domingo, 8 de julho de 2012

Interpreta pra mim?

Tem sido ainda uma experiência curiosa ver jovens (nesse caso, pessoas com menos de 17 anos) assistindo a filmes. Em primeiro lugar, vê-se que estão bem acostumados aos preceitos dos produtores e, noutra direção, que estes têm razão: a ação é a única coisa que concentra. A agitação e o barulho é o fundamental. As falas não ganham grande respeito ou interesse, o que faz pensar que Wall-e ter feito sucesso não indica que, como antigamente, ainda é possível prender sem o apelo a diálogos, mas sim que o que os personagens têm a dizer recebe tão pouca atenção nos filmes em geral que se pode mesmo tirar todo tipo de expressão verbal do filme. Isso é, aparentemente, o supérfluo. 

Por outro lado, as expressões faciais lhes dizem muito! Disney, Pixar e Dreamworks têm mesmo razão em apostar tanto nos olhares e na linguagem corporal extremamente didática de seus personagens. O entendimento com meias-palavras é bem mais expressivo que o diálogo - talvez combinando com o que eu disse no parágrafo anterior, pois ainda são, em certo sentido, ação, movimento.

Mesmo assim, olhares e gestos podem ser interpretados de formas muito diferentes e, como palavras e grandes partes do filmes são ignoradas em prol de celulares, comentários, lembranças ou coisas do tipo, muito do essencial do filme é perdido. Além disso, o detalhe pode se destacar por uma bobagem qualquer (como criticar a cor do vestido da fulana, ou o fato de que o personagem NÃO resolveu algo com porrada), mas isso não é interpretado com coerência em relação ao conjunto. Não há atenção suficiente para se pegar esse conjunto, por isso os pedidos para que a pessoa do lado (colega, amigo, parente, professor...), qualquer pessoa do lado, explique o que está acontecendo realmente (além do que vai acontecer, claro) são incessantes. 

Devo dizer que isso até contribui com o senso comum atual de que mulheres tendem à multitarefa. Vejo gurias confirmando mais o que estão pensando ou não entendendo bem, porque pulam entre o filme e a realidade constantemente. Os caras tendem a pretar bastante atenção ou ignorar o filme completamente. Há meios-termos em todos os sexos - a natureza, desde bem antes do politicamente correto, paga seu tributo às cotas de alteridade -, mas a tendência a esse padrão me parece bastante interessante. Seja um macho uma fêmea querendo lidar com várias coisas ao mesmo tempo, no entanto, (adolescentes não parecem saber a diferença entre escutar ou olhar e "prestar atenção") a multitarefa naufraga quase sempre. Apenas "quase", porque há sempre exceções, como bem se sabe. Às vezes inclusive o sujeito até se interessa tanto pelo filme que assiste tudo e descobre-se pronto para entendê-lo (interpretá-lo). Mesmo assim, algumas confirmações tendem a ser pedidas.

De qualquer forma, até a adolescência, raras parecem ser as pessoas que entendem realmente a trama principal - e uma que outra paralela, quem sabe? - porque simplesmente não há atenção mantida por tempo suficiente para tal. Curiosamente, esse empecilhos para a interpretação em nada batem com a falta de espírito crítico que tanto se cola (em campanhas ideológicas) à capacidade de interpretação. É claro que uma crítica sem interpretação é infértil em muitos sentidos, mas quero chamar atenção para o fato de que a dificuldade de interpretação, seja qual for, não indica um espírito passivo ao conteúdo real ou pressuposto daquilo que é visto, como geralmente se quer pregar quando se diz que é preciso ensinar a população a interpretar para "ter espírito crítico", o que significa votar na mesma bandeira que a pessoa fazendo o alarde. Como vou comentar, é verdade que o espírito crítico em questão não é o ideal, mas ele está longe de indicar passividade e, mesmo que equivocado, não tende a ser muito apefeiçoado pela vida.

Depois da espécie de crença pétrea em bem e mal, certo e errado, a que se tende em determinada fase da infância (particularmente, não apenas de que isso existe mas de que se sabe exatamente quando estamos em frente a um ou outro), caminha-se para a adolescência, fase em que o voluntarismo infantil sobrevive, mas (porque já se sabe mais do que se sabia poucos anos antes) uma sensação de extremo conhecimento do mundo e da vida conquista a mente humana. O adolescente tende a um cálculo assustadoramente errado da cultura que recebe, interpretando "amor", "ódio", "vingança", "decepção", "nostalgia" e muitos outros sentimentos e conceitos cantados com louvor e ânimo por todos os lados restritamente conforme sua parca experiência, que lhe parece tão grande por ele já ter perspectiva para entender o quanto o horizonte das crianças é pequeno. Por contraste consigo mesmo, um adolescente parece ter pulado, em dois anos, de Sam Gamgee para Gandalf. Por isso mesmo, se julga mais conhecedor do que é. Por isso mesmo, de novo, acha que sabe do que sua cultura está falando. E assim sai errando cada passo e julgamento que dá, com exceção, é claro, daquilo que realmente entendeu por experiência própria, não por "herança discursiva", digamos.

Acima de tudo, é a partir da adolescência que conseguimos confundir o que queremos com termos como "justiça", "lei", "correção", "adequação", "respeito", entre outros, e fazemos tudo com alguma capacidade retórica. Dessa forma, nosso mundo autocentrado já passa a ter a possibilidade de, pela nossa palavra, passar por um descentrado, honesto, respeitoso, justo. Tudo que o filme, retalhado pela falta de atenção do espectador, apresentar e que, de alguma forma, contrarie o mundo ou interesse do jovem de qualquer forma, receberá uma crítica bastante sincera e enérgica. 

O objeto cultural em geral só será aceito nos termos em que ele confirme o que o jovem quer (espaço aqui para desejos inconscientes, é óbvio). De resto, apresenta-se espontaneamente o espírito crítico que tanto se deseja ver criado por educadores perfeitos que amam as crianças acima da própria vida, dispostos portanto a salvar a nação em troca de migalhas - ou seja, o espírito crítico como a postura que pressupõe a dúvida frente ao que se assiste e que coloca questões fortíssimas a tudo que lhe parece equivocado. 

Assim, não é preciso professores para isso; o adolescente é um animal extremamente "conservador", no sentido de desejar o seu conforto psicológico acima de tudo, portanto disposto a renegar tudo, esquerdista ou direitista, que o tire do lugar. Professores seriam necessários, talvez, para questionar esse espírito crítico, para provocar uma interpretação embasada e coerente, para mostrar que a coerência que interessa construtivamente é aquela que se pauta pelos elementos do que é analisado - não pelos nossos desejos, ou seja, que é preciso ser coerente com critérios lógicos ou objetivos de alguma forma, em vez de se ser coerente com o que queremos e ponto. (Professores, portanto, poderiam ser importantes para mostrar que muitas vezes o espírito crítico do aluno é o que está completamente equivocado, que ele ainda tem muito a aprender antes de negar tudo o que vê pela frente só porque quer, que é preciso escutar - postura aparentemente passiva - para se pensar como o outro a fim de poder questionar com razão, que o espírito crítico não é um valor se é infundado, autoelogioso e autocondescendente.)

Parece-me ficar claro, assim, que o humano tende a se manter adolescente pela vida afora. Não precisamos dos outros para sermos críticos, apenas de nossa própria cabeça. Precisamos dos outros, em geral, para entender que alguém pode ter razão além de nós mesmos e dos heróis que dizem aquilo em que queremos acreditar.

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