Este post é um comentário a "Pagando Direito a um Professor".
Em primeiro lugar, eu não ia fazer deste comentário um post e, como achava minhas ideais um pouco longas para um comentário efetivo, ia tudo morrer no esquecimento. Mas a recente derrubada do helicóptero da polícia no Rio e um concurso que prestei hoje me fizeram mudar de ideia. O que não mudou foi minha consciência a respeito do amadorismo de minhas ideias econômicas e políticas, de modo que achei relevante comentar isso mesmo este sendo apenas um post de blog pessoal.
Bom, a questão central do post do Clark era opor, num exagero didático (pelo que entendo), duas posturas sobre educação: responsabilidade governamental ou área de iniciativa privada. Isso partindo do problema do salário dos professores, pois maiores salários implicam maior custo para quem os emprega, seja este o Estado (povo) ou os pais que pagam o dono do colégio (povo). Para não perder o fio parafraseando, cito o centro do problema: "para pagar mais aos professores, ou a gente paga mensalidades mais altas ou impostos maiores."
Quando comentei sobre não publicar um comentário a seu post, por achar que o problema era mais complicado, o Clark mesmo acrescentou que há ainda a opção clara de não aumentar impostos nem mensalidades, mas aplicar o dinheiro mais na educação ou no salário dos professores, tirando de outros lugares.
Pois é, essa era talvez a parte central do que eu queria comentar, só que eu acho que esse "tirando de outros lugares" dá pano demais pra manga.
Um dos primeiros problemas para mim é que nenhum governo poderia colocar essa questão como se fizesse algo para os professores. A educação serve ao Estado; tão claramente, aliás, que todo governo (como o do Lula, obviamente), quando resolve aplicar dinheiro na educação, seja de negros, índios, jovens, sem-teto, sem-terra ou povo em geral, todo governo reforça o discurso nacionalista na educação ao oferecê-la. Sei que não era o ponto de vista do post do Clark, mas acho importante indicar que governo algum favorece ou desfavorece os professores, como punição ou prêmio. Ele se desfavorece por meio dos professores, de forma tão direta quanto na área da saúde ou da segurança. É claro que isso só acontece porque os dirigentes de um governo não são um Estado, portanto foder com o Estado não é necessariamente foder consigo próprio. Já, já se está nas Bahamas, basta abandonar o mandato antes que a CPI termine.
Se o governo precisa de professores, ele precisa fornecer determinados meios para que esses professores façam o seu trabalho direito. Pagar mal, fazendo um professor sair por estresse, não dar a mínima para os 80 alunos desta escola porque não vai poder dar a mínima para os 80 da outra em que trabalha, ou simplesmente não garantir que ele não vá morrer no caminho da escola (ou lá dentro) é jogar dinheiro no lixo. Por um lado se gasta milhões com todos os inumeráveis professores do país e, por outro, esse dinheiro não dá em nada (grosseiramente falando). Porque semianalfabeto é um termo que faz tanto sentido quanto meiográvida.
Além disso, o professor precisa ser respeitado. E não há planeta capitalista em que uma profissão estressante e sem remuneração seja respeitada. Para piorar, a gente ainda tem a herança cristã do missionato. Pelo que penso, sofrer não é bonito, não é legal, e ninguém curte mesmo que ache que sim (ok, existem masoquistas, mas não me parece que estejam sendo empregados pelo Estado atualmente nem que sejam uma minoria incluída - que falha dos politicamente corretos...). Portanto, a "vocação de professor" é balela. Assim como o Clark disse - não indo nesse sentido, mas aproveito -, tem muita gente que aceita ganhar menos, do jeito que as coisas vão, e... vira professor. Sendo que essa profissão está entre as inumeráveis que apenas raramente geram alguma mobilidade social. Pode existir uma forma pela qual um metalúrgico deu um jeito de perder os dedos, mas ganhar anéis. Só que isso é exceção.
E, fosse só para ascensão social (se desse), fosse para ganhar uns pila enquanto outro emprego melhor não aparece, ambas as opções consideram a profissão de professor como um meio, o que é uma receita para a desconsideração por aluno, conteúdo e didática. A profissão de professor só funciona, como qualquer outra, quando a prática dela, propriamente a sala de aula, é vista como um fim em si, no sentido estrito de que dar aula não é o mesmo que um degrau na carreira, como promover cabeleireiros nas ruas do centro, é ensinar. E ou o professor ensina algo que preste, ou ensina que ser professor é uma carreira que nenhum dos alunos deve seguir ou respeitar. E dessas opções, a meu ver, não se escapa em sala de aula.
Além disso, o pouco que sei de economia diz que o valor de troca de tudo (sendo seu valor de uso simbólico ou prático) vem do custo social do trabalho, quer dizer, de quanto esforço uma determinada sociedade reconhece na produção de seja lá o que for; no que, que eu saiba, até Adam Smith e Marx concordam. Não é equivalência essencial entre produtos, nem o valor de uso (necessidade), nem oferta e procura o que definem o preço de qualquer coisa. Ora, isso deixa os baixos salários dos professores numa situação cultural muito curiosa. E, mais, estabelece que eles poderiam ganhar mais, sem que o custo que isso pudesse dar a outras áreas fosse posta em questão, particularmente dessa forma paralisante com que geralmente tal questão é apresentada.
Tudo isso escrito aí em cima me leva a pensar que, se só é capaz de ensinar um professor que tenha respeito dos alunos e saúde mental e física, o salário bom, bem bom, é condição sine qua non da educação. O Estado paga BEM ou caga no próprio dinheiro, ou seja, como disse o Clark, no dinheiro do povo. Não bastasse isso, quem paga escola privada não deixa de pagar impostos. Esse sujeito considera-se obrigado a fornecer o papel com que o governo limpa a bunda e precisa se entender com a iniciativa privada.
E a iniciativa privada é aquela maravilha. Basicamente, ela tem a liberdade de fazer, sem ser questionada pelos pais, coisas que seriam consideradas anti-éticas se vindas do governo. Além disso, ela trata o professor e o aluno como mediadores entre o bolso do pai e o bolso do dono da escola ou faculdade (deixando o professor numa prisão que não pode provocar, em geral, a valorização do ensino em si). É claro que o Estado tem interesse na educação, mas não é nem de longe comparável à relação comercial da iniciativa privada, apesar de um resultado prático atual que os liga: nenhum aluno de escola particular precisa aprender, mais ou menos como nenhum de escola pública também, já que o primeiro só precisa continuar pagando, e o segundo só precisa contar na estatística dos presentes na chamada (para os números de campanha e, inúmeras vezes, como álibi em recente assassinato naquelas proximidades - existem escolas públicas que não passam por isso, mas não vamos fazer de conta que é caso raro).
Não bastasse tudo isso, o atual estado da educação gera um ensino terceirizado entre todas as instâncias oficiais. Cursinhos, especializações, cursos profissionalizantes e quaisquer outros complementos que se queira enumerar são o principal resultado desse quadro. Para contar na hora das eleições, vai-se à escola. Para se aprender a ler e calcular, vai-se ao EJA. O Vestibular é alimentado pelos cursinhos; cursos ensinam o que a formação superior não fornece. Aprende-se a dar aula na prática e numa troca típica de tradição oral, não nas licenciaturas, que servem para imprimir o certificado que o Estado exige. A educação efetiva se dá basicamente fora da carreira obrigatória de um aluno. E tudo isso é, numa maioria esmagadora, indústria de educação privada. Portanto aproveitar os impostos investidos em educação praticamente não isenta ninguém de pagar ainda uma vez mais pela própria formação.
De qualquer forma, a iniciativa privada jamais poderia fornecer escolaridade nem à metade da população brasileira já que, como bem se sabe, muito menos da metade de nós pode gastar dinheiro com isso. Não porque ache necessário ou não. Mesmo que a pessoa se baseie numa tradição familiar antiga e esqueça a realidade de escolas e professores que vê na frente, ela simplesmente não tem dinheiro suficiente para sobreviver decentemente. A opção de que o governo abaixe os impostos para fomentar a iniciativa privada e arque com os que realmente não podem pagar por ela não me parece viável, porque essa gente ainda seria numerosa demais, no caso do Brasil. Do meu ponto de vista, os impostos podem ser abaixados ou não (claro que prefiro que o sejam), e o Estado ainda precisaria lidar com a solução de redistribuir seus gastos.
Essa redistribuição não é problema só do governo, com certeza. Uma universidade privada faliu recentemente em Porto Alegre porque gastou a mensalidade dos alunos tanto em exageros, como um laptop para cada aluno, quanto com custos excessivos fora de sua instituição de ensino (já que era um desses conglomerados, que atualmente tanto se insiste em produzir, e que desconsiderou que, de todos os serviços por eles desenvolvidos, o que injetava grana para valer era a faculdade). Mas, como disse, com apoio privado ou não, o vamovê é com o governo. E pode-se globalizar ou falar de fim de fronteiras o quanto se quiser. Na hora de pagar a conta, existe nação: quem paga é o Estado.
Para mim, então, não fica a questão de decidir se o governo deveria pagar bem professores ou incentivar o ensino privado. Seja qual for sua relação com o liberalismo, o Estado PRECISA pagar bem para quem trabalha com a educação de sua população. Mas a solução "redistribuir os gastos" não pode deixar de lado que aplicar impostos não é matemática pura. Aumentar o custo de importação é fomentar a produção e o comércio internos, mas não gastar em segurança é impedir que as lojas se estabeleçam, de modo que ninguém vai querer investir aqui, seja autóctone ou estrangeiro. Ou seja, especialmente quando falamos de mínimo, gastar em segurança é fomentar a economia. Assim como os gastos em educação reduzem o custo da saúde pública. Portanto não gastar na educação por causa da saúde é pôr dinheiro fora - não, obviamente, que uma sociedade educada prescinda de gastos na saúde, por favor! Gastar 1% a menos ali para aplicar aqui não é melhorar isto em 1% piorando aquilo. Nem sempre. E é isso que uma boa administração política deve ser capaz de fazer. Não é ignorar que o povo tem um dinheiro limitado para lhe fornecer pelos impostos, mas é lidar com o dinheiro que tem e tirar suco de pedra. O que não é nada impossível, trilhões de políticos ao longo de toda a história fizeram exatamente isso, até mesmo no Brasil.
Mas a redistribuição, é claro, evoca outro drama, o de que o Brasil só pode ter dinheiro. A única explicação para o Brasil é que ele tenha dinheiro. Não me parece que diga novidade nem que faça demagogia ou esquerdismo barato ao dizer (aludindo apenas a notícias recentes) que nossa capital é movida a conchavo, nepotismo, criação arbitrária de cargos, advogados de porta de cadeia (digo, de ministério), prostituição de luxo, paraísos fiscais e salários astronômicos. Literalmente astronômicos. Não me surpreenderia se o salário deles se comprovasse suficiente para se construir estações na lua. O problema complementar é que toda grande capital é um pouco isso também, mesmo que em escala bem menor. Se se juntar o dinheiro que passa das ONGs para a Europa em comércios que ignoram a alfândega (e portanto os impostos), o jogo, o lucro do tráfico que não fica trancado nas favelas, a lavagem de dinheiro e as inumeráveis obras a serem completadas no dia da aterrissagem da Jerusalém Celeste, eu simplesmente não consigo ouvir do governo que não há dinheiro para isso ou para aquilo.
E, sabem de uma coisa, volta e meia há dinheiro! De vez em quando o governo lança algo que custa horrores e que, por melhor que seja, levanta o problema: de onde veio tanta grana? Desculpem-me os entusiastas, mas as Olimpíadas são um caso destes para mim. É um investimento, vai trazer vantagens e melhorias (dizem) para o Brasil, ok, mas não deixa de ser como dar o Nobel para o Obama: um gasto financeiro e simbólico em nome de uma promessa de que, agora, tudo vai ser diferente. Desta vez os EUA não vão ser como sempre foram, assim como o Brasil vai receber um lucro desgraçado e passar, de repente, a gastar com o povo. É óbvio que parte da grana vem de forma mais direta, por exemplo no comércio. Mas isso já tem um efeito bem mais fraco se esse dinheiro for gasto em impostos mal empregados e arrecadado conforme o mesmo sistema em que estamos organizados (não estou aludindo a uma revolução para solucionar o mundo). O resultado dessas Olimpíadas tem pelo menos grandes chances de ter o efeito bem brasileiro de apenas aumentar o abismo entre classes monetárias (ou como quiserem chamar a diferença entre mim e o Collor). E se o Rio vai ser seguro à bala e negociata com os traficantes ("só por uns dias, tá?"), como no caso do Pan, também não ajuda. Mas, mesmo com lucro e melhorias gerados, ficará a pergunta: de onde veio a grana? Por que veio para isso, e não para outras coisas?
Enfim, eu não acho que o Estado possa não pagar os professores bem e contar com a bondade empresarial (por mais fomentada que ela seja por impostos ou o que for) e acredito que, em todos os pontos que indiquei acima, tem muito espaço de manobra para se ser de direita ou de esquerda mesmo se sendo, nos dois casos, a favor do governo pagar decentemente quem lhe presta um dos principais serviços para que tente ficar em pé. A única forma por que a dicotomia "impostos altos x mensalidades altas" definiria esquerda ou direita, para mim, seria a opinião extrema de uma ditadura comunista (fantasiada de igualdade, claro) ou uma confiança extrema no terceiro setor. Acreditar numa comunidade perfeita totalmente arcada pelo Estado é, a meu ver, ignorar o papel da inércia na cultura (talvez adicionando problemas com a figura paterna), e acreditar plenamente na livre-iniciativa em funções essenciais ao Estado é fechar os olhos à natureza humana justamente quando ela se vê livre dos processos de fiscalização de que o terceiro setor independe (sob um governo fraco).
Viu, Clark, não cabia num comentário. E cansei.
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