Quando decidimos conter gastos, obviamente as coisas aqui em casa começaram a quebrar. A primeira ou segunda delas foi a tábua de passar (fiel havia décadas). Confrontados com as opções que tínhamos no super aqui perto e com a pressa da decisão, terminamos por comprar uma de madeira, Tramontina! Nem sabíamos que a marca existia para tábuas de passar, mas era mesmo a melhor opção de custo-benefício.
O primeiro uso foi particularmente trágico, mas fortuito. Enquanto minha parceira de união estável fazia o uso de estreia, conversávamos sobre o quanto certas afirmações que fazemos em teses e dissertações nos soam óbvias, e o quanto isso nos provoca insegurança, ao mesmo tempo em que pensamos que, se ninguém disse antes, não deve ser obviedade para mais ninguém. Agora, "será que ninguém disse justamente por ser tão óbvio?" Quando insistemente comprovamos que as consequências lógicas dessas "obviedades" não foram perseguidas por ninguém, tomamos coragem de arriscar dizer o que pensamos, mas a insegurança não some por essas vias racionais.
É nessas horas que tento lembrar do caso de Foucault. Eis um autor importante por publicar obviedades que ninguém dizia. Não fiz um estudo histórico que comprove se o que ele escrevia era já óbvio ou se tudo se tornou óbvio porque ele foi tão lido. Parece-me que a última opção é menos provável, já que lhe são atribuídas tantas conclusões que não se encontram realmente em seus textos, nem como subentendidos. De uma forma ou de outra, ele me parece um exemplo que nos assegura a arriscar quando o que nos parece muito lógico está muito esquecido ou ignorado.
Enfim, falávamos sobre isso quando o forro da tábua de passar, no primeiro contato direto do ferro, se desfez. O calor do ferro (no início da passada, ou seja, nem no ápice do que poderia atingir) destruiu todo o material que entrou em contato com ele. Como?! Será que o pessoal da Tramontina não pensou em escolher um material que resistisse ao calor de um ferro de passar? Não é óbvio que o material tem de resistir ao calor, pois a roupa ali será passada a ferro quente?
Tal acidente foi fortuito para nos lembrar, a propósito da conversa, que de fato não existem obviedades. O que sabemos tende a nos parecer óbvio, mas pode ser novidade (por descuido, ignorância ou preocupações alheias) para aqueles que não pensam como nós, ou que têm outros problemas em mente. Havia me escapado essa consideração, que em geral busco carregar sempre comigo, mas olhar aquela tábua reforrada na paz de nosso lar deve ainda me lembrar por muito tempo: não existem obviedades. Então publiquemos o que achemos importante publicar, o que nos parece fazer falta ao permanecer esquecido no silêncio. Sempre tem gente precisando ouvir ou ler o que nos parece óbvio.
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