Um sujeito do meu lado, no ônibus, resmungou como se estivesse dizendo algo para mim. A ignorada básica funcionou com eficiência. Em seguida ele resmungou de novo. Por um movimento coincidente e inoportuno de cabeça, cheguei a ver ele virando o rosto para mim e tivemos contato visual. A terceira resmungada ia ser mais complicada de ignorar porque agora o volume necessariamente ia aumentar. Dito e feito, bem como a possibilidade de papo me pareceu mais inofensiva nesse momento. Estávamos chegando na última curva antes da avenida onde eu logo desceria do ônibus. Havia uma espécie de mensagem clara, mas em suspenso, em toda a postura, a voz e as palavras mal-pronunciadas dele. A mensagem prevista merecia ser escutada.
Movi a cabeça minimamente e ele aproveitou a deixa para falar como se estivéssemos em diálogo desde a primeira resmungada. O cara estava sendo transferido. Tinha de fazer as malas e ir para São Paulo na semana seguinte. Era a terceira vez em seis anos que era transferido. Aparentemente não por incompetência, porque, disse ele, ia ganhar bem mais no que estavam chamando ele para fazer. Comentou mais alguns planos frustrados por essas viagens constantes. O papo não teria sido tão desagradável se ele não estivesse com um ar de cansaço contagioso e não fedesse como se tivesse recém saído de um jogo de futebol de pelo menos uma hora.
Por algum timing misterioso, logo que eu ia descer ele largou a frase fatídica, prevista no ar desolado do início: "Minha mulher vai me matar quando eu chegar em casa". É, era de imaginar na primeira resmungada. Mesmo assim, ele fez certo em segurar a frase até o clímax. Foi perfeito para resumir minha despedida com "Boa sorte lá", seja a casa, seja SP. Além disso, é o tipo de revelação em clímax que não perde a força com a previsibilidade. Algo que tem luz própria como clássica autocomiseração a que homens mais cedo ou mais tarde sempre retornam.
Um comentário:
nessa onda de gripe suína, eu diria que correste um risco TERRÍVEL.
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