Afirma-se no Correio de segunda-feira: "Um sargento da BM, mesmo usando colete à prova de bala, foi atingido por arma de fogo..." Pudera! Já inventaram colete que faz desviar de balas? Aquela manobra do Matrix não era tecnologia, rapaziada, é que o Neo era the One. E, não, "atingir" não é verbo que priorize ser humano, o que excluiria o colete da jogada e impediria a confusão. A menos que exista algum jargão de notícia policial, caso em que era bom a sessão vir com manual. Custava ter usado "ferido" ou alguma outra opção? Ou tinham imaginado um itálico no "atingido", o cara foi atingido mesmo, pra valer, atravessou o colete!
Mas não foi isso: o tiro não atravessou, simplesmente foi em cheio onde não havia proteção. Até aí, portanto, o fato de o policial estar de colete parece irrelevante. O que nos leva à outra ideia bizarra dessa notícia, o fim, onde só então se descobre por que diabos o colete é mencionado na primeira linha (gancho narrativo?): o presidente da Associação dos Servidores de Nível Médio da Brigada (nome que abreviei aqui, porque é gigante) disse que os coletes não têm proteção lateral (motivo por que o sargento foi ferido em duas costelas e no intestino pelo tiro - mas sobreviveu). O jornalista completa: "Segundo ele, essa é uma falha de fabricação, destacando a necessidade de se adotar outro tipo de colete". Peraí! Faltar lateral não é falha de fabricação. E, se fosse, não seria preciso adotar outro tipo, bastaria comprar as versões decentes. Pode "faltar pedaço" por projeto (conversíveis não têm teto) ou por falta de verba para reforma (a Letras não tem teto), mas uma produção inteira de coletes não ter a lateral por acidente só parece verossímil se for totalmente made in China (porque pode se imaginar facilmente algo semi-made in China). Agora, pela paráfrase, ficou confuso quem se perdeu, se o presidente dos servidores brigadianos, se o jornalista. Façam suas apostas.
Falando sobre tudo de linguagem que chamar a minha atenção: placas, conversas, citações... Deem uma chance lendo aí embaixo e vão sacar o foco.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
O desserviço de uma manchete
Capa da Época, no cabeçalho: "40 anos do Jornal Nacional: Como é feito o noticiário mais influente e de maior audiência da TV brasileira".
Nóis tá mal, hein? Ninguém vai acreditar que um dia já se pediu diploma para o exercício do jornalismo neste país...
Nóis tá mal, hein? Ninguém vai acreditar que um dia já se pediu diploma para o exercício do jornalismo neste país...
domingo, 30 de agosto de 2009
Mambo Jambo
Um sujeito do meu lado, no ônibus, resmungou como se estivesse dizendo algo para mim. A ignorada básica funcionou com eficiência. Em seguida ele resmungou de novo. Por um movimento coincidente e inoportuno de cabeça, cheguei a ver ele virando o rosto para mim e tivemos contato visual. A terceira resmungada ia ser mais complicada de ignorar porque agora o volume necessariamente ia aumentar. Dito e feito, bem como a possibilidade de papo me pareceu mais inofensiva nesse momento. Estávamos chegando na última curva antes da avenida onde eu logo desceria do ônibus. Havia uma espécie de mensagem clara, mas em suspenso, em toda a postura, a voz e as palavras mal-pronunciadas dele. A mensagem prevista merecia ser escutada.
Movi a cabeça minimamente e ele aproveitou a deixa para falar como se estivéssemos em diálogo desde a primeira resmungada. O cara estava sendo transferido. Tinha de fazer as malas e ir para São Paulo na semana seguinte. Era a terceira vez em seis anos que era transferido. Aparentemente não por incompetência, porque, disse ele, ia ganhar bem mais no que estavam chamando ele para fazer. Comentou mais alguns planos frustrados por essas viagens constantes. O papo não teria sido tão desagradável se ele não estivesse com um ar de cansaço contagioso e não fedesse como se tivesse recém saído de um jogo de futebol de pelo menos uma hora.
Por algum timing misterioso, logo que eu ia descer ele largou a frase fatídica, prevista no ar desolado do início: "Minha mulher vai me matar quando eu chegar em casa". É, era de imaginar na primeira resmungada. Mesmo assim, ele fez certo em segurar a frase até o clímax. Foi perfeito para resumir minha despedida com "Boa sorte lá", seja a casa, seja SP. Além disso, é o tipo de revelação em clímax que não perde a força com a previsibilidade. Algo que tem luz própria como clássica autocomiseração a que homens mais cedo ou mais tarde sempre retornam.
Movi a cabeça minimamente e ele aproveitou a deixa para falar como se estivéssemos em diálogo desde a primeira resmungada. O cara estava sendo transferido. Tinha de fazer as malas e ir para São Paulo na semana seguinte. Era a terceira vez em seis anos que era transferido. Aparentemente não por incompetência, porque, disse ele, ia ganhar bem mais no que estavam chamando ele para fazer. Comentou mais alguns planos frustrados por essas viagens constantes. O papo não teria sido tão desagradável se ele não estivesse com um ar de cansaço contagioso e não fedesse como se tivesse recém saído de um jogo de futebol de pelo menos uma hora.
Por algum timing misterioso, logo que eu ia descer ele largou a frase fatídica, prevista no ar desolado do início: "Minha mulher vai me matar quando eu chegar em casa". É, era de imaginar na primeira resmungada. Mesmo assim, ele fez certo em segurar a frase até o clímax. Foi perfeito para resumir minha despedida com "Boa sorte lá", seja a casa, seja SP. Além disso, é o tipo de revelação em clímax que não perde a força com a previsibilidade. Algo que tem luz própria como clássica autocomiseração a que homens mais cedo ou mais tarde sempre retornam.
Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante
Quandos os geeks apenas se organizavam numa classe ainda sem sindicato, não tínhamos direito a seriados como The Big Bang Theory, tendo de aceitar nossa representação cultural apenas em filmes da estética que sobreviveu, por exemplo, em American Pie (sem as atenuações modernas, os anos 1980 eram mais rootz). O grande sucesso desses retratos culturais de nossa categoria era então a trilogia Porky's. Nesse marco da história do cinema havia um personagem que tinha quebrado o braço jogando xadrez. Pois bem, venho apenas reclamar a verossimilhança da situação, com mais de 20 anos de atraso. Já machuquei tantas vezes meu joelho simplesmente parado na frente do computador que sinto quase culpa de ter rido daquela piada. Agora sei como ele sofreu... :(
Atenuação ad nauseam
O MST deve ser o grupo mais controverso de toda a nossa história. Mesmo assim, na briga extrema de opiniões que ele provoca, ainda me parece que o melhor é o pessoal tentar ser minimamente sensato. Forçando a insensatez pela vertente anti-MST, o Percival Puggina escreveu uns eufemismos (umas tentativas de) muito tristes, que ficaram ridiculamente engraçados por estarem um abaixo do outro no jornal, devido à diagramação do texto.
Primeiro, falando da morte do Elton Brum, diz que "um sem-terra acabou ferido mortalmente". O "acabou" desresponsabiliza, o "ferido" tenta freiar a vinda inevitável do "mortalmente". É, não deu, o cara morreu, ferimentos de espingarda no tronco são assim mesmo, Perci...
Logo abaixo está a bela frase "Tudo indica que a arma do crime estava em mãos de um policial militar". Põe tudo nisso, né? Os sem-terras, os policiais, os cavalos, a grama, até a Yeda deve ter certeza disso. Às vezes seguir à risca a etiqueta legalista de falar em hipóteses e eufemismos antes do julgamento é só pagar mico.
O texto todo é bem idiota, na verdade. É engraçado quando alguém não consegue argumentar nem contra o MST, que dá de bandeja tantos argumentos bons para qualquer um que esteja afim de xingá-lo. Enfim, péssima retórica não escolhe partido.
Primeiro, falando da morte do Elton Brum, diz que "um sem-terra acabou ferido mortalmente". O "acabou" desresponsabiliza, o "ferido" tenta freiar a vinda inevitável do "mortalmente". É, não deu, o cara morreu, ferimentos de espingarda no tronco são assim mesmo, Perci...
Logo abaixo está a bela frase "Tudo indica que a arma do crime estava em mãos de um policial militar". Põe tudo nisso, né? Os sem-terras, os policiais, os cavalos, a grama, até a Yeda deve ter certeza disso. Às vezes seguir à risca a etiqueta legalista de falar em hipóteses e eufemismos antes do julgamento é só pagar mico.
O texto todo é bem idiota, na verdade. É engraçado quando alguém não consegue argumentar nem contra o MST, que dá de bandeja tantos argumentos bons para qualquer um que esteja afim de xingá-lo. Enfim, péssima retórica não escolhe partido.
sábado, 29 de agosto de 2009
Por que eu digo que estudar literatura é simples (e divertido!!!)
"A leitura, de fato, parece ser a síntese da percepção e da criação; ela coloca ao mesmo tempo a essencialidade do sujeito e a do objeto. O objeto é essencial porque é rigorosamente transcendente, porque impõe as suas estruturas próprias e porque se deve esperá-lo e observá-lo; mas o sujeito também é essencial porque é necessário, não só para desvendar o objeto (isto é, para fazer com que haja um objeto), mas também para que esse objeto seja em termos absolutos (isto é, para produzi-lo)." - Sartre, 1947.
Boa manchete, péssima notícia (ou: comprovando a diferença entre forma e conteúdo)
Lembrei de uma coisa que ia postar na quinta:
Gostei de uma manchete do Correio do Povo que, aliás, segue a filosofia semijocosa do jornalismo porto-alegrense atual: "Papagaio vai para o semiaberto".
Usar o apelido de criminosos nas manchetes é clichê, eu sei, mas quero crer que o jornalista realmente quis enfatizar a ideia de que esse aí logo logo está perdido. Afinal, existem dois tipos de pássaros: os presos e os "nunca mais vi o fulano, sabe..."
Por sinal, recentemente houve uma onda de crimes de pessoas que estavam perdidas no semiaberto, gente de quem, obviamente, o pessoal da polícia pouco ouvia falar desde que a "Justiça" aceitara a semiliberdade (desculpem, o "regime semiaberto", tá...). O simpatia aí é um assaltante de carros fortes e bancos que foi penalizado com 36 anos e 11 meses. Está saindo agora após 11 anos de pena, por boa conduta. Falando nela, ao longo desses 11 anos ele fugiu quatro vezes, sempre de instituições diferentes, sendo que a última fuga foi no final do ano passado! E olha que era regime fechado, hein? Ô sujeito que se comporta bem!
Gostei de uma manchete do Correio do Povo que, aliás, segue a filosofia semijocosa do jornalismo porto-alegrense atual: "Papagaio vai para o semiaberto".
Usar o apelido de criminosos nas manchetes é clichê, eu sei, mas quero crer que o jornalista realmente quis enfatizar a ideia de que esse aí logo logo está perdido. Afinal, existem dois tipos de pássaros: os presos e os "nunca mais vi o fulano, sabe..."
Por sinal, recentemente houve uma onda de crimes de pessoas que estavam perdidas no semiaberto, gente de quem, obviamente, o pessoal da polícia pouco ouvia falar desde que a "Justiça" aceitara a semiliberdade (desculpem, o "regime semiaberto", tá...). O simpatia aí é um assaltante de carros fortes e bancos que foi penalizado com 36 anos e 11 meses. Está saindo agora após 11 anos de pena, por boa conduta. Falando nela, ao longo desses 11 anos ele fugiu quatro vezes, sempre de instituições diferentes, sendo que a última fuga foi no final do ano passado! E olha que era regime fechado, hein? Ô sujeito que se comporta bem!
Pitada de Porto Alegre
- Fui numa dermato. Ela disse que sabia que eu não usava protetor quase nunca porque sou morena, mas que minha pele é loira! Mais: perguntou se eu usava óculos de sombra. Eu disse que não, mas que só usava se fosse para proteger os olhos. Ela me olhou com uma cara de superioridade e de que eu devesse saber que não: óculos são para proteger os olhos e a região na volta! Ela "podia dizer que eu não usava óculos" porque eu tenho "sardas nas pálpebras"...
- Mas era no Moinhos esse consultório!
- Que dúvida!
- Mas era no Moinhos esse consultório!
- Que dúvida!
Chafurdando no subjetivismo de ter um blog.
(Post de quarta-feira, impedido por burrice e incompetência alheia, chega esquartejado na internet)
Três formas de se referir a um fenômeno.
Primeira: Todo problema sério é um problema estrutural - sim, quero dizer necessariamente cada uma dessas palavras; essa frase não tem paráfrase possível. Imagine-se que é um verso de um poema. Estou realmente falando que, se teu problema não é estrutural, alegra-te, não é grave.
Segunda: Amadoramente as pessoas pensam em anular a linguagem simplesmente pelo silêncio. Não falar não diria nada. Mas, logo, na ânsia de fazer sentido em tudo, logo imaginam um contexto de conversa e pensam em todas as formas por que "dizemos coisas" com olhares, corpo, ou com a mera manutenção de um silêncio apático. Para não significar, então, só não havendo contexto, ou seja, a ausência completa (sim, duas pessoas distantes no universo que se comunicam pela internet, se não usarem a Oi, já estão criando contextos). No entanto, escapar plenamente do código, da linguagem supostamente compartilhada, sem nem mesmo parecer que se está falando outra coisa (porque não se cai numa língua diferente), produz uma suspensão de sentido sui generis. Daí, proponho o "pés pelas mãos" como o 0 Kelvin da linguagem. Ou, como Chandler tão lúcida e didaticamente disse:
Terceira: "I believe my exact words were fla-faa-anen."
Três formas de se referir a um fenômeno.
Primeira: Todo problema sério é um problema estrutural - sim, quero dizer necessariamente cada uma dessas palavras; essa frase não tem paráfrase possível. Imagine-se que é um verso de um poema. Estou realmente falando que, se teu problema não é estrutural, alegra-te, não é grave.
Segunda: Amadoramente as pessoas pensam em anular a linguagem simplesmente pelo silêncio. Não falar não diria nada. Mas, logo, na ânsia de fazer sentido em tudo, logo imaginam um contexto de conversa e pensam em todas as formas por que "dizemos coisas" com olhares, corpo, ou com a mera manutenção de um silêncio apático. Para não significar, então, só não havendo contexto, ou seja, a ausência completa (sim, duas pessoas distantes no universo que se comunicam pela internet, se não usarem a Oi, já estão criando contextos). No entanto, escapar plenamente do código, da linguagem supostamente compartilhada, sem nem mesmo parecer que se está falando outra coisa (porque não se cai numa língua diferente), produz uma suspensão de sentido sui generis. Daí, proponho o "pés pelas mãos" como o 0 Kelvin da linguagem. Ou, como Chandler tão lúcida e didaticamente disse:
Terceira: "I believe my exact words were fla-faa-anen."
Brasil Telecom em Pasárgada
Desculpe, mas não podemos oferecer um serviço de qualidade. Sim, a culpa é toda nossa, mas quem se fode é o sr.
PS: porque eu posso imaginar um mundo mágico em que fossem sinceros, não um em que fossem responsáveis (a menos que o reclamante seja amigo do rei - bom, que nem no Brasil, aí...)
PS: porque eu posso imaginar um mundo mágico em que fossem sinceros, não um em que fossem responsáveis (a menos que o reclamante seja amigo do rei - bom, que nem no Brasil, aí...)
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Entrando na livraria errada
- Onde vocês têm livros de psicologia?
- Nós temos uma sessão de autoajuda...
- Nós temos uma sessão de autoajuda...
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
O preço do conhecimento
Chave de leitura: tenho asma.
Os ônibus de Porto Alegre estão religiosamente com as janelas abertas, garantindo que peguemos tudo que vier pela frente, menos gripe suína. As escolas municipais acabam de fechar mais uma vez porque simplesmente não tinham condições de cumprir exigências mínimas de prevenção. O frio segue firme, mesmo que possa haver momentos de verão no meio do dia.
Tudo contextualizado, posso mencionar que encontrei hoje uma antiquíssima amiga no ônibus. Ela me explicou que asmáticos quase não têm chances de sobrevivência se pegam a tal gripe. Disse isso bem perto do meu rosto e logo após explicar que três alunos dela tinham sido infectados recentemente.
Nice.
Os ônibus de Porto Alegre estão religiosamente com as janelas abertas, garantindo que peguemos tudo que vier pela frente, menos gripe suína. As escolas municipais acabam de fechar mais uma vez porque simplesmente não tinham condições de cumprir exigências mínimas de prevenção. O frio segue firme, mesmo que possa haver momentos de verão no meio do dia.
Tudo contextualizado, posso mencionar que encontrei hoje uma antiquíssima amiga no ônibus. Ela me explicou que asmáticos quase não têm chances de sobrevivência se pegam a tal gripe. Disse isso bem perto do meu rosto e logo após explicar que três alunos dela tinham sido infectados recentemente.
Nice.
Vai pro Lattes
Na Zero de domingo (em termos de blog meu domingo não acaba fácil - muito material!), uma das matérias de capa, bem destacada inclusive entre estas, era "Taís vai marcar a história da TV na próxima novela". A Taís aparece embaixo numa foto de desfile. Pouquíssima roupa e naquele momento mágico do passo em que o pé que vai à frente já toca o chão, ressaltando o quadril como a torcida gosta. Frase e foto são para dizer simplesmente que a Taís Araújo é a próxima Helena daquele cara que cansou de inventar nome de personagem, resolvendo o problema pela transformação do nome Helena numa marca-registrada. Quem vai pegar a Helena, é claro, é o José Mayer (a Mel Lisboa já não foi pedofilia que chegue?). Ou seja, nada de novo além da cor da pele da mulher.
Nesses casos, dizer uma frase metida a besta dessas, ainda mais na primeira página, não tá valendo como preconceito? Podem fazer propaganda da novela (afinal, ninguém da imprensa finge mais ser isento - donos de cada jornal são declarados por todos os lados), mas escrever que uma personagem-clichê ser negra 'marca a história', a essa altura do campeonato, quando Taís já foi a primeira heroína negra da Globo, Obama já é presidente e Michael Jackson já levou suas operações frustradas para a cova? O pessoal, não só do marketing, nunca se preocupa quando usa tons celebratórios ou elogiosos, sempre achando que estes são plenamente imunes a expressar preconceitos... Essa postura francamente me parece muito idiota, ainda que, no caso dessa manchete, o lado marketeiro fale tão alto que eu esteja nitidamente apenas a utilizando para trazer esse comentário à tona.
Enfim, como eu gosto da Taís, acho boa atriz, boa gente e boa, parece-me o caso de encontrar uma racionalização para pensar que ela tem razão em agarrar essa oportunidade dúbia. Então, cavo na minha experiência acadêmica esta desculpa: algumas bobagens a gente faz já que vão ficar bem no currículo...
Nesses casos, dizer uma frase metida a besta dessas, ainda mais na primeira página, não tá valendo como preconceito? Podem fazer propaganda da novela (afinal, ninguém da imprensa finge mais ser isento - donos de cada jornal são declarados por todos os lados), mas escrever que uma personagem-clichê ser negra 'marca a história', a essa altura do campeonato, quando Taís já foi a primeira heroína negra da Globo, Obama já é presidente e Michael Jackson já levou suas operações frustradas para a cova? O pessoal, não só do marketing, nunca se preocupa quando usa tons celebratórios ou elogiosos, sempre achando que estes são plenamente imunes a expressar preconceitos... Essa postura francamente me parece muito idiota, ainda que, no caso dessa manchete, o lado marketeiro fale tão alto que eu esteja nitidamente apenas a utilizando para trazer esse comentário à tona.
Enfim, como eu gosto da Taís, acho boa atriz, boa gente e boa, parece-me o caso de encontrar uma racionalização para pensar que ela tem razão em agarrar essa oportunidade dúbia. Então, cavo na minha experiência acadêmica esta desculpa: algumas bobagens a gente faz já que vão ficar bem no currículo...
Por cansaço
Às vezes, vendo letras que se combinaram em siglas e até ganharam as ruas, particularmente quando elas nitidamente indicam seu uso prepotente (que implica representar o povo), tão restrito e viciado, ocorre-me que essas letras estariam melhor engavetadas de novo num alfabeto por aí.
domingo, 23 de agosto de 2009
Égalité
Comecei este blog com duas seguidoras. Não é paranoia, mas parece que tem dois caras me seguindo agora também. Vamos procurar um lado positivo no aumento do público masculino e tentar ver a coisa toda como grande expressão da igualdade neste século XXI. Afinal nem devo dizer 4 "seguidores" (esse chauvinismo morfológico), mas sim duas seguidoras e dois seguidores. Bom, na verdade um Super-Homem, e uma prima, e uma linguista renomada, e um desconhecido muito bem-vindo.
Futebol eloquente [2]
Dr. Osmar de Oliveira: "Matar homem já não é bom, mas matar mulher é um crime!"
Referendando com os Illuminati
Porto Alegre pôde votar os famosos, "democráticos" e complexos sim ou não, neste domingo, para a pergunta:
Além da atividade comercial já autorizada pela Lei Complementar 470, de 02 de janeiro de 2002, devem também ser permitidas edificações destinadas à atividade residencial na área da Orla do Guaíba onde se localiza o Estaleiro Só?
A frase faz pensar, no mínimo, que a fizeram de tal tamanho nem que seja para afastar o pessoal com menor capacidade de concentração. Tipo o Lula, que lê um pouco e já dorme. Afinal, já tem tanto analfabeto que, mesmo querendo, não ia chegar perto da discussão... Bom, eu concordo que, se expressa, a resposta deveria ser "não", então deixem-me primeiro dizer simplesmente que Referendo BAD, Imobiliárias, BAD, Prefeitura BAAAAAD.
Cumprido esse pedágio com o discurso da dita esquerda radical, permitam-me parar um segundo para analisar uma das diversas formas mais específicas pela qual tal discurso se manifestou em Porto Alegre. Acusação: A pergunta é capciosa, feita de forma confusa para a população, demonstrando clara má-fé e atrapalhando o pensamento do eleitor. Por quê? Porque essa pergunta, se o ponto de interrogação é retirado, torna-se uma afirmação!
Quantas críticas dá pra fazer dessa crítica deles? Quantas críticas dá pra fazer dessa crítica deles! Tanta coisa errada nesse referendo (inclusive na frase, legalmente), e eles dizem isso! Tanta coisa errada nesse referendo (inclusive na frase, legalmente), e eles dizem isso? Acham mesmo que apelar para paranoias linguísticas é a melhor forma de convencer o povo? Acham mesmo que apelar para paranoias linguísticas é a melhor forma de convencer o povo! Porque, afinal, eles pensam que todo o mundo é burro, ignorante, inocente e que "neurolinguística" de Caras é TUDO! Por que, afinal, eles pensam que todo o mundo é burro, ignorante, inocente e que "neurolinguística" de Caras é TUDO?
Fim.?...!
Além da atividade comercial já autorizada pela Lei Complementar 470, de 02 de janeiro de 2002, devem também ser permitidas edificações destinadas à atividade residencial na área da Orla do Guaíba onde se localiza o Estaleiro Só?
A frase faz pensar, no mínimo, que a fizeram de tal tamanho nem que seja para afastar o pessoal com menor capacidade de concentração. Tipo o Lula, que lê um pouco e já dorme. Afinal, já tem tanto analfabeto que, mesmo querendo, não ia chegar perto da discussão... Bom, eu concordo que, se expressa, a resposta deveria ser "não", então deixem-me primeiro dizer simplesmente que Referendo BAD, Imobiliárias, BAD, Prefeitura BAAAAAD.
Cumprido esse pedágio com o discurso da dita esquerda radical, permitam-me parar um segundo para analisar uma das diversas formas mais específicas pela qual tal discurso se manifestou em Porto Alegre. Acusação: A pergunta é capciosa, feita de forma confusa para a população, demonstrando clara má-fé e atrapalhando o pensamento do eleitor. Por quê? Porque essa pergunta, se o ponto de interrogação é retirado, torna-se uma afirmação!
Quantas críticas dá pra fazer dessa crítica deles? Quantas críticas dá pra fazer dessa crítica deles! Tanta coisa errada nesse referendo (inclusive na frase, legalmente), e eles dizem isso! Tanta coisa errada nesse referendo (inclusive na frase, legalmente), e eles dizem isso? Acham mesmo que apelar para paranoias linguísticas é a melhor forma de convencer o povo? Acham mesmo que apelar para paranoias linguísticas é a melhor forma de convencer o povo! Porque, afinal, eles pensam que todo o mundo é burro, ignorante, inocente e que "neurolinguística" de Caras é TUDO! Por que, afinal, eles pensam que todo o mundo é burro, ignorante, inocente e que "neurolinguística" de Caras é TUDO?
Fim.?...!
Sartre
"Valéry é um intelectual pequeno-burguês (...) Mas nem todo intelectual pequeno-burguês é um Valéry"
(Tradução e adaptação feitas em casa)
(Tradução e adaptação feitas em casa)
Leiturismo e presidência
E, surpresa, nosso presidente é um exemplo da higiêne antileiturista:
"Não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. E vejo televisão. Quanto mais bobagem, melhor pra mim".
Mas essa afirmação é perfeita demais para não parecer sofrer muito tendo sido tirada de contexto, né? Ainda que ela confirme tanto a imagem que o Lula constrói entre intelectuais, à revelia dele, claro, gostaria de saber de onde saiu (já a li totalmente descontextualizada).
"Não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. E vejo televisão. Quanto mais bobagem, melhor pra mim".
Mas essa afirmação é perfeita demais para não parecer sofrer muito tendo sido tirada de contexto, né? Ainda que ela confirme tanto a imagem que o Lula constrói entre intelectuais, à revelia dele, claro, gostaria de saber de onde saiu (já a li totalmente descontextualizada).
Ismos
Dizem muito que importamos lixo dos EUA, mas às vezes devemos comemorar simplesmente que não importamos TODO o lixo deles (de vez em quando a gente importa é tonéis de lixo literal da Inglaterra, mas isso é outra história).
Sempre preocupados em descartar qualquer comportamento que desrespeite o Outro, como sexismo, elitismo, racismo, idadismo (traduzamos literalmente), e prontos para levar toda posição politicamente correta ao extremo infantilista, eis que rola por faculdades norte-americanas, até entre alguns professores de literatura (trust me), o cuidado com o leiturismo!
O leiturista é alguém que lê com demasiada atenção, que se preocupa demais com a linguagem. Essa vítima da sociedade que introjetou tal comportamento nefasto perpetua a prática de ler de forma extremamente detida! A consequência é que ele é guiado pelas estruturas de poder e autoridade que estão em jogo na própria linguagem e que, obviamente, reforçam sua preocupação com o texto. Como se libertar desse mal? Ler menos, obviamente. Gritemos "Menos atenção!"
Finalmente o que era considerado vício de comportamento de interneteiros virou qualidade! Mais: aquela matada generalizante, aquele apelo ao resumo ou a ideias alheias, no fundo mantêm a saúde, não? Que seria de nós sem o vigilante moralismo?
Não se assustem se mudar o nome de meu blog. Logo podem encontrar aqui o "Leiturista, porém limpinho".
Sempre preocupados em descartar qualquer comportamento que desrespeite o Outro, como sexismo, elitismo, racismo, idadismo (traduzamos literalmente), e prontos para levar toda posição politicamente correta ao extremo infantilista, eis que rola por faculdades norte-americanas, até entre alguns professores de literatura (trust me), o cuidado com o leiturismo!
O leiturista é alguém que lê com demasiada atenção, que se preocupa demais com a linguagem. Essa vítima da sociedade que introjetou tal comportamento nefasto perpetua a prática de ler de forma extremamente detida! A consequência é que ele é guiado pelas estruturas de poder e autoridade que estão em jogo na própria linguagem e que, obviamente, reforçam sua preocupação com o texto. Como se libertar desse mal? Ler menos, obviamente. Gritemos "Menos atenção!"
Finalmente o que era considerado vício de comportamento de interneteiros virou qualidade! Mais: aquela matada generalizante, aquele apelo ao resumo ou a ideias alheias, no fundo mantêm a saúde, não? Que seria de nós sem o vigilante moralismo?
Não se assustem se mudar o nome de meu blog. Logo podem encontrar aqui o "Leiturista, porém limpinho".
sábado, 22 de agosto de 2009
O quanto eles pisaram na bola?!
Primeiro, uma notícia que não traria nada de novo: um confronto entre o MST e a polícia na fazenda Southall, no RS, deixou um morto, do MST, e 13 feridos: 4 policiais e 9 MSTais - nenhum apoio a mortes; apenas que essa situação não muda há tempos, não muda.
O bizarro é que a notícia foi dada de forma extremamente similar tanto por revoltados quanto pela imprensa "profissional". A única diferença marcante é que os jornais disseram que o "colono" foi "morto por um policial" (provável bode expiatório em futuro próximo, acrescento) e os revoltados disseram que "um trabalhador" foi "assassinado pelo governo Yeda Crusius".
Além disso os pró-MST afirmam que ele foi morto pelas costas, o que nas circunstâncias perderia a significação, pois quase ninguém mencionou que o tiro teria sido dado quando a situação estava controlada (essa vai ser difícil comprovar). Na realidade, a busca desesperada de causar impacto pela menção do tiro ter entrado pelas costas do sujeito chega até a diminuir o efeito da morte em si nos textos que "criticam" a ação da polícia. É quase de se pensar que considerariam a morte muito melhor se o policial tivesse atirado pela frente, "feito homem!" O "pelas costas" ganha tanta importância que nem mencionaram os feridos (nem do MST), por sua vez listados pelos jornalistas, naquele cumprimeno protocolar de notícias informativas (fulano estava lá, ciclana fez assim, a governadora falou blá blá blá...). Tá certo, os jornais mencionam o total de feridos e citam os policiais. O número de MSTais machucados fica pela matemática do leitor.
Enfim, é estranho o fato ser mencionado com bastante destaque na imprensa oficial, com tanta proximidade com os textos revoltados. Mais ainda, há até indicações sutis de crítica, como o eufemismo pouco discreto do Correio ao dizer que a Brigada Militar entrou na fazenda "decidida a cumprir a reintegração de posse". Agora, até a Zero Hora (!), que não deixou de xingar os atos de ocupação de ilegais, falou mal da ação da polícia!
Sério, atirar no colono (Elton Brum) deve ter envolvido alguma ação MUITO equivocada. Sim! Trata-se na verdade do descumprimento de uma medida presente no Manual de Diretrizes Acionais para Execução de Mandato Judicial de Reintegração e Manutenção de Posse, resumidamente o MDAEMJRMP, sacam? Ele prevê que não se use armas de fogo nesse tipo de ação (reintegração). O documento não tem valor de lei, e a BM do RS (não o policial, a Brigada!) foi a única do país a não aderir às normas estabelecidas pela Ouvidoria Agrária Nacional. Repito: Brigada fora, documento sem validade de lei. Mas o ouvidor já disse "Vamos solicitar às autoridades que façam a apuração com maior empenho possível para responsabilizar o autor do homicídio". Hm... Eu falei em bode expiatório, né?
PS: Nenhum teórico da conspiração falou que talvez a Yeda só estivesse precisando que as manchetes mudassem. Estranho. A tentação é tão grande com ela não saindo das capas, sempre "agindo pelo Rio Grande", desde que a CPI do Detran começou.
O bizarro é que a notícia foi dada de forma extremamente similar tanto por revoltados quanto pela imprensa "profissional". A única diferença marcante é que os jornais disseram que o "colono" foi "morto por um policial" (provável bode expiatório em futuro próximo, acrescento) e os revoltados disseram que "um trabalhador" foi "assassinado pelo governo Yeda Crusius".
Além disso os pró-MST afirmam que ele foi morto pelas costas, o que nas circunstâncias perderia a significação, pois quase ninguém mencionou que o tiro teria sido dado quando a situação estava controlada (essa vai ser difícil comprovar). Na realidade, a busca desesperada de causar impacto pela menção do tiro ter entrado pelas costas do sujeito chega até a diminuir o efeito da morte em si nos textos que "criticam" a ação da polícia. É quase de se pensar que considerariam a morte muito melhor se o policial tivesse atirado pela frente, "feito homem!" O "pelas costas" ganha tanta importância que nem mencionaram os feridos (nem do MST), por sua vez listados pelos jornalistas, naquele cumprimeno protocolar de notícias informativas (fulano estava lá, ciclana fez assim, a governadora falou blá blá blá...). Tá certo, os jornais mencionam o total de feridos e citam os policiais. O número de MSTais machucados fica pela matemática do leitor.
Enfim, é estranho o fato ser mencionado com bastante destaque na imprensa oficial, com tanta proximidade com os textos revoltados. Mais ainda, há até indicações sutis de crítica, como o eufemismo pouco discreto do Correio ao dizer que a Brigada Militar entrou na fazenda "decidida a cumprir a reintegração de posse". Agora, até a Zero Hora (!), que não deixou de xingar os atos de ocupação de ilegais, falou mal da ação da polícia!
Sério, atirar no colono (Elton Brum) deve ter envolvido alguma ação MUITO equivocada. Sim! Trata-se na verdade do descumprimento de uma medida presente no Manual de Diretrizes Acionais para Execução de Mandato Judicial de Reintegração e Manutenção de Posse, resumidamente o MDAEMJRMP, sacam? Ele prevê que não se use armas de fogo nesse tipo de ação (reintegração). O documento não tem valor de lei, e a BM do RS (não o policial, a Brigada!) foi a única do país a não aderir às normas estabelecidas pela Ouvidoria Agrária Nacional. Repito: Brigada fora, documento sem validade de lei. Mas o ouvidor já disse "Vamos solicitar às autoridades que façam a apuração com maior empenho possível para responsabilizar o autor do homicídio". Hm... Eu falei em bode expiatório, né?
PS: Nenhum teórico da conspiração falou que talvez a Yeda só estivesse precisando que as manchetes mudassem. Estranho. A tentação é tão grande com ela não saindo das capas, sempre "agindo pelo Rio Grande", desde que a CPI do Detran começou.
Lúgubre manhã de sábado
O melhor de dialogar com livros é que eles não se magoam quando discordamos. Pacientemente repetem quantas vezes forem questionados, produzindo uma conversa muitas vezes mais produtiva que argumentações maleáveis ao momento, prontas a defender obstinadamente um ponto de vista sem nem o reconhecer mais, sob tanta retórica tristemente superficial. Livros estão inteiros na discussão e assumem ser malcompreendidos; poucos debatedores convidam mais de si que o orgulho e estão dispostos a lidar com o fato de que linguagem não é expressão idêntica e cristalina de nossas crenças, nem estas são exatamente o que nos conta nossa autoimagem. Não ser compreendido é parte inevitável, às vezes produtiva, de qualquer conversa.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Do motivado ao arbitrário
Um sequestro começou na Vicente da Fontoura. O casal foi rendido e levado ao ap do cara, no Bela Vista. Lá, os sequestradores renderam ainda dois seguranças. Depois disso pegaram "objetos, armas e dinheiro" na casa do sequestrado. Tudo acabou numa barreira policial na ponte do Guaíba, quando iam em direção a Eldorado do Sul.
Isso tudo foi anunciado como o "aborto" de um "sequestro relâmpago". Ok, mas qual a velocidade de um relâmpago? Quando li na primeira página "Um 'relâmpago' nas pistas", entendi que o jamaicano Usain Bolt (raio, num sentido... ah! que jogo de linguagem dos espertos, hein?) tinha ido muito rápido. Mas quando li sobre o sequestro, comecei a suspeitar que os relâmpagos é que andam um tanto devagar hoje em dia. Mudanças climáticas? Talvez o jornal tenha finalmente adotado aquele princípio de reduzir o número de palavras por edição, para "simplificar a leitura". Espero que não me considerem público alvo...
Ou, opção que mais me atrai, terminologias criminal e literária têm muito em comum. Assim como o conto, "sequestro relâmpago" é tudo aquilo que o autor chama assim.
Isso tudo foi anunciado como o "aborto" de um "sequestro relâmpago". Ok, mas qual a velocidade de um relâmpago? Quando li na primeira página "Um 'relâmpago' nas pistas", entendi que o jamaicano Usain Bolt (raio, num sentido... ah! que jogo de linguagem dos espertos, hein?) tinha ido muito rápido. Mas quando li sobre o sequestro, comecei a suspeitar que os relâmpagos é que andam um tanto devagar hoje em dia. Mudanças climáticas? Talvez o jornal tenha finalmente adotado aquele princípio de reduzir o número de palavras por edição, para "simplificar a leitura". Espero que não me considerem público alvo...
Ou, opção que mais me atrai, terminologias criminal e literária têm muito em comum. Assim como o conto, "sequestro relâmpago" é tudo aquilo que o autor chama assim.
Reviravolta ingrata para o antropocentrismo
"...devido à natureza indefinida da mente humana, sempre que ela se perde na ignorância, o homem faz de si mesmo a medida de todas as coisas."
A Ciência Nova - Giambatista Vico, 1725
A Ciência Nova - Giambatista Vico, 1725
Correio do Povo é o melhor remédio
Manchete: "Pai do rock embala a capital gaúcha"
Deuses, quando rock embala, só pode ser a idade... Tá certo que o Chuck Berry tá com 82, mas não precisava pisar!
Deuses, quando rock embala, só pode ser a idade... Tá certo que o Chuck Berry tá com 82, mas não precisava pisar!
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
O sujeito é a fonte de todo sentido
Questionado hoje por um aluno estrangeiro sobre o motivo de o campus do Vale ser tão longe, enquanto o campus central é superperto da casa dele, contei a antiga lenda de como, nos tempos de ditadura, a UFRGS foi quebrada em, grosseiramente, 3 campi com a intenção de se impedir e/ou monitorar melhor o movimento estudantil e suas tentativas de reunião.
Interpretação do aluno:
- Quer dizer que por culpa da ditadura a Letras fica tão longe da minha casa?
É. Regimes ditatoriais do passado latinoamericano tratam estrangeiros muito mal...
Interpretação do aluno:
- Quer dizer que por culpa da ditadura a Letras fica tão longe da minha casa?
É. Regimes ditatoriais do passado latinoamericano tratam estrangeiros muito mal...
Para os fortes de coração
Porto Alegre preocupa-me... Permitam-me um momento tocante de sinceridade neste blog. Sim, estou preocupado por perceber hoje até que ponto chegou a miséria nestes pampas. Meu Deus, isso quer dizer que os políticos estavam errados! Oh! Mas eles juraram que a crise econômica não nos afetaria... Juraram. Estavam confiantes. E, depois, quando parecia inevitável, quando ela era já sensível, disseram que estávamos a salvo do pior. Que, como no caso da gripe suína, estavam fazendo tudo que precisavam fazer para que o Povo Brasileiro não sentisse a crise.
Mas, acuso, Porto Alegre sente a crise! Sente em suas pichações... Não há mais tinta para as mesmas reclamações de sempre. Não há mais spray para os bons e velhos xingamentos que enobrecem nossa cidade em paredes e viadutos! Na crise, o gaúcho, demonstrando que se identifica sim com os outros Estados, que é brasileiro!, o gaúcho rebola, inventa na dificuldade, sorri no momento adverso, e apela ao sincretismo! Está por todos os lados: "FORA YEDA E BANCO INTERNACIONAL". Parecem temas afins? Que tal "DERRUBEM AS GRADES E ABAIXO O MACHISMO"? É, a dificuldade é a mãe da invenção, mas não tardamos em dar valor a esse sincretismo, tornando-o a base de uma Nova Crítica, e já passou por mim sujeito andando veementemente para seu destino E cantarolando bem alto músicas contra nossa governadora.
Faz sentido. Faltando dinheiro, a pessoa caminha apressada para suas obrigatoriedades, mas não deixa de recitar a cantiga para fazer finalmente a Revolução pela Arte. "Banco Internacional" é tema de nossas pichações há séculos, e, como todo texto é um jogo de renovação e repetição, junta-se o político do momento à mesma reclamação de sempre. E num mundo em que não há detentos, jardins protegidos, canis, proteções de campo, há espaço para machismo? Claro que não!
Pois vejam, eis que a crise econômica, ao chegar na capital gaúcha, inspira a sensibilidade estética que une os problemas a fim de que não se deixe de pichar nem se mude de discurso. Conscientes, porto-alegrenses inclusive escolhem em massa o pretinho básico para escrever por sua cidade. Mais barato que as "cores", ao que parece, o preto tem ainda a vantagem de combinar com tudo: monumentos, viadutos, pedras nas vias, corredores de ônibus, casas alheias... E, uma vez desgastado, não se torna mais um texto que nos atiça a curiosidade, mas que não pode mais ser lido. Apenas parece mais uma mancha de poluição, o que nos reconforta na familiaridade.
Emotivo, compartilho aqui que as pichações da bela Porto Alegre estão sob rígido sincretismo de ideologias - não confundir com sincretismo ideológico. Não, não. Este exige trabalho cerebral, esforço dialético em que ideologia + anti-ideologia = vácuo de ideias, também conhecido como Missão Editorial no Jornal O Sul. Não, sras e srs, "sincretismo de ideologias" é o bonito e impressionante fenômeno que ocorre quando finalmente alguém conta para o pessoal que só sabe tirar palavras de ordem do bolso que existem dois destes em cada calça!
Mas, acuso, Porto Alegre sente a crise! Sente em suas pichações... Não há mais tinta para as mesmas reclamações de sempre. Não há mais spray para os bons e velhos xingamentos que enobrecem nossa cidade em paredes e viadutos! Na crise, o gaúcho, demonstrando que se identifica sim com os outros Estados, que é brasileiro!, o gaúcho rebola, inventa na dificuldade, sorri no momento adverso, e apela ao sincretismo! Está por todos os lados: "FORA YEDA E BANCO INTERNACIONAL". Parecem temas afins? Que tal "DERRUBEM AS GRADES E ABAIXO O MACHISMO"? É, a dificuldade é a mãe da invenção, mas não tardamos em dar valor a esse sincretismo, tornando-o a base de uma Nova Crítica, e já passou por mim sujeito andando veementemente para seu destino E cantarolando bem alto músicas contra nossa governadora.
Faz sentido. Faltando dinheiro, a pessoa caminha apressada para suas obrigatoriedades, mas não deixa de recitar a cantiga para fazer finalmente a Revolução pela Arte. "Banco Internacional" é tema de nossas pichações há séculos, e, como todo texto é um jogo de renovação e repetição, junta-se o político do momento à mesma reclamação de sempre. E num mundo em que não há detentos, jardins protegidos, canis, proteções de campo, há espaço para machismo? Claro que não!
Pois vejam, eis que a crise econômica, ao chegar na capital gaúcha, inspira a sensibilidade estética que une os problemas a fim de que não se deixe de pichar nem se mude de discurso. Conscientes, porto-alegrenses inclusive escolhem em massa o pretinho básico para escrever por sua cidade. Mais barato que as "cores", ao que parece, o preto tem ainda a vantagem de combinar com tudo: monumentos, viadutos, pedras nas vias, corredores de ônibus, casas alheias... E, uma vez desgastado, não se torna mais um texto que nos atiça a curiosidade, mas que não pode mais ser lido. Apenas parece mais uma mancha de poluição, o que nos reconforta na familiaridade.
Emotivo, compartilho aqui que as pichações da bela Porto Alegre estão sob rígido sincretismo de ideologias - não confundir com sincretismo ideológico. Não, não. Este exige trabalho cerebral, esforço dialético em que ideologia + anti-ideologia = vácuo de ideias, também conhecido como Missão Editorial no Jornal O Sul. Não, sras e srs, "sincretismo de ideologias" é o bonito e impressionante fenômeno que ocorre quando finalmente alguém conta para o pessoal que só sabe tirar palavras de ordem do bolso que existem dois destes em cada calça!
Confiabilidade
Lembram quando o Collor disse que ia caçar marajás?
Quando o FHC disse que não ia privatizar?
Quando o Lula disse que ia trazer justiça?
Quando o Sarney disse que não via motivo pra abandonar a presidência do Senado?
Olha QUEM sabe o que fala!
Quando o FHC disse que não ia privatizar?
Quando o Lula disse que ia trazer justiça?
Quando o Sarney disse que não via motivo pra abandonar a presidência do Senado?
Olha QUEM sabe o que fala!
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Os riscos da emoção
Irritado com a internet, resolvi testar minha conexão sem conter qualquer tipo de expressão de meus sentimentos. Sabem como é, pelo bem da teoria administrativa moderna, multitask!!! Buscando não ser uma pessoa fria, portanto, escrevi "bosta" no google. Surgiu direto, na primeira indicação, um vídeo do youtube: "Eraldo bebo bosta"! Estão vendo? Seguir os sentimentos sempre é arriscado...
Não, não assisti. O título é bastante claro, e eu estava irritado, mas ainda não autodestrutivo.
Não, não assisti. O título é bastante claro, e eu estava irritado, mas ainda não autodestrutivo.
Os Trabalhadores do Mar
"Ser desmascarado é uma derrota, mas desmascarar-se é uma vitória." V. Hugo.
Manchete Bombástica
A 1a página do CP traz "Atentado mata mais de 20", "Destruição e mortes" (chuvas no RS), "Casas alagadas" e cita Sarney com "Campanha é nazista". Preparem-se, é o Armagedon. Mas o grande sinal é mesmo a manchete maior:
"Temor marca volta às aulas"
Tremei! Fugi! As crianças estão usando álcool em gel e bebem água em copos descartáveis... SOCORRO!!!
"Temor marca volta às aulas"
Tremei! Fugi! As crianças estão usando álcool em gel e bebem água em copos descartáveis... SOCORRO!!!
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Onde o apreço pela presença de espírito?
"Falei para o ladrão que não tinha aquela quantia comigo (R$ 50), já que não tinha saído preparada para ser assaltada. Ele até chegou a me pedir desculpas, enquanto guardava a faca na jaqueta" Soninha.
Mas ele levou os R$ 35 que ela tinha! Sacanagem...
Mas ele levou os R$ 35 que ela tinha! Sacanagem...
Essa tem meu voto!
"Tenho vivido três momentos. O primeiro é sair ou não sair do PT, uma relação de 30 anos. O segundo, decidir sobre o convite à filiação ao PV. E, num terceiro momento, uma candidatura à presidência." Marina Silva
Uau! Ela está vivendo três momentos no presente! E cada momento é a duração de cada decisão. Muito interessante. Sempre quis uma candidata que comprovasse a Relatividade.
Uau! Ela está vivendo três momentos no presente! E cada momento é a duração de cada decisão. Muito interessante. Sempre quis uma candidata que comprovasse a Relatividade.
Sei que a reclamação é velha, mas...
Passei por um cartaz hoje que anunciava a organização de um curso (oficina, ou semelhante) de criação literária para mulheres. Para as interessadas, está sendo organizado pela Casa de Cultura Mário Quintana e pelo Sesi. Não é isso, no entanto, meu assunto, e sim o "para mulheres".
Antes, uma pequena anedota que aumenta a perspectiva do que ia dizer. Vi o cartaz e pensei imediatamente em comentar aqui, mas não anotei nada, pois nem era prático com tanta chuva e tanta coisa para carregar nem eu pensei que teria dificuldade em encontrar as mesmas informações na internet. Na verdade, foi muito difícil. Tanto que desisti. A Casa de Cultura ainda não colocou no site. Não sei se divulgam apenas quando está mais próximo da data de início ou se informam apenas sobre seus programas mais independentes e constantes. Enfim, procurei de várias formas e encontrei milhões de sites com projetos "apenas para mulheres", e isso interessa aqui.
Por que se mantém tantos projetos exclusivos para mulheres? Entendo que grupos de ajuda e de auxílio social, seja em casos como gravidez ou renda familiar, se foquem, por diversos motivos, no público feminino, mas essa noção de incluir por exclusão nunca me cai muito bem se aplicada a temas que apenas têm a ganhar com a famosa diversidade.
Primeiro, a picuinha: o caráter "igualitário" é complementado, claro, por o projeto ser todo formato para "fomentar" a participação inclusiva à séc. XXI: têm preferência mulheres de baixa renda (quanto mais baixa, mais chances) que nunca tenham feito nenhum curso do tipo antes e que sejam negras ou índias. Como sempre, os critérios em si já são complicadíssimos. Associar negros e indígenas é prático para instituições públicas, mas ridículo no tipo de exclusão a que referem sob critérios iguais (e pessoas de renda extremamente baixa lidam muitas vezes com outro problema, anterior ao "literário", que é o uso da língua escrita, mas deixemos de lado essa questão e suas prováveis respostas mais óbvias). Notem o curioso: aqui, que é para "favorecer", etnia e renda são critérios independentes, mas quando se quer discutir se um deles não seria o real centro do problema, repentinamente são "inseparáveis no contexto brasileiro". Além disso, deve-se ter 80% de presença. Isso, que é dado como exigência para um certificado, funciona na prática como elemento de exclusão. Quanto menos dinheiro, menos se costuma respeitar o caderno de chamadas, por motivos óbvios. Os horários não são em si uma barbada, mas na verdade nunca são para o público que interessa.
Agora, em sentido amplo, por que se faz tantos projetos e oficinas que criterizam seu público nos termos estabelecidos pelo "vilão"? Opõe-se um grupo só para negros à exclusão etnocêntrica, só para mulheres à sexista, só para pobres à classista. Como disse um amigo meu, logo que saiu a banda, "Só preto sem preconceito" é o nome mais contraditório da música nacional. O problema do segregacionismo não é quem está em cima, mas a segregação em si, pelo menos é o que dizem esses mesmos que tentam lutar contra ela. Quando a questão é justificada, como nos casos compreensíveis que mencionei, é uma coisa, mas quando se fala em algo como criação literária, fica muito bizarro. Primeiro que autoria literária não foi exclusividade de homens talvez nunca, mesmo quando mulheres estavam supostamente vedadas a pensar a respeito. Analfabetismo já excluiu muitas mulheres, mas não parece que o pessoal desse projeto quer ir tão longe, já que o mesmo problema é bastante significativo também hoje, no Brasil. Segundo que pessoas de baixa renda que tenham interesse por literatura (e que estejam dispostas a se dedicar à coisa apesar das dificuldades) precisam de apoio, sejam homens ou mulheres. E terceiro, claro, é de se perguntar se projetos do tipo, se feitos abertamente, teriam tantos homens inscritos que as mulheres não teriam espaço. Se existem temas literários pelos quais nenhum homem pode se interessar, ou ainda se determinadas formas estão vedadas à sensibilidade feminina, de modo que só elas podem extrair dali mais que uma historinha. Agora, se mulheres ficarem de fora (ou quase) de projetos do tipo que não sejam plenamente voltados para elas, então é de se pensar o que está havendo na base desse público, qual é o problema, ou o que é, se não for um problema.
A inclusão de cima pra baixo é um vício impressionantemente saboroso hoje em dia. Tanto, que é urgente pensar bem a respeito do quê afinal essa inclusão não está resolvendo. E literatura, como indiquei antes, é mais rica se mais diversa. Esse tipo de separação homem/mulher emburrece o pensamento artístico, mesmo quando expresso apenas superficialmente, como na separação desse projeto. E emburrece porque deseduca. Existem infinitos preconceitos a respeito de literatura entre as pessoas mesmas que a valorizam, e separação por gêneros (humanos) alimenta-os em vez de descontrui-los. Não estou falando centralmente do público do projeto, mas de todo mundo que entrar em contato com a proposta, tiver interesse e não for fazer as aulas, por qualquer motivo que seja.
E, do meu ponto de vista, uma mulher que se afirma como autora reforçando demais o próprio gênero só contribui com o machismo. Essa postura foi necessária e importante nos anos 1970, mas seu preço supera seu valor, hoje em dia. Não digo que seja apenas um risco, mas sim que é algo inescapável. Pensamos por diferenciação. Infelizmente, isso quer dizer que todo exagero identitário é o reforço de uma oposição, potencializando um conflito sempre que apaga demais as semelhanças entre os diversos grupos. Quando dois termos que ocupam polos de relações diversas (como "literatura" e "mulher") são grudados, tudo que se opõe a um dos termos é imediatamente atrelado ao outro. Ou seja, uma característica do livro, poema, ou o que for é associado a ele ser escrito por uma mulher. Isso é logo naturalizado para todo o gênero feminino, eis um preconceito que aflora. Estes são muito mais dinâmicos para nascer que para morrer. Qualquer deseducação precisa de bem menos força para surgir do que nós precisamos para destrui-la (vide o populismo, que já ao nascer cria um círculo vicioso de retroalimentação).
Pelo que sei, apesar de não ter encontrado mais informações sobre esse curso específico da Casa de Cultura, o caminho para eles serem montados já parte bem definido na verdade. Não é tanto a preocupação em ensinar literatura para mulheres pobres excluídas, mas uma verba que vai para projetos inclusivos, que devem respeitar determinados termos (e quanto mais se adequarem à política que libera a verba, melhor) e que acaba sendo aproveitada por pessoas de um núcleo ou de interesse pela literatura que criam o projeto de acordo. Mas, ainda assim, é de se entender por que diabos a verba vem formatada assim, e repensar a coisa em vez de só reproduzir eternamente o mesmo tipo de organização bem comportada, que "inclui" porque é pra isso que se tem dinheiro e que reitera esse sistema exclusivo de inclusão.
De vez em quando, projetos do tipo revelam um grande talento, e o tal vira símbolo do sucesso dessa política. Besteira. Esses heróis surgem porque receberam a oportunidade de que precisavam, mas isso não quer dizer que os critérios que formaram o grupo de que faziam parte fossem os melhores, ou mesmo bons. A raridade de tais heróis em si já deveria indicar claramente isso. Todas as vitórias sofridas de esportistas brasileiros indicam quanto talento há por metro quadrado em qualquer lugar. E o pior é quando as adversidades superadas pelo sujeito servem para endeusá-lo. Faz parte desse endeusamento, sempre, o reforço de um mito muito forte no Brasil da pessoa que sai de baixo e vence contra todas as expectativas, como se isso fosse uma linda história de vida - não, não são só os EUA que se fixam nisso, temos nossa versão com cor local e tudo. A vitória dessa pessoa "excluída" é ótima, especialmente para o sujeito, mas tudo por que ele teve de passar é um absurdo. O mártir é um herói por quem ele é. A posição do mártir, no entanto, é um símbolo de tudo que está errado no contexto em que ele se desenvolveu - ou a história de Jesus é um elogio a judeus e romanos? O mártir é exceção, exceção... exceção!
Ninguém deveria estar tão embaixo, não porque o universo nos deva nada, mas por questão de direitos humanos. Ninguém deveria ter de lutar tanto quanto esses lutam. A vitória de alguém que sofreu muito não faz do sofrimento algo bom. Não importa quantos superem adversidades homéricas, não importa quantos auxílios governamentais "incluam" os que estão reclamando, a situação média brasileira é péssima, horrível, ridícula. Poder sair dela é o mínimo. Programas que têm grande sucesso com um ou dois (ou com 200, tendo por objetivo favorecer milhões) não fazem nem mesmo esse mínimo. E, é óbvio, a base que gera a necessidade de tais programas é o problema. Por enquanto estes apenas dão um alívio triste, mas se submetem à mesma lógica que os torna tão necessários. Até excluem conforme os mesmos termos. Faz sentido: não ameaçam o motivo de sua existência.
Antes, uma pequena anedota que aumenta a perspectiva do que ia dizer. Vi o cartaz e pensei imediatamente em comentar aqui, mas não anotei nada, pois nem era prático com tanta chuva e tanta coisa para carregar nem eu pensei que teria dificuldade em encontrar as mesmas informações na internet. Na verdade, foi muito difícil. Tanto que desisti. A Casa de Cultura ainda não colocou no site. Não sei se divulgam apenas quando está mais próximo da data de início ou se informam apenas sobre seus programas mais independentes e constantes. Enfim, procurei de várias formas e encontrei milhões de sites com projetos "apenas para mulheres", e isso interessa aqui.
Por que se mantém tantos projetos exclusivos para mulheres? Entendo que grupos de ajuda e de auxílio social, seja em casos como gravidez ou renda familiar, se foquem, por diversos motivos, no público feminino, mas essa noção de incluir por exclusão nunca me cai muito bem se aplicada a temas que apenas têm a ganhar com a famosa diversidade.
Primeiro, a picuinha: o caráter "igualitário" é complementado, claro, por o projeto ser todo formato para "fomentar" a participação inclusiva à séc. XXI: têm preferência mulheres de baixa renda (quanto mais baixa, mais chances) que nunca tenham feito nenhum curso do tipo antes e que sejam negras ou índias. Como sempre, os critérios em si já são complicadíssimos. Associar negros e indígenas é prático para instituições públicas, mas ridículo no tipo de exclusão a que referem sob critérios iguais (e pessoas de renda extremamente baixa lidam muitas vezes com outro problema, anterior ao "literário", que é o uso da língua escrita, mas deixemos de lado essa questão e suas prováveis respostas mais óbvias). Notem o curioso: aqui, que é para "favorecer", etnia e renda são critérios independentes, mas quando se quer discutir se um deles não seria o real centro do problema, repentinamente são "inseparáveis no contexto brasileiro". Além disso, deve-se ter 80% de presença. Isso, que é dado como exigência para um certificado, funciona na prática como elemento de exclusão. Quanto menos dinheiro, menos se costuma respeitar o caderno de chamadas, por motivos óbvios. Os horários não são em si uma barbada, mas na verdade nunca são para o público que interessa.
Agora, em sentido amplo, por que se faz tantos projetos e oficinas que criterizam seu público nos termos estabelecidos pelo "vilão"? Opõe-se um grupo só para negros à exclusão etnocêntrica, só para mulheres à sexista, só para pobres à classista. Como disse um amigo meu, logo que saiu a banda, "Só preto sem preconceito" é o nome mais contraditório da música nacional. O problema do segregacionismo não é quem está em cima, mas a segregação em si, pelo menos é o que dizem esses mesmos que tentam lutar contra ela. Quando a questão é justificada, como nos casos compreensíveis que mencionei, é uma coisa, mas quando se fala em algo como criação literária, fica muito bizarro. Primeiro que autoria literária não foi exclusividade de homens talvez nunca, mesmo quando mulheres estavam supostamente vedadas a pensar a respeito. Analfabetismo já excluiu muitas mulheres, mas não parece que o pessoal desse projeto quer ir tão longe, já que o mesmo problema é bastante significativo também hoje, no Brasil. Segundo que pessoas de baixa renda que tenham interesse por literatura (e que estejam dispostas a se dedicar à coisa apesar das dificuldades) precisam de apoio, sejam homens ou mulheres. E terceiro, claro, é de se perguntar se projetos do tipo, se feitos abertamente, teriam tantos homens inscritos que as mulheres não teriam espaço. Se existem temas literários pelos quais nenhum homem pode se interessar, ou ainda se determinadas formas estão vedadas à sensibilidade feminina, de modo que só elas podem extrair dali mais que uma historinha. Agora, se mulheres ficarem de fora (ou quase) de projetos do tipo que não sejam plenamente voltados para elas, então é de se pensar o que está havendo na base desse público, qual é o problema, ou o que é, se não for um problema.
A inclusão de cima pra baixo é um vício impressionantemente saboroso hoje em dia. Tanto, que é urgente pensar bem a respeito do quê afinal essa inclusão não está resolvendo. E literatura, como indiquei antes, é mais rica se mais diversa. Esse tipo de separação homem/mulher emburrece o pensamento artístico, mesmo quando expresso apenas superficialmente, como na separação desse projeto. E emburrece porque deseduca. Existem infinitos preconceitos a respeito de literatura entre as pessoas mesmas que a valorizam, e separação por gêneros (humanos) alimenta-os em vez de descontrui-los. Não estou falando centralmente do público do projeto, mas de todo mundo que entrar em contato com a proposta, tiver interesse e não for fazer as aulas, por qualquer motivo que seja.
E, do meu ponto de vista, uma mulher que se afirma como autora reforçando demais o próprio gênero só contribui com o machismo. Essa postura foi necessária e importante nos anos 1970, mas seu preço supera seu valor, hoje em dia. Não digo que seja apenas um risco, mas sim que é algo inescapável. Pensamos por diferenciação. Infelizmente, isso quer dizer que todo exagero identitário é o reforço de uma oposição, potencializando um conflito sempre que apaga demais as semelhanças entre os diversos grupos. Quando dois termos que ocupam polos de relações diversas (como "literatura" e "mulher") são grudados, tudo que se opõe a um dos termos é imediatamente atrelado ao outro. Ou seja, uma característica do livro, poema, ou o que for é associado a ele ser escrito por uma mulher. Isso é logo naturalizado para todo o gênero feminino, eis um preconceito que aflora. Estes são muito mais dinâmicos para nascer que para morrer. Qualquer deseducação precisa de bem menos força para surgir do que nós precisamos para destrui-la (vide o populismo, que já ao nascer cria um círculo vicioso de retroalimentação).
Pelo que sei, apesar de não ter encontrado mais informações sobre esse curso específico da Casa de Cultura, o caminho para eles serem montados já parte bem definido na verdade. Não é tanto a preocupação em ensinar literatura para mulheres pobres excluídas, mas uma verba que vai para projetos inclusivos, que devem respeitar determinados termos (e quanto mais se adequarem à política que libera a verba, melhor) e que acaba sendo aproveitada por pessoas de um núcleo ou de interesse pela literatura que criam o projeto de acordo. Mas, ainda assim, é de se entender por que diabos a verba vem formatada assim, e repensar a coisa em vez de só reproduzir eternamente o mesmo tipo de organização bem comportada, que "inclui" porque é pra isso que se tem dinheiro e que reitera esse sistema exclusivo de inclusão.
De vez em quando, projetos do tipo revelam um grande talento, e o tal vira símbolo do sucesso dessa política. Besteira. Esses heróis surgem porque receberam a oportunidade de que precisavam, mas isso não quer dizer que os critérios que formaram o grupo de que faziam parte fossem os melhores, ou mesmo bons. A raridade de tais heróis em si já deveria indicar claramente isso. Todas as vitórias sofridas de esportistas brasileiros indicam quanto talento há por metro quadrado em qualquer lugar. E o pior é quando as adversidades superadas pelo sujeito servem para endeusá-lo. Faz parte desse endeusamento, sempre, o reforço de um mito muito forte no Brasil da pessoa que sai de baixo e vence contra todas as expectativas, como se isso fosse uma linda história de vida - não, não são só os EUA que se fixam nisso, temos nossa versão com cor local e tudo. A vitória dessa pessoa "excluída" é ótima, especialmente para o sujeito, mas tudo por que ele teve de passar é um absurdo. O mártir é um herói por quem ele é. A posição do mártir, no entanto, é um símbolo de tudo que está errado no contexto em que ele se desenvolveu - ou a história de Jesus é um elogio a judeus e romanos? O mártir é exceção, exceção... exceção!
Ninguém deveria estar tão embaixo, não porque o universo nos deva nada, mas por questão de direitos humanos. Ninguém deveria ter de lutar tanto quanto esses lutam. A vitória de alguém que sofreu muito não faz do sofrimento algo bom. Não importa quantos superem adversidades homéricas, não importa quantos auxílios governamentais "incluam" os que estão reclamando, a situação média brasileira é péssima, horrível, ridícula. Poder sair dela é o mínimo. Programas que têm grande sucesso com um ou dois (ou com 200, tendo por objetivo favorecer milhões) não fazem nem mesmo esse mínimo. E, é óbvio, a base que gera a necessidade de tais programas é o problema. Por enquanto estes apenas dão um alívio triste, mas se submetem à mesma lógica que os torna tão necessários. Até excluem conforme os mesmos termos. Faz sentido: não ameaçam o motivo de sua existência.
sábado, 15 de agosto de 2009
Escolhendo as palavras
Inverti este post. Vou começar pelo trecho adiantado do texto para dar a nota mais grave de início. Então, vamos ao comentário que só faz sentido porque o amadorismo profissional cansa ("amadorismo profissional" é um termo mais complexo que o sentido autoevidente; um dia em que eu tiver paciência para falar do David Coimbra, explico melhor). Vou usar o cara que eu tava lendo como bode-expiatório para comentar uma coisa bem mais ampla.
O início do livro de um jornalista comenta as lutas do Gianfrancesco Guarnieri pela "defesa das liberdades individuais", mas exemplifica isso com movimento estudantil, comunismo e Diretas Já. Tá, talvez ele lutasse por liberdades individuais aí no meio, mas é possível que as liberdades que preocupavam ele fossem outras. Juro que esse comentário não é purismo. O campo de disputas sociais é bem mais rico e complicado do que pode parecer, e muitas lutas por liberdades contradizem outras que, superficialmente, querem a mesma coisa ("liberdade", "fim da censura"...). O barateio que simplifica o conjunto todo e jornalisticamente apresenta a ideia numa linguagem supostamente mais palatável ou descompromissada às vezes só desinforma. Não sabe como caracterizar liberdade? Não adjetiva, dá outra volta na frase. Não precisa se emocionar no moralismo.
Bom, dito isso, voltemos atrás no mesmo texto. Eu, experiente em fazer associações indevidas e assinar gafes, sei que o problema desta frase, na prática, não incomoda apenas quem mexe com texto:
"Guarnieri vive ali ao lado da ex-atriz e socióloga Vânia Sant'Anna, sua segunda mulher, e rodeado de outras incansáveis e sempre muito solícitas figuras femininas - as cachorras Pipoca, Julieta e Dara, herdeiras de Vitória, uma boxer linda e folgosíssima que, durante uma viagem à praia de Toque-Toque, (...) passou em revista todos os cachorros do pedaço, comprometendo para sempre a pureza de sua linhagem."
Tantas mulheres não iam gostar de estar associadas na mesma frase a cadelas, como "figuras femininas"... Sendo que a frase é incomparavelmente sobre as cadelas, que ocupam 90% da extensão do período. Aliás, alguma mulher aceitaria na esportiva estar no lugar da esposa do Guarnieri, nessa frase? Ainda mais as cadelas sendo indicadas como filhas da puta, num moralismo disfarçado de chiste que usa eufemismo como ponto final. Ok, faz de conta que as últimas informações eram necessárias ;)
O início do livro de um jornalista comenta as lutas do Gianfrancesco Guarnieri pela "defesa das liberdades individuais", mas exemplifica isso com movimento estudantil, comunismo e Diretas Já. Tá, talvez ele lutasse por liberdades individuais aí no meio, mas é possível que as liberdades que preocupavam ele fossem outras. Juro que esse comentário não é purismo. O campo de disputas sociais é bem mais rico e complicado do que pode parecer, e muitas lutas por liberdades contradizem outras que, superficialmente, querem a mesma coisa ("liberdade", "fim da censura"...). O barateio que simplifica o conjunto todo e jornalisticamente apresenta a ideia numa linguagem supostamente mais palatável ou descompromissada às vezes só desinforma. Não sabe como caracterizar liberdade? Não adjetiva, dá outra volta na frase. Não precisa se emocionar no moralismo.
Bom, dito isso, voltemos atrás no mesmo texto. Eu, experiente em fazer associações indevidas e assinar gafes, sei que o problema desta frase, na prática, não incomoda apenas quem mexe com texto:
"Guarnieri vive ali ao lado da ex-atriz e socióloga Vânia Sant'Anna, sua segunda mulher, e rodeado de outras incansáveis e sempre muito solícitas figuras femininas - as cachorras Pipoca, Julieta e Dara, herdeiras de Vitória, uma boxer linda e folgosíssima que, durante uma viagem à praia de Toque-Toque, (...) passou em revista todos os cachorros do pedaço, comprometendo para sempre a pureza de sua linhagem."
Tantas mulheres não iam gostar de estar associadas na mesma frase a cadelas, como "figuras femininas"... Sendo que a frase é incomparavelmente sobre as cadelas, que ocupam 90% da extensão do período. Aliás, alguma mulher aceitaria na esportiva estar no lugar da esposa do Guarnieri, nessa frase? Ainda mais as cadelas sendo indicadas como filhas da puta, num moralismo disfarçado de chiste que usa eufemismo como ponto final. Ok, faz de conta que as últimas informações eram necessárias ;)
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Bastidores...
- Isso é para empresa imobiliária, com essa da Orla ainda agora... então como eu ponho pra ficar bonito, desconversando?
- Não! É dinheiro público, é a universidade pública que vai fazer. Não é só para os imobliários. Só tava atrapalhando eles também.
- Pode ser, mas se não fosse pra eles não saía do papel. Há quanto tempo tavam amarrando pra isso? A gente já tinha até feito outra matéria há um tempão aqui no Correio mesmo, lembra?
- Ah, tá bom... De qualquer forma, põe aí.
- Mas vai servir pra que mais?
- Hmmm. Bom, a ideia inicial era atualizar os dados do governo. Saindo a nova pesquisa do IBGE agora, é hora boa pra acompanhar a onda.
- Ah, boa! Mas isso vai antes ou depois?
- Depois, ninguém presta atenção em legenda de foto até o fim, ainda mais na primeira página, com uma foto enorme pra todo mundo ficar procurando algum prédio que conhece.
- Ok, e vou dar uma volta que mostra mais a coisa pelo lado dos dados mesmo, faz de conta que é a prefeitura quem mais lucra com a informação, olha só então:
"Prefeitura e UFRGS assinaram ontem acordo de R$ 22 milhões para a realização de um completo levantamento aéreo da cidade. O objetivo da iniciativa é modernizar a base de dados e atualizar o cadastro imobiliário."
- Não! É dinheiro público, é a universidade pública que vai fazer. Não é só para os imobliários. Só tava atrapalhando eles também.
- Pode ser, mas se não fosse pra eles não saía do papel. Há quanto tempo tavam amarrando pra isso? A gente já tinha até feito outra matéria há um tempão aqui no Correio mesmo, lembra?
- Ah, tá bom... De qualquer forma, põe aí.
- Mas vai servir pra que mais?
- Hmmm. Bom, a ideia inicial era atualizar os dados do governo. Saindo a nova pesquisa do IBGE agora, é hora boa pra acompanhar a onda.
- Ah, boa! Mas isso vai antes ou depois?
- Depois, ninguém presta atenção em legenda de foto até o fim, ainda mais na primeira página, com uma foto enorme pra todo mundo ficar procurando algum prédio que conhece.
- Ok, e vou dar uma volta que mostra mais a coisa pelo lado dos dados mesmo, faz de conta que é a prefeitura quem mais lucra com a informação, olha só então:
"Prefeitura e UFRGS assinaram ontem acordo de R$ 22 milhões para a realização de um completo levantamento aéreo da cidade. O objetivo da iniciativa é modernizar a base de dados e atualizar o cadastro imobiliário."
O conteúdo exige a forma
"Em outras palavras, podemos dizer que a desejada cor local dos românticos, no caso do teatro brasileiro, está muito mais presente nas comédias de Martins Pena do que nos dramas, melodramas e tragédias de seus contemporâneos. (...) Todos eles [autores que fizeram comédias] exploraram os caminhos abertos por Martins Pena, introduzindo em peças mais longas as formas populares de comicidade e ao mesmo tempo trazendo para o palco algumas facetas da vida brasileira." - João Roberto Faria.
Ou seja, o Brasil só pôde subir aos palcos pela comédia. E poderia ser diferente? Não deixa de ter graça que tenha se demorado tanto a concluir que é "o país da piada pronta".
Ou seja, o Brasil só pôde subir aos palcos pela comédia. E poderia ser diferente? Não deixa de ter graça que tenha se demorado tanto a concluir que é "o país da piada pronta".
Medicação surpresa
Pego um remédio com tranquilidade e vejo a mensagem: Alívio para
Esteticamente assim mesmo. Onde estaria listada, em itens, as funções do remédio, encontrei um código de barras calculado para atrapalhar a informação. Eu sei que ele não poderia estar cobrindo a validade, e ninguém colocaria isso em cima da marca, mas em cima da finalidade do remédio? A menos que ele resolva o preço da medicação, ou o (já ultrapassado, de fato) código de barras como sistema de informação.
Arranquei o código de barras e o papelão da caixa veio junto. Não teve jeito de desgrudar sanamente. Ok, eu sabia por que tinha comprado, e sempre existe a bula, mas puxa...
Esteticamente assim mesmo. Onde estaria listada, em itens, as funções do remédio, encontrei um código de barras calculado para atrapalhar a informação. Eu sei que ele não poderia estar cobrindo a validade, e ninguém colocaria isso em cima da marca, mas em cima da finalidade do remédio? A menos que ele resolva o preço da medicação, ou o (já ultrapassado, de fato) código de barras como sistema de informação.
Arranquei o código de barras e o papelão da caixa veio junto. Não teve jeito de desgrudar sanamente. Ok, eu sabia por que tinha comprado, e sempre existe a bula, mas puxa...
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Arremates
Certos assuntos merecem eufemismos, ou mediações de algumas formas. Talvez qualquer assunto, o problema de se dizer algo de forma direta depende obviamente do contexto. Alguns temas, porém, são em si relativos, só vivem mediados por condescendências. Eufemizar ou controlar esses assuntos causa uma overdose, estraga o que se queria salvar, que nem precisava de salvamento.
Xuxa, por exemplo, que veio receber uma homenagem em Gramado hoje, foi vítima do seguinte parágrafo do Jornal do Comércio:
"Em obras próprias ou ao lado de outros nomes da filmografia recente, como Renato Aragão, Xuxa cativou o público ao ponto de conseguir significativas bilheterias em uma época difícil para o cinema nacional, entre as décadas de 80 e 90."
Não era pra tanto, vai! Especialmente o "significativas" foi maldoso. O cinema nacional quase não produzia. Nada vendia e ninguém investia em filmes. E ela conseguia ótimas bilheterias. A falta de público e produções brasileiras na época deveria enfatizar o sucesso. Pô, é dia de homenagens, e ela já tem tanto com o que se preocupar. Esse trecho cheio de dedos faz parecer que estão forçando justo na época em que o sucesso dela foi de verdade. Parecia que estavam evitando algo muito horrível, quando de fato a fama dela tem o direito de ser apenas o que é.
Xuxa, por exemplo, que veio receber uma homenagem em Gramado hoje, foi vítima do seguinte parágrafo do Jornal do Comércio:
"Em obras próprias ou ao lado de outros nomes da filmografia recente, como Renato Aragão, Xuxa cativou o público ao ponto de conseguir significativas bilheterias em uma época difícil para o cinema nacional, entre as décadas de 80 e 90."
Não era pra tanto, vai! Especialmente o "significativas" foi maldoso. O cinema nacional quase não produzia. Nada vendia e ninguém investia em filmes. E ela conseguia ótimas bilheterias. A falta de público e produções brasileiras na época deveria enfatizar o sucesso. Pô, é dia de homenagens, e ela já tem tanto com o que se preocupar. Esse trecho cheio de dedos faz parecer que estão forçando justo na época em que o sucesso dela foi de verdade. Parecia que estavam evitando algo muito horrível, quando de fato a fama dela tem o direito de ser apenas o que é.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Sem aspas
Uma amiga que está morando na Espanha veio visitar Porto Alegre. Parti para encontrá-la lendo um livro francês. Antes de chegar no ponto de encontro, passei por um ex-colega australiano. Parei para conversar com ele e eis que a citada amiga nos viu e veio papear também. Linguística para um lado, dialetos para o outro, viver num país diferente sempre em pauta. Enfim nos despedimos e fomos (minha amiga e eu) comprar livros de linguística e de literatura. Mais conversa sobre povos diferentes. Quando estávamos para fazer um mano-a-mano de Uno, fomos interrompidos por uma amiga dela, mexicana. A oportunidade de Uno degringolou. Minha amiga não teve nem a possibilidade de falar seu italiano tão sui generis, sempre evocado pela jogatina. Falamos bastante sobre viagens, falsos cognatos, níveis de violência em diferentes países e gripe suína, tema internacional. Voltei para casa lendo meu livro francês e, logo que cheguei no meu quarto, meu aluno estadounidense me telefonou.
Tantas línguas e tantas culturas, ninguém largou uma pérola para entrar no meu blog :(
Definitivamente, só tenho certeza de encontrar bobagens dignas de nota se abro o jornal ou ando pelo Leopoldina.
PS: Aspas deveria ter acento. Faz uma falta estética. Façamos nova Reforma do Português.
Tantas línguas e tantas culturas, ninguém largou uma pérola para entrar no meu blog :(
Definitivamente, só tenho certeza de encontrar bobagens dignas de nota se abro o jornal ou ando pelo Leopoldina.
PS: Aspas deveria ter acento. Faz uma falta estética. Façamos nova Reforma do Português.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Coisa com coisa
Às vezes a gente se perde de tanto dar resposta vazia ou desconversar. Conforme nos desconectamos sequencialmente do assunto a respeito do qual nos questionam, vamos perdendo o horizonte e simplesmente não falando nada com nada. Invariavelmente, como o diálogo vive da ilusão de se ter um assunto, acabamos tocando atrapalhadamente em outro tema. No esforço de não pensar, largamos algo que nem responde o perguntado nem demonstra sã opinião a respeito do tema-substituto. Foi o caso do Paulo Duque, comentando a commedia dell'arte interpretada por Collor, Calheiros e cia. no Senado (que tanta gente confundiu com notícia política, quando tão obviamente era só vontade de aparecer no Casseta & Planeta). Paulo juntou um comentário que (1) não justifica o fato, (2) mostra (por deboche) o estado inútil em que anda a ABL e (3) expressa não saber que o dito estado é, na verdade, lamentável. Palmas para uma péssima resposta:
"Ninguém gostou. Houve quebra de decoro em série. Mas é preciso deixar claro que ali não é a Academia Brasileira de Letras para se tomar chá."
"Ninguém gostou. Houve quebra de decoro em série. Mas é preciso deixar claro que ali não é a Academia Brasileira de Letras para se tomar chá."
Eu disse, eu disse
A Boa Nova abaixo explicitada precisa ser, agora, espalhada. Que o diga a Sra. Clinton!
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
A Boa Nova - em termos
Na época do nomadismo, antes de Josué completar a missão de Moisés, parando o Sol para a vitória dos hebreus, vivia no deserto, a leste do monte Sinai, uma antiga deusa cananeia, pouco conhecida pois ainda infanta. Era mesmo característico dela um desenvolvimento lento, sendo ela pouco influente e, portanto, pouco citada, apesar de tão sábia e competente. Podemos traduzir seu nome por Especificidade, ainda que se perca certo teor polissêmico do original e uma sutileza moral implícita que nosso vernáculo não expressa. São os tempos...
A pequena deusa foi agregada como um dos Poderes por Javé, quando este mandava solto em Canaã, então já Palestina, na época do rei Saul. Dizem que Davi acabara de ser eleito pelo Senhor e estava em suas lutas e fugas enquanto o citado rei se negava a aceitar que o trono agora deveria ser de outro, de modo que o agregar precipitado da Especificidade entre os Poderes talvez seja resultado de certa pouca atenção da parte de Javé, voltado para problemas de Estado tão centrais.
Ainda que compreensível, a desatenção revelou-se trágica! Num comportamento típico de deuses cananeus (assim diziam os hebreus), Especificidade conheceu, no sentido bíblico, é claro, um tio seu, grande deus antigo, chamado Baal. Tecnicamente é discutível uma relação de incesto no caso. Na verdade era difícil seguir todas as linhas que nasciam de Baal para se ter certeza se se os dois deuses eram realmente próximos ou se "tio" era mais modo de dizer. Infelizmente, como Javé estava mais pra clérigo que pra político ou advogado, no sentido em que entendemos hoje (novamente me desculpem pelos problemas de tradução), e Especificidade era provavelmente ainda menor (por seu metabolismo tão lento já explicitado), a sentença não teve apelação e Especificidade foi fulminada.
A humanidade viveu tempos sombrios, indeterminada em sua linguagem, perdida entre conceitos aproximados e catacreses insuficientes. Discutia-se muito por bobagem, horas e horas de estudo e pesquisa se perdiam em textos imprecisos e ambíguos. Ninguém entendia direito se uma cidade era de um ou de outro, então todos brigavam. Não se sabia se a Terra era redonda, quadrada, plana ou o casco de uma tartaruga, então guerra! E na Academia... deuses, na Academia! Era impossível avaliar alunos e estudos, pois ninguém sabia dizer exatamente como fulano era, afinal, melhor do que a fulana, qual seria propriamente a base de critérios. Havia critérios? E como eram os homens? Como eram as mulheres? O que elas ou eles queriam, afinal? Mistério. E, no meio de tanto caos, ninguém poderia entender obviamente qual era especificamente o problema, pois justamente Especificidade estava morta...
Mas há esperança (não uma deusa, enfim...). Sim, há esperança. Hoje vi a luz, e vim falar às gentes. Pois Javé, aparentemente, enfureceu-se com Especificidade apenas quando a querela dos novos e dos antigos (se Saul ou se Davi) foi resolvida. Enquanto isso, Especificidade pariu. Sua filha, herdando o tímido e lerdo desenvolvimento da mãe, levou séculos crescendo e amadurecendo. Às vezes dava pequenos pulos, saltos evolutivos, ou simplesmente emprestava sua luz a um que outro eleito, na calada da noite, no sonho, na vigília, na sarjeta bêbada e tuberculosa do gênio; sempre evitando os olhos de Javé enquanto crescia. Na nossa época, em que Deus se cala e os ratos, aliás, os humanos fazem a festa, ela finalmente viu que estava segura. E ela veio a mim.
Seu nome é Terminologia! - Na Terminologia, Especificidade, sua mãe, vive e caminha entre nós!
A revelação me veio por uma amiga, a mesma que motivou um post publicado hoje ainda, o Full Circle. Essa moça, caminho da Verdade, insistiu: eu preciso conhecer seu ex/protocunhado adotivo. Vejam o milagre: dois termos e dois prefixos que se conflituam, e ainda sei exatamente de quem ela fala. Sei o nome, trata-se do Diogo! A Boa Nova aí está. É o fim dos abstracts incoerentes, fim das brigas de escola e de teorias, fim da separação das ciências que não condizem com elas próprias, fim das siglas de partido, fim dos ônibus que têm três nomes, fim de tantos professores, fim dos endereços impossíveis de Brasília, fim do jornalismo-moleque, fim do atendimento telefônico da NET! No que nos diz respeito, Babel jamais pecou.
O caminho, irmãos, é a Terminologia, onde estivermos, para quem falarmos. Ela é a Palavra - ou antes as Palavras, neste mundo do múltiplo diabo. Regozijemo-nos, pois Especificidade é Mãe! Ela vive em sua Filha! Ela está entre nós!
A pequena deusa foi agregada como um dos Poderes por Javé, quando este mandava solto em Canaã, então já Palestina, na época do rei Saul. Dizem que Davi acabara de ser eleito pelo Senhor e estava em suas lutas e fugas enquanto o citado rei se negava a aceitar que o trono agora deveria ser de outro, de modo que o agregar precipitado da Especificidade entre os Poderes talvez seja resultado de certa pouca atenção da parte de Javé, voltado para problemas de Estado tão centrais.
Ainda que compreensível, a desatenção revelou-se trágica! Num comportamento típico de deuses cananeus (assim diziam os hebreus), Especificidade conheceu, no sentido bíblico, é claro, um tio seu, grande deus antigo, chamado Baal. Tecnicamente é discutível uma relação de incesto no caso. Na verdade era difícil seguir todas as linhas que nasciam de Baal para se ter certeza se se os dois deuses eram realmente próximos ou se "tio" era mais modo de dizer. Infelizmente, como Javé estava mais pra clérigo que pra político ou advogado, no sentido em que entendemos hoje (novamente me desculpem pelos problemas de tradução), e Especificidade era provavelmente ainda menor (por seu metabolismo tão lento já explicitado), a sentença não teve apelação e Especificidade foi fulminada.
A humanidade viveu tempos sombrios, indeterminada em sua linguagem, perdida entre conceitos aproximados e catacreses insuficientes. Discutia-se muito por bobagem, horas e horas de estudo e pesquisa se perdiam em textos imprecisos e ambíguos. Ninguém entendia direito se uma cidade era de um ou de outro, então todos brigavam. Não se sabia se a Terra era redonda, quadrada, plana ou o casco de uma tartaruga, então guerra! E na Academia... deuses, na Academia! Era impossível avaliar alunos e estudos, pois ninguém sabia dizer exatamente como fulano era, afinal, melhor do que a fulana, qual seria propriamente a base de critérios. Havia critérios? E como eram os homens? Como eram as mulheres? O que elas ou eles queriam, afinal? Mistério. E, no meio de tanto caos, ninguém poderia entender obviamente qual era especificamente o problema, pois justamente Especificidade estava morta...
Mas há esperança (não uma deusa, enfim...). Sim, há esperança. Hoje vi a luz, e vim falar às gentes. Pois Javé, aparentemente, enfureceu-se com Especificidade apenas quando a querela dos novos e dos antigos (se Saul ou se Davi) foi resolvida. Enquanto isso, Especificidade pariu. Sua filha, herdando o tímido e lerdo desenvolvimento da mãe, levou séculos crescendo e amadurecendo. Às vezes dava pequenos pulos, saltos evolutivos, ou simplesmente emprestava sua luz a um que outro eleito, na calada da noite, no sonho, na vigília, na sarjeta bêbada e tuberculosa do gênio; sempre evitando os olhos de Javé enquanto crescia. Na nossa época, em que Deus se cala e os ratos, aliás, os humanos fazem a festa, ela finalmente viu que estava segura. E ela veio a mim.
Seu nome é Terminologia! - Na Terminologia, Especificidade, sua mãe, vive e caminha entre nós!
A revelação me veio por uma amiga, a mesma que motivou um post publicado hoje ainda, o Full Circle. Essa moça, caminho da Verdade, insistiu: eu preciso conhecer seu ex/protocunhado adotivo. Vejam o milagre: dois termos e dois prefixos que se conflituam, e ainda sei exatamente de quem ela fala. Sei o nome, trata-se do Diogo! A Boa Nova aí está. É o fim dos abstracts incoerentes, fim das brigas de escola e de teorias, fim da separação das ciências que não condizem com elas próprias, fim das siglas de partido, fim dos ônibus que têm três nomes, fim de tantos professores, fim dos endereços impossíveis de Brasília, fim do jornalismo-moleque, fim do atendimento telefônico da NET! No que nos diz respeito, Babel jamais pecou.
O caminho, irmãos, é a Terminologia, onde estivermos, para quem falarmos. Ela é a Palavra - ou antes as Palavras, neste mundo do múltiplo diabo. Regozijemo-nos, pois Especificidade é Mãe! Ela vive em sua Filha! Ela está entre nós!
Nada de novo depois dos gregos
Em todas as fotos da Yeda, ela parece culpada. Primeiro achei que fosse questão de luz, cores e ângulos. Não imagino que a maioria dos fotógrafos jornalísticos gaúchos tenha algum carinho por ela, nem acredite que ela seja inocente. Mas não parece ser só isso, então me dei ao trabalho de ler a argumentação do Medina, advogado contratado para defendê-la. E, realmente, não é mera má-vontade dos fotógrafos nem mesmo a sugestão já no meu olhar dos ataques feitos contra ela que a deixam assim.
Quase tudo que envolve advogados e que chega à mídia parece ser embasado na mesma argumentação, em si muito antiga. É como no caso em que um motorista acerta em cheio outro carro, matando todo mundo dentro. Está claro, por uma série de indícios, que esse motorista causou o acidente, e portanto as mortes. O carro que foi atingido no entanto, tinha alguma irregularidade. Digamos algum problema com o IPVA, ou a carteira do motorista morto estava vencida havia um mês. Legalmente o carro das vítimas não poderia estar na rua, e assim o argumento da família dos mortos é invalidada por uma questão legal que passa totalmente ao largo do que interessa para a população não-advogada do mundo, de modo que o causador do acidente sai impune - não sei se é bom um argumento legal, apenas que a argumentação sempre oferecida ao público segue quase invariavelmente esse princípio. Pela pomposa expressão "respeito à lei", o que nos interessa deixa de ser julgado com base em alguma irregularidade legal discutível (como toda irregularidade legal, claro), comprovando, implicitamente, nossa opinião de que a pessoa seja culpada sem que a lei possa tocar nela.
O Medina fez o mesmo. Quer invalidar tudo a ver com a Yeda em cima de umas críticas muito discutíveis a processos legais paralelos ao que realmente preocupa qualquer um que não seja advogado, além das ferramentas mais manjadas para desmoralizar o MPF. Esses processos, formalmente, são importantes para a justiça constitucional, mas nunca dizem respeito ao crime que efetivamente está sendo discutido. Até mesmo o pessoal da imprensa que defende a Yeda bate forte que as informações divulgadas vieram a público muito cedo (por pouco, mas cedo...), quase e às vezes efetivamente deixando de mencionar o conteúdo de relevância prática. Os argumentos paralelos também são idiotas em geral. Medina reclama, por exemplo, que afastá-la do cargo seria um exagero descabido, sendo ela acusada de usar sua posição para coação. Hmmm. "Descabido" não é bem o que vem em mente. E ainda que tenha acusado o MPF de falar antes de legalmente ter a liberdade de fazê-lo, o advogado junta à balela, claro, argumentos mais que precipitados para alguém que ainda não teve acesso aos documentos da acusação - já usei a palavra "manjada" neste post?
É claro que o processo ainda não foi julgado, de modo que ninguém poderia dizer se ela é culpada ou não, mas a defesa na verdade nem tenta ir tão longe ("culpada", "inocente"). A fraude é implicitamente aceita (incluindo o envolvimento do marido da governadora) e a possibilidade de que Yeda estivesse envolvida não é negada frontalmente - no máximo, diz-se que as provas são insuficientes ou dúbias. Qual a base da defesa? O trâmite legal não foi, talvez, seguido à risca.
Enfim, cada andamento da novela repete passos bem conhecidos de uma retórica antiga e vazia já no berço. É engraçado, mas acaba sendo uma forma de comprovar que reagimos a estruturas, mesmo quando não temos consciência delas: o processo todo anda como sempre acontece, e ainda que apresente nomes diferentes, ou cargos diferentes, reconhecemos até sem querer, já na superfície, uma estrutura bem familiar, tendo-se a impressão de que até as fotos antecipam a conclusão.
Quase tudo que envolve advogados e que chega à mídia parece ser embasado na mesma argumentação, em si muito antiga. É como no caso em que um motorista acerta em cheio outro carro, matando todo mundo dentro. Está claro, por uma série de indícios, que esse motorista causou o acidente, e portanto as mortes. O carro que foi atingido no entanto, tinha alguma irregularidade. Digamos algum problema com o IPVA, ou a carteira do motorista morto estava vencida havia um mês. Legalmente o carro das vítimas não poderia estar na rua, e assim o argumento da família dos mortos é invalidada por uma questão legal que passa totalmente ao largo do que interessa para a população não-advogada do mundo, de modo que o causador do acidente sai impune - não sei se é bom um argumento legal, apenas que a argumentação sempre oferecida ao público segue quase invariavelmente esse princípio. Pela pomposa expressão "respeito à lei", o que nos interessa deixa de ser julgado com base em alguma irregularidade legal discutível (como toda irregularidade legal, claro), comprovando, implicitamente, nossa opinião de que a pessoa seja culpada sem que a lei possa tocar nela.
O Medina fez o mesmo. Quer invalidar tudo a ver com a Yeda em cima de umas críticas muito discutíveis a processos legais paralelos ao que realmente preocupa qualquer um que não seja advogado, além das ferramentas mais manjadas para desmoralizar o MPF. Esses processos, formalmente, são importantes para a justiça constitucional, mas nunca dizem respeito ao crime que efetivamente está sendo discutido. Até mesmo o pessoal da imprensa que defende a Yeda bate forte que as informações divulgadas vieram a público muito cedo (por pouco, mas cedo...), quase e às vezes efetivamente deixando de mencionar o conteúdo de relevância prática. Os argumentos paralelos também são idiotas em geral. Medina reclama, por exemplo, que afastá-la do cargo seria um exagero descabido, sendo ela acusada de usar sua posição para coação. Hmmm. "Descabido" não é bem o que vem em mente. E ainda que tenha acusado o MPF de falar antes de legalmente ter a liberdade de fazê-lo, o advogado junta à balela, claro, argumentos mais que precipitados para alguém que ainda não teve acesso aos documentos da acusação - já usei a palavra "manjada" neste post?
É claro que o processo ainda não foi julgado, de modo que ninguém poderia dizer se ela é culpada ou não, mas a defesa na verdade nem tenta ir tão longe ("culpada", "inocente"). A fraude é implicitamente aceita (incluindo o envolvimento do marido da governadora) e a possibilidade de que Yeda estivesse envolvida não é negada frontalmente - no máximo, diz-se que as provas são insuficientes ou dúbias. Qual a base da defesa? O trâmite legal não foi, talvez, seguido à risca.
Enfim, cada andamento da novela repete passos bem conhecidos de uma retórica antiga e vazia já no berço. É engraçado, mas acaba sendo uma forma de comprovar que reagimos a estruturas, mesmo quando não temos consciência delas: o processo todo anda como sempre acontece, e ainda que apresente nomes diferentes, ou cargos diferentes, reconhecemos até sem querer, já na superfície, uma estrutura bem familiar, tendo-se a impressão de que até as fotos antecipam a conclusão.
Full Circle
Raramente fico sabendo de datas comemorativas antes de o dia efetivamente chegar. Acabei conseguindo treinar uma seletividade de olhar, pelo jeito, que me permite ignorar datas que nada me dizem (feriados), desde que menos comemorados do que o Carnaval, que é tão noticiado que até eu percebo quando ele vem aí. Essa seletividade se baseia em quádruplo desinteresse: desligamento total da TV, falta de inclinação consumista, falta de religião e parca experiência com empregos tradicionais (feriado não significa descanso, portanto).
Esse meu desligamento virou motivo de brincadeiras entre uma amiga minha e eu, sempre que ela presencia seus resultados. Estávamos conversando na noite de sábado, e ela disse: "porque amanhã é Dia dos Pais", a que eu reagi com uma surpresa pinçada por monotonia (reação que não seria muito diferente se se tratasse do Dia das Mães ou do Dia das Crianças, por exemplo). A data iminente inclusive explicava algumas coisas que estavam acontecendo na minha volta, mas as quais já em si não me interessavam muito, a ponto de eu nem estar realmente curioso para buscar explicações.
De qualquer forma, brincamos sobre certa imagem que compartilhamos a respeito de minha família e da minha relação com feriados em geral. Combinamos então que ela aproveitaria o fato de vir aqui perto (visitar seu pai) para passar na minha casa, em seguida. No domingo, marcado por uma chuva ininterrupta que vinha do dia anterior e iria ao seguinte, ela não apareceu. Imaginei que por causa da chuva. Mandei uma mensagem checando a teoria, e a moça me responde com a seguinte frase: "Meu pai esqueceu do dia dos pais rs". Não escolhi essa frase por tragicidade, e sim porque esse esquecimento poderia ser relativamente tranquilo se imaginado, mas ainda assim foi curioso receber tal mensagem no celular, efetivamente "presenciar" na realidade algo que teoricamente não parece nada surpreendente.
A frase, no mínimo, retomou antigas analogias que fizemos entre nossas famílias e, parece surpreendente, revelou a verdade de LM Lights: "Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum".
Esse meu desligamento virou motivo de brincadeiras entre uma amiga minha e eu, sempre que ela presencia seus resultados. Estávamos conversando na noite de sábado, e ela disse: "porque amanhã é Dia dos Pais", a que eu reagi com uma surpresa pinçada por monotonia (reação que não seria muito diferente se se tratasse do Dia das Mães ou do Dia das Crianças, por exemplo). A data iminente inclusive explicava algumas coisas que estavam acontecendo na minha volta, mas as quais já em si não me interessavam muito, a ponto de eu nem estar realmente curioso para buscar explicações.
De qualquer forma, brincamos sobre certa imagem que compartilhamos a respeito de minha família e da minha relação com feriados em geral. Combinamos então que ela aproveitaria o fato de vir aqui perto (visitar seu pai) para passar na minha casa, em seguida. No domingo, marcado por uma chuva ininterrupta que vinha do dia anterior e iria ao seguinte, ela não apareceu. Imaginei que por causa da chuva. Mandei uma mensagem checando a teoria, e a moça me responde com a seguinte frase: "Meu pai esqueceu do dia dos pais rs". Não escolhi essa frase por tragicidade, e sim porque esse esquecimento poderia ser relativamente tranquilo se imaginado, mas ainda assim foi curioso receber tal mensagem no celular, efetivamente "presenciar" na realidade algo que teoricamente não parece nada surpreendente.
A frase, no mínimo, retomou antigas analogias que fizemos entre nossas famílias e, parece surpreendente, revelou a verdade de LM Lights: "Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum".
domingo, 9 de agosto de 2009
sábado, 8 de agosto de 2009
Destaques do findi
Primeiro: bom que a Zero está adotando manchetes interessantes. Por exemplo: "Mulheres pilotam os espetos" - clever... Mais bonita ainda: "A capital é campeã em chupetas"!!!
Segundo: um ilha nossa, na divisa com Argentina e Uruguai, sofreu um grave incêndio, que começou na tarde de sexta. 40% da ilha foi queimada. O pessoal termina a matéria com a seguinte frase: "As chamas já foram controladas". - Que mané "já"? 40% da coisa pegou fogo!
Terceiro: o mais novo estudo de Educação que querem implantar no Brasil é o de Nova York! Nem começaram a seguir os planos recém feitos conforme a Europa e já chegou a nova moda. É claro que a coisa tem mil furos para ser aplicada aqui, mas tem umas que são tão diretas que cabem neste blog. P. ex., uma das medidas permite que o diretor contrate assessoria técnica! Hahahaha. Adivinha quem ele vai contratar? Já não tem cargo público de graça demais por aqui? Bom, a Yeda vai precisar de emprego logo, se tudo andar como prometem. Quem sabe?
O plano ainda envolve estabelecer a punição ou premiação dos profissionais por resultados, o que pode chegar a demissão. Pra começar, a premiação por resultados já existe para as instituições e praticamente só deu merda. Por que diabos a coisa funcionaria diferente? Planos de emprego, como ficam? E, pra completar, isso envolve uma série de medidas (até mesmo uma avaliação colada nos alunos feita com um sistema da IBM) que dependem de... investimento! hahaha A premiação e a promoção dos professores que se destacam também custa dinheiro, não esqueçamos.
Apenas para não perder tempo com as medidas americanas menos impossíveis de serem aplicadas decentemente aqui, termino com a novidade de que os alunos infratores seriam facilmente (pensando na qualidade do comportamento de brasileiros) expulsos. Pra onde? E como ficaria toda a máquina assistencial que mantém o caos nas escolas e os votos na situação?
Pra completar, a frase inicial da matéria da Zero a esse respeito diz tudo, mesmo que tentem dar peso só ao lado bom dela, claro: "A reforma passa ao largo da discussão sobre teorias pedagógicas e se concentra em resultados". Curiosidade: quando os EUA vão bolar uma estratégia sobre ALGUMA coisa que não se resuma a essa frase e que tenha chances de resultar em qualidade?
Segundo: um ilha nossa, na divisa com Argentina e Uruguai, sofreu um grave incêndio, que começou na tarde de sexta. 40% da ilha foi queimada. O pessoal termina a matéria com a seguinte frase: "As chamas já foram controladas". - Que mané "já"? 40% da coisa pegou fogo!
Terceiro: o mais novo estudo de Educação que querem implantar no Brasil é o de Nova York! Nem começaram a seguir os planos recém feitos conforme a Europa e já chegou a nova moda. É claro que a coisa tem mil furos para ser aplicada aqui, mas tem umas que são tão diretas que cabem neste blog. P. ex., uma das medidas permite que o diretor contrate assessoria técnica! Hahahaha. Adivinha quem ele vai contratar? Já não tem cargo público de graça demais por aqui? Bom, a Yeda vai precisar de emprego logo, se tudo andar como prometem. Quem sabe?
O plano ainda envolve estabelecer a punição ou premiação dos profissionais por resultados, o que pode chegar a demissão. Pra começar, a premiação por resultados já existe para as instituições e praticamente só deu merda. Por que diabos a coisa funcionaria diferente? Planos de emprego, como ficam? E, pra completar, isso envolve uma série de medidas (até mesmo uma avaliação colada nos alunos feita com um sistema da IBM) que dependem de... investimento! hahaha A premiação e a promoção dos professores que se destacam também custa dinheiro, não esqueçamos.
Apenas para não perder tempo com as medidas americanas menos impossíveis de serem aplicadas decentemente aqui, termino com a novidade de que os alunos infratores seriam facilmente (pensando na qualidade do comportamento de brasileiros) expulsos. Pra onde? E como ficaria toda a máquina assistencial que mantém o caos nas escolas e os votos na situação?
Pra completar, a frase inicial da matéria da Zero a esse respeito diz tudo, mesmo que tentem dar peso só ao lado bom dela, claro: "A reforma passa ao largo da discussão sobre teorias pedagógicas e se concentra em resultados". Curiosidade: quando os EUA vão bolar uma estratégia sobre ALGUMA coisa que não se resuma a essa frase e que tenha chances de resultar em qualidade?
Poesia numa Hora Dessas
BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catabumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
Drummond - Alguma Poesia
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catabumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
Drummond - Alguma Poesia
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Hábito
Tem muita coisa da nossa terrinha que parece natural, e muita coisa que se engole com o tempo. Mas, mesmo que seja numa lista dos que votaram pela CPI contra a Yeda (resumindo), não parece que vá soar tranquilo nunca ler, entre nomes de deputados, "Mano Changes".
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Dúvidas inverossímeis do cotidiano
Por que vento frio só vem da frente?
Por que algumas pessoas só se fodem? Por que essas pessoas reclamam?
Por que entra mais poeira nos olhos quando se está de óculos?
Por que impressão, se nítida? Por que nítida, se impressão?
Por que algumas pessoas só se fodem? Por que essas pessoas reclamam?
Por que entra mais poeira nos olhos quando se está de óculos?
Por que impressão, se nítida? Por que nítida, se impressão?
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Danos morais
Você sabia que...
a subestação de Campina Redonda está no município de Espumoso?
Sério, não tem um cartório aonde os Lugares podem ir, depois de certa idade, para mudar de nome?
a subestação de Campina Redonda está no município de Espumoso?
Sério, não tem um cartório aonde os Lugares podem ir, depois de certa idade, para mudar de nome?
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Estudo acadêmico e tarde bucólica
Ele precisa, portanto, estar seguro de antemão, de um modo ou de outro, de que participará de sua morte. Se necessário, só na Asun Jardim Leopoldina: extrato de tomate, 140 gramas, apenas 59 centavos, margarina Soya 500 gramas, só um real e nove centavos. Molho de tomate Xavante 340 gramas, apenas 98 centavos. Só no Asun Jardim... a morte no sentido figurado: o fim do romance. Mas de preferência a morte Au Au Au Au Au grrrrrrr... a morte verdadeira. Como esses personagens anunciam que a morte já está à sua espera, uma morte determinada, num lugar determinado? É dessa ques moto moto moto Moto Moto MOTO MOTO MOTO Moto moto MOTO moto moto... é dessa questão que se alimenta o interesse absorvente do leitor.
Em consequência, o romance não é significativo por descrever pedagogicamente um destino alheio, Escuro? Abre o olho! mas porque esse destino alheio, graças à chama que o consome, pode dar-nos o calor que não podemos encontrar em nosso próprio destino. Buáááááá - Para de berrar!!!! - ááááááá - Para de berrar!!!!!! - ááááááááá O que seduz o leitor no romance é a áááááááááááá esperança de aquecer sua vida áááááááááá gelada com a morte descrita no livro. Esperança de aquecer sua vida com a áááááááááááá - Pausa pro café...
Em consequência, o romance não é significativo por descrever pedagogicamente um destino alheio, Escuro? Abre o olho! mas porque esse destino alheio, graças à chama que o consome, pode dar-nos o calor que não podemos encontrar em nosso próprio destino. Buáááááá - Para de berrar!!!! - ááááááá - Para de berrar!!!!!! - ááááááááá O que seduz o leitor no romance é a áááááááááááá esperança de aquecer sua vida áááááááááá gelada com a morte descrita no livro. Esperança de aquecer sua vida com a áááááááááááá - Pausa pro café...
Tirando suco de pedra
Anunciando a milésima versão de Betty, a Feia, o Correio busca dignidade para a "notícia" començando-a da seguinte forma: "A teledramaturgia da Rede Record estreia hoje..." Isso é que é acreditar na magia das palavras. Pelo bem do ibope, algum cético colocou a foto da atriz principal logo abaixo do início da matéria. A mulher não é tudo isso, mas não deixa de ser mais convincente que qualquer engrandecimento jornalístico do assunto.
In: CQC
Essa frase dita por um cara caindo de bêbado ficou perfeita:
"Bebida não é uma constante, é um instante!"
"Bebida não é uma constante, é um instante!"
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Idade de prioridades
Definitivamente, constato que estou numa idade da vida em que priorizo a sobremesa...
De esquerda ou de direita
Como estamos hoje em dia, o ambiente partidário é perfeito para aquela clássica resposta de brincadeira "Não, fulano, a outra direita". Acostumados por muito tempo a entender direita como o pessoal que estava no poder e era conservador e esquerda como a galera fora do governo e progressiva, ou até, romanticamente, revolucionária, todo mundo parece ter medo de usar a antiga nomenclatura hoje. A não ser, é claro, aqueles que atrelaram esses termos como cunhagem, para quem PSDB só pode ser direita e PT só pode ser esquerda, por exemplo.
Perdido no caos pelo jeito, ou simplesmente reconhecendo a confusão e não querendo confundir leitores, FHC deu um jeito interessante de driblar a baderna e sair bonito do outro lado. Refiro-me a um texto dele publicado na Zero Hora de domingo (e em vários outros lugares, como o Estadão), "Os limites da tolerância". Denotando formação de pesquisador acadêmico, 3/4 do texto são preenchidos por citações e paráfrases. Comprovando prática política, esses 3/4 pouco têm a ver com o assunto, verdadeiramente, apesar de ele tentar encaixar uma coisa na outra por uns arremates que apelam à boa vontade ou à paranoia do leitor (pois tudo, afinal, tem alguma ligação com tudo mais). Dá indícios, porém, de que apenas tinha lido o livro que tanto cita recentemente: estava na mão, fresco na mente, por que não encher colunas e colunas com ele?
Como acadêmico também, não vou fugir de citar e referir, mas pretendo que isso tenha a ver com o que estou dizendo, afinal, o texto dele é realmente meu assunto. O livro que FH leu trata da Holanda, o que em si é fortuito, dada a confusão entre partidos que mencionei. Fosse sobre a Suíça, num texto que fingesse relações entre esse país e o Brasil, e poderíamos pensar que estávamos lendo algo escrito pelo Lula (ok, não lembro de o Lula escrever alguma coisa, mas é melhor prevenir que remediar, né, FH?). Ele acaba estabelecendo, em todas essas paráfrases e citações, uma certa indicação dos diversos problemas envolvidos na busca do convívio pacífico entre vários povos sob uma mesma bandeira. Os desenraizados, como chama, sejam os recém-chegados, que perdem uma identidade ou se firmam nela fanaticamente, sejam os autóctones, que percebem a mudança de seu país natal devido à proliferação de culturas com as quais não se identificavam e a um poder político oligárquico que também não os representaria em sua própria terra. É no âmbito europeu de migração acentuada, fundamentalismos e atentados terroristas que FHC primeiro utiliza a expressão "populismos, de direita ou de esquerda", na mesma lista em que constam "terrorismo", "apego aos vários fundamentalismos" e "violência", ou seja, tudo isso, populismo incluído, são respostas ou resultados do desenraizamento.
Muito bem. Parágrafo seguinte (penúltimo!), chegamos ao Brasil. Primeiro, louva nossa tolerância (que pouco tem a ver, em fundamento, com a tolerância que a Holanda costumava apresentar, mas ele não toca no tema). Aproveita para criticar o "racismo antirracista" que teria sido quase implantado recentemente; ora, talvez não estejamos tão tolerantes quanto interessaria para seu argumento, pelo jeito. E de fato, como ele indica, diferenças linguísticas e religiosas no Brasil não são da mesma natureza que as da Holanda. Nossas migrações mais acentuadas são internas... Hm... Por que ele falou em Holanda mesmo?
Peraí! Mas aí ele viu semelhança! Nós somos desenraizados! Num deslizamento nada silencioso de sentido, ele indica a conexão que queria fazer: "[somos um país] Portanto, de 'desenraizados'. E desenraizados não são apenas os recém incluídos, geográfica e ou socialmente, à sociedade moderna. São também os oligarcas que não se conformam que ela clame por novas práticas e não querem perceber as mudanças." Ou eu bebi, ou o FH saiu de um contexto em que o povo era desenraizado por causa de uma oligarquia ou por trazer para uma nação religião e língua bastante discrepantes e chegou na nossa realidade, achando desenraizamento na própria oligarquia e igualdade onde só há diferença. Aliás, se fosse para forçar metáfora, eu diria que a oligarquia não só tem raízes como é dona do próprio chão. E o que ele percebeu como racismo antirracista não seria uma visão pejorativa de uma consequência da busca dessas "novas práticas" tão difíceis de engolir para quem não vê o mundo mudando à sua volta? Concordo que ultrapuritanismo nunca é legal, mas existem formas mais positivas e compreensivas de se referir a lutas de identidade. Um dos problemas apontados em todo o trecho que falava sobre a Holanda não era a incompreensão entre elite e povo?
Legal mesmo, porém, é a penúltima frase do texto, finalmente o assunto que lhe interessava: "O mais triste ocorre, como agora, quando os que chegaram ao poder para renovar e adaptá-lo aos novos tempos aderem aos hábitos do 'clube oligárquico' e se autoatribuem a 'missão histórica' de perdoar os trangressores e dar continuidade às velhas práticas." Aaaaah! Ok. Certo. Completa o link entre esse Brasil e a Holanda repetindo seu aviso sobre os "novos populismos, de esquerda ou de direita". Tri: era impossível definir, de forma clara, se falar mal do Lula, do PT ou do governo seria falar mal de esquerda ou de direita; ao mesmo tempo, um dos piores problemas (não só) de nossa política é o populismo; além disso, FH acabava de ler um livro interessante sobre a Holanda e uma metáfora apocalíptica sempre reforça nosso argumento. Junta tudo de qualquer jeito num texto só e tá feito! Esquerda ou direita? Refere as duas, uai, óbvio. A antiga brincadeira "Se faz de neutro". Gostei da solução: indefinição política vira isenção retórica. E ele pode até terminar dizendo que nossas instituições não representam o sentimento das massas, mas é tão difícil acreditar que esses interesses tenham algo em comum com os dele que mesmo essa verificação óbvia fica suspeita. Afinal, quem foi que passou a faixa para o Lula mesmo? O Brasil era tão diferente antes no que diz respeito a poder oligárquico?
Francamente, nada a favor do Lula. E, sim, populismo é uma praga, mas esse texto me lembrou o Serra com argumentos ponderados e insossos perdendo para o populismo desavergonhado do Lula no debate da última eleição. Afinal, o Serra tem muito da culpa por ter perdido. Como ele foi tão fraco como candidato pra não derrotar um sujeito na situação perigosíssima em que o Lula se encontrava (e, não, eu não votei nele)? Sei que política não se faz com discursos lógicos nem com pensamentos consequentes, mas o FHC não ter já automatizada uma retórica melhor me pareceu mau agouro, por algum motivo.
Perdido no caos pelo jeito, ou simplesmente reconhecendo a confusão e não querendo confundir leitores, FHC deu um jeito interessante de driblar a baderna e sair bonito do outro lado. Refiro-me a um texto dele publicado na Zero Hora de domingo (e em vários outros lugares, como o Estadão), "Os limites da tolerância". Denotando formação de pesquisador acadêmico, 3/4 do texto são preenchidos por citações e paráfrases. Comprovando prática política, esses 3/4 pouco têm a ver com o assunto, verdadeiramente, apesar de ele tentar encaixar uma coisa na outra por uns arremates que apelam à boa vontade ou à paranoia do leitor (pois tudo, afinal, tem alguma ligação com tudo mais). Dá indícios, porém, de que apenas tinha lido o livro que tanto cita recentemente: estava na mão, fresco na mente, por que não encher colunas e colunas com ele?
Como acadêmico também, não vou fugir de citar e referir, mas pretendo que isso tenha a ver com o que estou dizendo, afinal, o texto dele é realmente meu assunto. O livro que FH leu trata da Holanda, o que em si é fortuito, dada a confusão entre partidos que mencionei. Fosse sobre a Suíça, num texto que fingesse relações entre esse país e o Brasil, e poderíamos pensar que estávamos lendo algo escrito pelo Lula (ok, não lembro de o Lula escrever alguma coisa, mas é melhor prevenir que remediar, né, FH?). Ele acaba estabelecendo, em todas essas paráfrases e citações, uma certa indicação dos diversos problemas envolvidos na busca do convívio pacífico entre vários povos sob uma mesma bandeira. Os desenraizados, como chama, sejam os recém-chegados, que perdem uma identidade ou se firmam nela fanaticamente, sejam os autóctones, que percebem a mudança de seu país natal devido à proliferação de culturas com as quais não se identificavam e a um poder político oligárquico que também não os representaria em sua própria terra. É no âmbito europeu de migração acentuada, fundamentalismos e atentados terroristas que FHC primeiro utiliza a expressão "populismos, de direita ou de esquerda", na mesma lista em que constam "terrorismo", "apego aos vários fundamentalismos" e "violência", ou seja, tudo isso, populismo incluído, são respostas ou resultados do desenraizamento.
Muito bem. Parágrafo seguinte (penúltimo!), chegamos ao Brasil. Primeiro, louva nossa tolerância (que pouco tem a ver, em fundamento, com a tolerância que a Holanda costumava apresentar, mas ele não toca no tema). Aproveita para criticar o "racismo antirracista" que teria sido quase implantado recentemente; ora, talvez não estejamos tão tolerantes quanto interessaria para seu argumento, pelo jeito. E de fato, como ele indica, diferenças linguísticas e religiosas no Brasil não são da mesma natureza que as da Holanda. Nossas migrações mais acentuadas são internas... Hm... Por que ele falou em Holanda mesmo?
Peraí! Mas aí ele viu semelhança! Nós somos desenraizados! Num deslizamento nada silencioso de sentido, ele indica a conexão que queria fazer: "[somos um país] Portanto, de 'desenraizados'. E desenraizados não são apenas os recém incluídos, geográfica e ou socialmente, à sociedade moderna. São também os oligarcas que não se conformam que ela clame por novas práticas e não querem perceber as mudanças." Ou eu bebi, ou o FH saiu de um contexto em que o povo era desenraizado por causa de uma oligarquia ou por trazer para uma nação religião e língua bastante discrepantes e chegou na nossa realidade, achando desenraizamento na própria oligarquia e igualdade onde só há diferença. Aliás, se fosse para forçar metáfora, eu diria que a oligarquia não só tem raízes como é dona do próprio chão. E o que ele percebeu como racismo antirracista não seria uma visão pejorativa de uma consequência da busca dessas "novas práticas" tão difíceis de engolir para quem não vê o mundo mudando à sua volta? Concordo que ultrapuritanismo nunca é legal, mas existem formas mais positivas e compreensivas de se referir a lutas de identidade. Um dos problemas apontados em todo o trecho que falava sobre a Holanda não era a incompreensão entre elite e povo?
Legal mesmo, porém, é a penúltima frase do texto, finalmente o assunto que lhe interessava: "O mais triste ocorre, como agora, quando os que chegaram ao poder para renovar e adaptá-lo aos novos tempos aderem aos hábitos do 'clube oligárquico' e se autoatribuem a 'missão histórica' de perdoar os trangressores e dar continuidade às velhas práticas." Aaaaah! Ok. Certo. Completa o link entre esse Brasil e a Holanda repetindo seu aviso sobre os "novos populismos, de esquerda ou de direita". Tri: era impossível definir, de forma clara, se falar mal do Lula, do PT ou do governo seria falar mal de esquerda ou de direita; ao mesmo tempo, um dos piores problemas (não só) de nossa política é o populismo; além disso, FH acabava de ler um livro interessante sobre a Holanda e uma metáfora apocalíptica sempre reforça nosso argumento. Junta tudo de qualquer jeito num texto só e tá feito! Esquerda ou direita? Refere as duas, uai, óbvio. A antiga brincadeira "Se faz de neutro". Gostei da solução: indefinição política vira isenção retórica. E ele pode até terminar dizendo que nossas instituições não representam o sentimento das massas, mas é tão difícil acreditar que esses interesses tenham algo em comum com os dele que mesmo essa verificação óbvia fica suspeita. Afinal, quem foi que passou a faixa para o Lula mesmo? O Brasil era tão diferente antes no que diz respeito a poder oligárquico?
Francamente, nada a favor do Lula. E, sim, populismo é uma praga, mas esse texto me lembrou o Serra com argumentos ponderados e insossos perdendo para o populismo desavergonhado do Lula no debate da última eleição. Afinal, o Serra tem muito da culpa por ter perdido. Como ele foi tão fraco como candidato pra não derrotar um sujeito na situação perigosíssima em que o Lula se encontrava (e, não, eu não votei nele)? Sei que política não se faz com discursos lógicos nem com pensamentos consequentes, mas o FHC não ter já automatizada uma retórica melhor me pareceu mau agouro, por algum motivo.
sábado, 1 de agosto de 2009
Futebol eloquente
"Não há muito que fazer quando já se trata apenas do segundo dia depois da derrota para o São Paulo." - Ruy Carlos Ostermann
Não gosto de futebol, mas gostei da frase. Expressivo o senhor. Que desolação!
Não gosto de futebol, mas gostei da frase. Expressivo o senhor. Que desolação!
Caderno do professor, um documento sociológico
Estava organizando as notas de minhas aulas de conversação para um californiano e encontrei uma lista das palavras que ele aprendeu logo de início. Elas brotaram ao gosto dos assuntos que surgiam, em geral por simples associação de ideias, e estavam anotadas para ajudá-lo a entender algumas pronúncias. Eram as seguintes:
- esquema
- maracutaia
- cafundó
- deposição
- tráfico de influências
- pensão
- empate
- deboche
Leopoldina é isso aí
Conforme minha humilde experiência, quando acordamos porque alguém acaba de dizer em alto e bom som "Puta que pariu!", ou moramos na frente de um campo de futebol ou alguma pessoa está muito arrependida de descobrir que acaba de despertar do nosso lado. Quando fui acordado por essa frase hoje, às 7h da manhã, verifiquei com dúbia felicidade que não se tratava da segunda opção. De volta para o travesseiro.
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