Hoje saiu nos jornais de Porto Alegre uma nota da prefeitura mentindo a respeito dos grevistas e justificando a postura com as piores desculpas que alguém poderia ter inventado. Por que representantes do governo acham tão natural falar bobagens que não seriam aceitas de alunos de 8a série?
No início da nota eles falam sobre seu grande interesse em pagar o devido. Uso "devido" aqui como derivado do verbo "dever". No caso, pagariam a dívida que diz respeito à inflação. Isso é menos da metade do dinheiro que devem às pessoas em greve (e não deveria nem ser necessário discutir), mas a nota faz um draminha dizendo que isso equivale a R$ 90,4 milhões anuais. Muito bem, quem é o incompetente que faz orçamento da prefeitura e não sabe que precisa levar suas dívidas (ainda mais ligadas à inflação) em conta quando calculam quanto vão gastar no ano?
Cotinuo me impressionando com a facilidade com que políticos dia a dia justificam sua incompetência atual com sua própria incompetência pregressa. A mesma justificativa se repete três vezes na nota, e os caras ainda têm a cara de pau de destacar o valor que supostamente pagam para os municipários, afirmando que Porto Alegre é dos municípios que melhor remunera. Ora, até os municípios vizinhos de POA estão reajustando valores maiores com seus servidores, e os salários publicados nos jornais são FALSOS. Sim, a prefeitura publicou para todos que quisessem ver o salário de seus servidores e mentiu em todos eles.
Como fizeram isso? Calcularam quanto ganharia um servidor, em máxima carga horária e com máximos abonos e publicaram como se fosse o salário de todo e qualquer funcionário. Se formos considerar os valores publicados, a prefeitura não está devendo 18%, mas 300% de reajuste para mais da metade de seus funcionários.
Toda essa mentira depende ainda do fato de que a prefeitura tem plano de carreira, mas não o cumpre. Os funcionários precisam concorrer a ganhar os abonos salariais a que legalmente teriam direito automático, de modo que uma pessoa (a maioria) que deveria receber o aumento de salário em seu sexto ano de serviço pode ter feito tudo corretamente, incluindo cursos extras e formações, e não ter recebido esse aumento nem no décimo segundo ano de trabalho. Tudo isso está embalado no pressuposto, antigo e ao mesmo tempo tão atual, de que quem ganha "bem" não deve reclamar, o que é ridículo por dois motivos básicos: (1) "bem" é relativo, em comparação com um prefeito, por exemplo, todos os servidores públicos de Porto Alegre ganham MUITO mal; (2) dívida não depende de quantia para ser dívida, se o governo estivesse devendo 1 milhão a alguma empresa a que aceitou pagar 3 milhões, já ter pago 2 seria justificativa para deixar de pagar o milhão que faltasse? A intenção, é claro, segue sendo ressoar para quem recebe pior (do que a quantia fictícia publicada nos jornais) que as pessoas em greve não têm do que reclamar, e têm de aceitar o desrespeito do governo já que existem pessoas MAIS desrespeitadas que elas. Por que a Prefeitura de Porto Alegre teria vergonha de usar tática tão infantil quanto essa se grande parte de nossa política contraparticipativa se baseia nisso?
A Prefeitura ainda declara que não paga o que deve aos funcionários por precisar prestar serviços a toda a cidade! Em que cidade eles acham que seus servidores trabalham? Obviamente a Prefeitura nem se manifestou sobre não ter aumentado o salário dos que não recebem um salário mínimo... E o prefeito (José Fortunati - PDT - vice que pegou a bola do Fogaça quando este abandonou o cargo), em mais de um mês, não tomou conhecimento dos conflitos que estão travando todos os serviços que a cidade deveria prestar à população.
A pilha de abusos é quase infinita, mas a nota nos jornais não deixa de registrar o "estranhamento" da prefeitura com a "atitude de intolerância" do sindicato. Sindicato? 90% das escolas pararam, os postos (e mesmo o HPS, um dos principais hospitais de Porto Alegre e, mais do isso, de extremo valor simbólico por aqui) estão parados... Se o sindicato não tolera mais, pelo menos dessa vez na vida, é porque os empregados da prefeitura estão apoiando. Mas, claro, o goveno sempre estranha que alguém invente de ser "intolerante" com sua incompetência, descaso e difamação. Para piorar, os jornais publicam uma coisa dessas e nem esboçam um mínimo interesse no assunto. A ZH, por exemplo, nem matéria reproduzindo o discurso da prefeitura se deu o trabalho de fazer, que falar de aproveitar essa bola picando para uma notícia bombástica sobre o que a Prefeitura permite que aconteça levando a situação até uma greve indefinida.
As ameaças de retaliação aos grevistas se espalham em todas as secretarias, o que não deixa de me lembrar a matéria da Veja última sobre o Palocci. Governa-se no Brasil como seres superiores comandando uma massa inútil. Mesmo quem faz o trabalho para o próprio Estado deve acatar desrespeito calado e comportado. Quem falou que o "Brasil, ame-o ou deixo-o" acabou? O que (quase) acabou foi a afronta a essa política.
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