseado em... nada); acredita ainda que liberdade religosa é proibir a manifestação de crenças em todos os aspectos públicos da vida de todo cidadão; considera lógico, por fim, que nenhuma manifestação cristã pode ser permitida porque as outras também não seriam - ou seja, se não se aceita umbanda ou budismo, a solução é proibir o cristão e não permitir aqueles!

Por esse raciocínio, André é "libertário" proibindo um time que é posto abaixo de sua crítica apesar de tudo só porque ele é brasileiro e elas fizeram a bobagem de usar o próprio talento e esforço para representar um país que não as aceita nem apoia, e o time de vôlei todo é considerado "intolerante" porque agradeceu ao seu deus, baseado na crença de que ele teria algum mérito decisivo pela vitória. Eu não acredito em deus algum, mas devo dizer que a crença nele com certeza fez mais parte daquela vitória do que qualquer ato dos Andrés que povoam o Brasil. Se o time vai homenagear alguém, todos os Andrés só fariam bem ficando bem quietinhos nos seus cantos, com muito respeito. Eles têm a liberdade de falar besteiras, é verdade, mas continua sendo uma pena que ninguém com projeção também declarem suas besteiras aquilo que são.

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