Como dizem os que sofrem de xenofilia, "you gotta pick your battles". Por isso mesmo, desisti de levar meu celular para a sala de aula. Trata-se de um aparelho pouco poderoso, mas relativamente atraente. Ele não tem grandes funções e algumas delas eu nem tento usar, porque rendem muito abaixo das minhas exigências idealistas. Não é um "i-qualquer-coisa", nem mesmo aqueles aparelhos tradicionais que fingem ser um. Para completar o quadro, paguei metade do preço (porque aproveitei uma promoção numa loja, não o comprei dos revendedores-de-aparelhos-furtados-trabalhando-sob-vista-grossa que labutam no Centro da cidade, logo ali, do lado da prefeitura).
Deixei de levar esse aparelho cuja maior qualidade tecnológica é a aparência porque enchi de passar todo o trimestre ouvindo comentários maldosos sobre meu suposto exibicionismo em sala de aula. O que acontece é o seguinte: como a maioria dos seres humanos da minha geração ou das mais recentes, não uso relógio. Os que existem nas salas de aula estão estragados, sem pilhas, adiantados ou podem ter sido adulterados pelos alunos. A única forma de cuidar do horário, portanto, é olhar o celular. Eu tenho péssima noção de tempo, de modo que preciso conferir o horário muitas vezes numa mesma aula, em geral. Isso significa que volta e meia tiro o celular do bolso e dou uma olhada.
Não pensem que é um problema de "classe social": a maioria dos alunos têm aparelhos melhores que o meu, ou pelo menos equivalentes (mesmo que não tenham tantas vezes canetas ou até cadernos); a maioria dos professores têm celulares melhores. Em oposição aos outros professores, o que me diferencia é o tira-tira do celular do bolso. Mas, e em relação aos alunos (e ao resto da humanidade), por que meu celular se destaca? Ora, o motivo é óbvio: porque sou professor. Ironicamente, eu troquei de celular por questões de mercado das telefonias que considero ridículas, mas isso é outra história.
Lecionar causa um fenômeno óptico fantástico. Ser reconhecido como professor faz com que tudo que se possua pareça inadequadamente caro e tecnológico. Qualquer carro normal, se possuído por um professor, é um grande, caro e belo carro. Adicione-se, é óbvio, um "demais" a tudo isso. Grande demais para um professor, caro demais para um professor, bonito demais para um professor. Do que afinal os professores reclamam tanto, se possuem bens que um estagiário de Direito poderia comprar?! Um aluno, sem trabalhar, não consegue comprar o mesmo que um professor com contrato de 40 horas. Não é injusto?! Nitidamente o salário do professor está acima do aceitável!
Os comentários preconceituosos a respeito do meu ridículo celular vinham desde que o comprei, no começo do ano, mas atingiram o ápice após a recente greve, porque a ideia de que professores ganhem o mesmo que um CC mais humilde, com Ensino Médio completo (!), choca a sensibilidade da população. Finalmente, cansei de ignorar, responder, levar na brincadeira e distorcer as críticas: catei meu antigo celular, tão retrô que até um ladrão, se o pegar um dia, vai achar que está sendo enganado, o velho truque do "celular do ladrão". Melhor escrever bem na tela: "sou professor"; capaz de ele acreditar que é mesmo o que eu uso e, quem sabe, ficar com pena e devolver. Porque não existe nada mais bonito do que ser condescendente com professores. A obrigação destes, é claro, é se manterem pobres, aliás, obrigação de todo "trabalhador de bem". Ter dinheiro, qualquer dinheiro, é feio, como vocês sabem. Devemos todos permanecer na devida miséria, recebendo consideração como esmola, sendo muito grato, sim Sinhô.
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