domingo, 4 de novembro de 2012

Internetês como analfabetismo

É verdade que o internetês tem sua graça, seu estilo, suas potencialidades, até poéticas - se quiserem. E é verdade que é possível escrever internetês e saber escrever conforme a Gramática Normativa ao mesmo tempo.

Também é verdade que as duas afirmações, como todas as defesas ideológicas do que é obviamente um problema, referem-se às exceções das exceções.

Praticamente não se usa o internetês para se fazer firulas que não se pudessem fazer com a Gramática - nada dessa poesia cotidiana e espontânea com que sempre se sonha; quase ninguém sabia escrever conforme a Gramática já quando ela só competia com uma Norma Culta, sobre a qual tinha extremo poder, quem precisa da Gramática agora, que existe um campo livre de todo e qualquer domínio dela?

O problema do internetês nem é, aliás, seus potenciais, o problema é do que ele é sintoma. Observe-se o que se escreve na internet, particularmente o que pessoas com menos de 20 (para ser mais extremo) escrevem, e compare-se isso a textos até o fim da Idade Média. O internetês é a escrita de uma cultura oral.

Nossas regras mais cotidianas, como pontuação, separação de palavras, uso de minúsculas e maiúsculas, vêm de problemas que as cópias de textos foram gerando conforme se perdia noção do contexto original (em muitos casos, tratava-se de uma defasagem de séculos). É realmente possível escrever quase sem regras, quando o texto é praticamente uma anotação para servir como apoio à fala, quando as duas pessoas que se comunicam compartilham de quase todas as referências em questão, quando todos sabem exatamente os mínimos detalhes do contexto relevante ao texto. Soma-se a isso o clichê e a frase-feita.

No momento em que o texto passa a ser útil por mais que um dia, ou seja, no momento em que a tecnologia da escrita passa a ter algum valor de acordo com todo o seu poder, esse texto de mera anotação moral passa a não satisfazer mais. E o internetês é só esse texto. Muito pouco dele pretende ser útil por mais que um segundo.

O único detalhe é que escrever assim é a única forma reconhecidamente necessária para uma multidão de gente. Assim, a famosa língua que brota suas regras das necessidades de comunicação em grupo, sem um poder autoritário por trás como é o caso da Gramática Normativa, não gera o estilo rico, delicado e bonito dos sonhos de um Marcos Bagno (em que ele inconscientemente só parece supor pessoas minimamente treinadas na língua culta como ele próprio), mas sim um texto tão pobre quanto possível, tão isolado quanto possível. As riquezas que as novas ferramentas permitem não entram em uso sem, como no caso da Gramática, o poder de algumas pessoas muito talentosas, tradicionalmente chamadas de poetas. O detalhe é que esses poetas não podem afetar o internetês da mesma forma, porque seus usos e estilos não podem ser ensinados nem passados adiante; isso dependeria de um sistema de regras e controle, como na tão temida e (blergh) adulta Gramática.

Dessa forma, só o que resta são pequenas firulas que só parecem grande coisa a uma leitura de quem não tem noção tanto das capacidades da língua quanto de reconhecer os trejeitos da fala em toda suposta novidade do internetês. E os motivos não são misteriosos: uma sociedade de cultura puramente oral é uma sociedade analfabeta; uma sociedade analfabeta só tem cultura oral.

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